A floresta na Lei de Bases do Clima

O reforço do papel da floresta como sumidouro de carbono e o uso da biomassa florestal residual de forma sustentável no contexto da energia são alguns dos aspetos patentes na Lei de Bases do Clima, aprovada pela Assembleia da República em novembro 2021.

O reconhecimento da situação de emergência climática em que vivemos e o compromisso de fazer todos os esforços para antecipar as metas nacionais de neutralidade climática são duas das linhas gerais que enquadram a Lei de Bases do Clima, ainda a aguardar entrada em vigor.

O documento traça como metas a redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030, 65% a 75% até 2040, e 90% até 2050 (face aos níveis de 2005). Apesar destes horizontes temporais, o texto compromete o Governo a estudar a antecipação do objetivo global de neutralidade carbónica para 2045, revendo as metas traçadas com maior grau de ambição, à luz dos resultados que vierem a ser obtidos e de novos conhecimentos científicos e tecnológicos.

Além da redução de emissões, a Lei de Bases do Clima reforça o papel de sumidouro das florestas e do solo (sector LULUCF – Land use, land use change and forest), que terá à sua responsabilidade a absorção de, pelo menos, 13 megatoneladas líquidas de gases com equivalência em dióxido de carbono (CO2eq), entre 2045 e 2050.

O uso da biomassa florestal residual é outra das vertentes mencionadas no âmbito da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, com novos requisitos em termos de sustentabilidade:

• “A certificação da origem de biomassa florestal residual e a regular fiscalização da natureza da biomassa utilizada para a produção elétrica”;

• “A interdição do recurso a madeira de qualidade, biomassa de «culturas energéticas» e biomassa residual procedente de territórios longínquos para a produção de energia a partir de biomassa”.

Neste contexto, a nova Lei prevê ainda que a utilização de biomassa florestal residual para fins energéticos seja articulada com os instrumentos de prevenção de incêndios rurais e de gestão territorial, nomeadamente com o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais e com os Planos Regionais de Ordenamento Florestal.

Reduzir risco de incêndio e aumentar capacidade do sequestro

O compromisso com a sustentabilidade e resiliência da floresta é reforçado pela Lei de Bases do Clima, que tem em vista dois objetivos interrelacionados: a redução do risco de incêndio e o aumento da capacidade do sequestro de carbono. Alcançá-los passará por ações específicas nas quais, além da prevenção e combate aos incêndios rurais, se incluem:

• reflorestação, em particular nas áreas ardidas;

• atualização do cadastro da propriedade rural, que apoiará o ordenamento do território florestal;

• aumento do investimento e conhecimento sobre gestão florestal e sobre a sua cadeia de valor;

• promoção de culturas florestais mais sustentáveis e resilientes, nomeadamente autóctones, quercíneas – género Quercus – e folhosas;

• valorização dos serviços dos ecossistemas;

• reconversão de floresta e transformação da paisagem;

A legislação refere ainda a necessidade de manter e incorporar a biomassa florestal residual no solo para manter a sua integridade ecológica e os vários serviços do ecossistema com ele relacionados, desde a fixação de carbono à formação de habitats e prevenção da erosão hídrica.

Os espaços verdes urbanos deverão ser também promovidos, com vista a aumentar a cobertura verde nas cidades e atenuar os efeitos das chamadas “ilhas de calor”.

De forma mais ou menos direta, vários outros objetivos da política do clima patentes na Lei de Bases do Clima impactam os ecossistemas florestais e agroflorestais, como é o caso da promoção da economia circular. Neste eixo, a nova lei volta a referir a biomassa florestal residual, com o Estado a comprometer-se em promover formas mais eficientes, do ponto de vista “técnico, climático e económico”, de aproveitar os resíduos que resultam da fileira.

Clima mais presente no ensino, empresas, indústria e dia a dia dos portugueses

Entre as várias medidas que irão alterar aspetos práticos da vida dos portugueses, a Lei de Bases do Clima prevê para 2035 o fim da comercialização de novos veículos ligeiros movidos em exclusivo a combustíveis fósseis.

A eliminação do gás natural fóssil do sistema nacional até 2040 e a retirada progressiva, até 2030, da subsidiação direta ou indireta dos combustíveis fósseis são outras medidas previstas, a par do reforço da aplicação da taxa de carbono, com maior tributação sobre o uso dos recursos.

Por sua vez, os comportamentos individuais que promovam a defesa do ambiente e a redução da pegada ecológica (pela aquisição, consumo e utilização de bens e serviços ambientalmente sustentáveis) serão recompensados através de uma nova categoria de deduções fiscais – IRS Verde.

Com a nova Lei de Bases do Clima, o tema “clima” passará também a incorporar os currículos do ensino obrigatório e pretende-se a sua adoção pelo ensino superior, ao mesmo tempo que o Governo disponibilizará ferramentas de conhecimento a outras infraestruturas culturais e de divulgação, incluindo museus, centros de ciência e bibliotecas.

Para as empresas esperam-se novas regras governativas, a conhecer um ano após a entrada em vigor da Lei de Bases do Clima. Para já, o documento prevê que as organizações terão de considerar os diferentes cenários climáticos a que estão expostas e os potenciais impactes financeiros que deles possam advir.

Até vinte e quatro meses após a entrada em vigor da presente lei, o Governo compromete-se também a elaborar e apresentar à Assembleia da República a “Estratégia Industrial Verde”, que traçará um enquadramento estratégico de apoio à indústria no processo de transição climática, apoiando o cumprimento dos objetivos ambientais e o reforço da sua competitividade sustentável.

O Governo irá ainda a criar e disponibilizar uma ferramenta digital pública e acessível através da Internet para que os cidadãos possam monitorizar a informação nacional sobre emissões, metas nacionais, compromissos internacionais e progressos face às metas traçadas. A mesma estrutura dará a conhecer fontes de financiamento para ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para os sectores público e privado, e seu respetivo estado de execução; estudos e projetos de investigação e desenvolvimento, assim como projetos de cooperação internacional.

No que toca à política externa, Portugal compromete-se a defender, junto das Nações Unidas, o reconhecimento do conceito de “clima estável”, apoiando a sua classificação como “Património Comum da Humanidade”. Considerado está também o apoio internacional à definição do conceito e estatuto de “refugiado climático”, assim como o seu reconhecimento nacional.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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