Francisco Avillez

A neutralidade carbónica e a PAC pós-2020 – Francisco Avillez

1. O contributo da agricultura para a descarbonização da economia portuguesa

É, hoje em dia, consensual que o sector agroalimentar pode desempenhar um papel muito importante no combate às alterações climáticas em geral e na neutralidade carbónica em particular.

São quatro os principais grupos de medidas que, no âmbito do sector agroalimentar, poderão contribuir para a descarbonização da economia:

  • medidas que promovam a redução das emissões de metano (CH4), dióxido de carbono (CO2) e oxido nitroso(N2O) (medidas mitigadoras);
  • medidas que contribuam para a acumulação de CO2 na vegetação e nos solos (medidas sequestradoras);
  • medidas que encorajem os consumidores a optarem por dietas mais saudáveis e responsáveis por menores emissões de gases de efeito de estufa (GEE);
  • medidas que contribuam para a redução das perdas ao longo das cadeias de produção de alimentos e dos desperdícios alimentares pelos consumidores.

A AGRO.GES, no trabalho que desenvolveu no âmbito do Roteiro de Neutralidade Carbónica (RNC 2050), tendo tido subjacentes estes quatro tipos de medidas, debruçou-se detalhadamente sobre os dois primeiros tipos de medidas descarbonizadoras, tendo concluído da sua importância decisiva para a descarbonização futura da economia nacional.

Foram os seguintes os tipos de medidas descarbonizadoras levadas em consideração na elaboração do RNC 2050:

  • as medidas mitigadoras, associadas com a eficiência da alimentação animal, com a gestão dos efluentes pecuários e com a agricultura de precisão;
  • as medidas sequestradoras, associadas com a agricultura de conservação (ou regenerativa) em geral e com as pastagens permanentes melhoradoras em particular.

Tomando como base de análise dois diferentes cenários de evolução do sector agrícola, aos quais se atribuiu uma menor (Cenário Pelotão) ou maior exigência (Cenário Camisola Amarela) do ponto de vista da sua contribuição para a neutralidade carbónica em 2050, chegou-se às seguintes principais conclusões quanto à importância futura das medidas descarbonizadoras em causa.

Primeiro, que na ausência das diferentes medidas descarbonizadoras a evolução esperada do sector agrícola até 2050 irá ter como consequência um aumento no valor global das emissões líquidas de GEE de 0,2 Mt CO2e, no caso do Cenário Pelotão, e uma redução de, apenas, -0,9 Mt CO2e, no caso do Cenário Camisola Amarela, ou seja, variações acumuladas entre 2020 e 2050 de, respectivamente, 3% e -12%.

Segundo, que da adopção por parte do sector agrícola português do conjunto de medidas descarbonizadoras anteriormente referidas, poderá vir a ter um impacto muito positivo para a neutralidade carbónica da economia nacional, uma vez que irão possibilitar, até 2050, uma redução das emissões líquidas de GEE por parte deste sector, num valor global de -1,6 MtCO2e, no caso do Cenário Pelotão, e de -3,7 MtCO2e, no caso do Cenário Camisola Amarela, ou seja, variações acumuladas, entre 2020 e 2050 de, respectivamente, -21% e -49%.

Terceiro, que em ambos os cenários mais de 80% das reduções no valor global das emissões resultantes das medidas descarbonizadoras em causa, irão estar dependentes do aumento da capacidade de sequestro de CO2 pelos solos agrícolas, resultante da expansão das áreas ocupadas pelos sistemas de agricultura de conservação (ou regenerativa) em geral e das pastagens permanentes melhoradoras em particular.

Poder-se-á, portanto, concluir que só será possível alcançar uma contribuição significativa do sector agrícola para a descarbonização da economia nacional se o Governo Português vier a colocar a gestão e conservação dos solos agrícolas no centro do seu plano estratégico para a PAC pós-2020, o que irá implicar a adopção de medidas orientadas prioritariamente para a promoção de práticas capazes de contribuir para o aumento do teor de matéria orgânica nos solos, da qual irão resultar ganhos de capacidade, quer de sequestro de CO2, quer de retenção de água, ambos indispensáveis para o combate aos efeitos das alterações climáticas na maior parte do território nacional.

2. O indispensável contributo da reforma da PAC para a adoção das melhores práticas

Irão, neste contexto, assumir uma importância decisiva as orientações que venham a ser adoptadas na elaboração do Plano Estratégico para a PAC (PEPAC) para o período pós-2020, no que respeita à composição de pagamentos directos aos produtores em geral e à sua arquitectura verde em particular.

De acordo com as propostas de Reforma da PAC pós-2020, ainda em discussão, a nova arquitectura verde proposta integra uma condicionalidade reforçada, medidas agro-ambientais e clima e pagamentos eco-regime, todas elas com maior ou menor influência numa futura gestão e conservação sustentável dos solos agrícolas.

O aumento do teor dos solos em matéria orgânica vai depender da adopção de um conjunto de técnicas e de práticas agrícolas capazes de contribuírem, quer para a redução das perdas, quer para o aumento das adições de matéria orgânica nos solos ocupados, quer por culturas temporárias e permanentes, quer por prados e pastagens permanentes.

A redução das perdas de matéria orgânica pelos solos cultivados implica a adopão de sistemas de mobilização mínima e de sementeira directa e uma adequada protecção da superfície dos solos. O aumento das adições de matéria orgânica consegue-se pelo recurso à incorporação de adubos orgânicos (complementados quando necessário por uma adubação mineral equilibrada), a prática de rotações diversificadas e a uma gestão adequada dos resíduos das culturas.

As condicionalidades propostas no âmbito da PAC pós-2020 constituem um reforço em relação às actualmente em curso, nomeadamente, no que diz respeito à obrigatoriedade da prática de rotações, de uma gestão da mobilização dos solos em risco de degradação e da protecção dos solos durante o período mais sensível, exigências estas positivas do ponto de vista de uma melhor conservação dos solos cultivados.

No entanto, a possibilidade de se vir a promover um aumento significativo do teor da matéria orgânica dos solos (duplicação da percentagem em dez anos), vai exigir uma profunda mudança da maioria dos sistemas de agricultura actualmente praticados, a qual irá exigir os adequados apoios públicos no contexto, quer dos pagamentos eco-regime, quer das medidas agro-ambientais e clima.

Em ambos os casos, vai ser indispensável garantir:

  • uma rigorosa identificação e caracterização das técnicas e práticas agrícolas capazes de, para os diferentes tipos de solos, assegurar um aumento sustentado do respectivo teor de matéria orgânica;
  • um compromisso, por parte dos produtores, de que tais técnicas e praticas agrícolas irão ser adoptadas durante o número de anos considerado necessário para se atingir o aumento de teor de matéria orgânica desejado (5 a 10 anos);
  • um sistema de pagamentos anuais suscetíveis de, não só compensar as perdas de rendimento e/ou custos acrescidos associados com a adopção das novas técnicas e praticas agrícolas, como também premiar a adesão prolongada dos produtores às alterações em causa;
  • a disponibilidade das verbas necessárias para alargar a uma área significativa do território nacional este sistema de pagamentos diretos aos produtores, de forma que seja possível atingir um significativo sequestro de CO2;
  • um sistema de acompanhamento das medidas em causa capaz de aconselhar os produtores nas alterações a introduzir nos respectivos sistemas de agricultura e de certificar periodicamente os resultados por eles alcançados.

3. Em conclusão

Uma primeira leitura dos objectivos, condições de elegibilidade, períodos de aplicação, controlo de resultados e financiamento disponível associados com as medidas agroambientais e os pagamentos eco-regime propostos no contexto da reforma da PAC pós-2020, leva-me a concluir que ambos os tipos de medidas apresentam vantagens e limitações, que me parece merecerem um debate alargado entre os técnicos e os centros de decisão que irão estar envolvidos na elaboração do PEPAC.

Em minha opinião, os pagamentos eco-regime apresentam vantagens em relação às outras medidas no que diz respeito à concretização das metas estabelecidas no contexto RNC 2050, reconhecendo, no entanto, que será necessário ultrapassar uma importante limitação que resulta da necessidade de se estabelecerem compromissos plurianuais.

Francisco Avillez

Professor Catedrático Emérito do ISA e Coordenador Científico da AGRO.GES


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