Jaime Piçarra

As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio – Jaime Piçarra

Numa semana em que muito se falou das estimativas macroeconómicas relativas a 2022, felizmente melhores que o previsto – sem que daí se conclua que o ano de 2023 não vá ser difícil, pese embora um cenário de recessão possa estar afastado – foi dada particular atenção aos resultados das exportações agroalimentares em Portugal, que bateram recordes, situando-se na ordem dos 6,5 mil milhões de euros no período de janeiro a novembro, um incremento de 23% face ao período homólogo de 2021. Muito provavelmente o ano de 2022 terá terminado com um valor histórico superior a 7 mil milhões de euros, o que revela um excelente desempenho, se tivermos em conta a difícil conjuntura em que vivemos.

Este fenómeno esconde, no entanto, a realidade das importações, cujos produtos de base são necessários para que as exportações nacionais sejam uma realidade, enquanto não forem substituídas, em muitos casos, por produtos de origem nacional. De facto, as importações cresceram 28% durante o mesmo período, com um volume de 9 mil milhões de euros, não sendo difícil estimar algo próximo dos 10 mil milhões de euros para todo o ano.

Foram igualmente notícia esta semana, enquanto assistíamos a toda esta indefinição e instabilidade em torno do Ministério da Agricultura e Alimentação – e é evidente que também somos a favor de uma Secretaria de Estado da Agricultura – dois temas importantes. O primeiro foi a posição portuguesa no Conselho Agrícola sobre o transporte de animais vivos, da maior relevância para o nosso país, liderando, ao que sabemos, uma coligação europeia que recusa (e bem) as propostas atuais; o segundo, a  visita de uma delegação de 15 Comissários da Comissão Europeia a Kiev, liderada pela Presidente Ursula von der Leyen, reforçando o apoio da União Europeia à Ucrânia e preparando as portas para a tão desejada Adesão que, não criemos falsas ilusões, vai ser longa e tem de ser cuidadosamente gerida para se evitarem os problemas da integração dos países do Leste em 2004 e, posteriormente, em 2007.

E não nos podemos esquecer que existem compromissos com candidaturas em curso de vários outros países, nomeadamente da Albânia, Montenegro, República da Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia. Recorde-se que o Conselho Europeu de 23 e 24 de junho de 2022 decidiu conceder o estatuto de país candidato a mais um país além da Ucrânia, a República da Moldávia.

Olhando, assim, para o panorama geopolítico global e nele para o papel de Portugal no mundo, creio que todos concordamos que o comércio internacional – quer intracomunitário, quer com os Países Terceiros – deve ser privilegiado, reduzindo os custos de contexto, flexibilizando e simplificando procedimentos.

O Estado e as infraestruturas que o suportam, desde logo as portuárias, devem ser um parceiro e não uma força de bloqueio. Mas foi assim que aparentemente atuaram nesta semana e isso não foi notícia.

A greve dos trabalhadores da SILOPOR às horas extraordinárias vai afetar sobremaneira o agroalimentar e constitui, desde logo, para a Indústria da Alimentação Animal, um problema. A greve vai prolongar-se até ao final do mês de fevereiro, um período crítico para o aprovisionamento do setor e, indiretamente da produção pecuária, tal como para o setor dos trigos e da moagem.

Ao que apurámos, o Governo terá decidido por Despacho, não aumentar os salários das empresas em liquidação, por alegadamente, não se encontrarem em atividade, e terá incluído a SILOPOR nessa lista – apesar de a empresa estar nesta situação há vários anos e continuar a operar – pelo que os trabalhadores terão sido discriminados negativamente face aos restantes funcionários públicos.

Não deixa de ser algo caricato, em nossa opinião, que a SILOPOR dependa da Direção-Geral do Tesouro e não exista uma (visível) articulação com outros Ministérios como as Infraestruturas, Agricultura e Economia, para além das Finanças. Esta questão dificulta o diálogo e a resolução de problemas…o facto é que esta situação não é um exclusivo deste Governo e arrasta-se por várias legislaturas, incompreensivelmente.

Neste momento, se nada for feito, estão comprometidas as descargas de navios que foram contratualizadas e que terão ritmos bem menores, estando em causa milho, trigo, cevada e soja. A maior parte do milho é proveniente do Mar Negro, Ucrânia e Bulgária, onde existem neste momento atrasos de 17 a 21 dias na passagem do Bósforo, pelo que é importante ter matéria-prima no destino, assegurando uma maior rotação de produto.

Não deixa de ser igualmente preocupante a ausência de respostas perante a necessidade de construção de um armazém na SILOPOR de cerca de 30 000 tons para aumentar a capacidade de armazenagem, existindo verbas disponíveis para a realização desse investimento.

Ainda vamos a tempo de evitar eventuais ruturas de stock de matérias-primas essenciais para a cadeia de abastecimento e para a alimentação dos animais, assegurar maior estabilidade e previsibilidade, se o Governo olhar para a SILOPOR e para as infraestruturas portuárias, numa visão mais alargada e não apenas na perspetiva das Finanças.

O Agroalimentar respeita a todos os portugueses, a alimentação é um direito de todos e está em causa a criação de valor e a soberania alimentar.

As infraestruturas portuárias devem ser colocadas ao serviço do País.

Ainda esta semana, na Assembleia da República, se enfatizaram (e bem) as exportações do agroalimentar e os resultados obtidos.

Fica a pergunta: até onde poderíamos ir se o Governo, no seu todo, em cooperação com os empresários, apostasse numa política integrada, com o agroalimentar como prioridade?

A melhor resposta seria, para já, terminar com a greve. Olhar para a SILOPOR não como uma empresa em liquidação, mas como um ativo essencial para o País.

E, no muito curto prazo, relançar a Comissão de Acompanhamento da Cadeia de Abastecimento que tão bem funcionou durante a pandemia e a seguir ao inicio da Guerra da Ucrânia.

Aqui ficam as sugestões…de combater esta (aparente?) indiferença, para dar respostas ao que verdadeiramente importa.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA


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