Pedro Graça

Autossuficiência alimentar em tempos de guerra – Pedro Graça

Transformar terrenos capazes de produzir vinho, amêndoa ou azeite de qualidade mundial em zonas de produção de trigo, em quantidade e qualidade não competitiva, não é o mais desejável para aproveitar os nossos recursos naturais, humanos e financeiros de forma economicamente e ambientalmente sustentável.

A guerra na Europa está a afetar a produção de cereais na Ucrânia e a aumentar a pressão sobre os mercados agrícolas mundiais. Apesar de estarmos longe, o sistema alimentar global está interligado e seremos também influenciados. É necessária agir, mas, na minha opinião, é de evitar uma reação desajustada que só é útil aos especuladores.

O sistema alimentar global há muito dava sinais de estar sob forte pressão e as razões eram já conhecidas. Entre elas, o crescimento da população mundial e de mais bocas para alimentar, a necessidade de tornar a produção agrícola cada vez mais tecnológica e hiperprodutiva, a necessidade de conciliar baixos preços ao consumidor final com o aumento dos custos de produção, em particular do petróleo. E também a obrigação de produzir com reduzidos impactos ambientais e maior proteção social que fazem subir os custos do alimento produzido. Adicionalmente, as alterações climáticas e os custos das medidas de mitigação criaram dificuldades sem fim a quem está atualmente no mundo da agricultura.

Entretanto, e como se isto já não bastasse, este sistema alimentar sob pressão recebeu nestes últimos meses mais uma prenda inesperada: o provável colapso (se a guerra se mantiver, a situação ainda será pior) de um dos maiores produtores de cereais da Europa, a Ucrânia. De facto este país é um dos maiores produtores mundiais de trigo, de cevada, de milho e de semente de girassol, em particular nas regiões de Kharkiv, Zaporizhia, Kherson e Odessa que são regiões agrícolas de extraordinária qualidade (cerca de 68% do território ucraniano é chernossolo de elevada riqueza orgânica), precisamente onde se realizam os mais intensos combates e tentativas de ocupação russa. Com a previsível redução das exportações de cereais ucranianos e com os embargos às exportações russas, muitos países como a Eritreia, que importa 53% do trigo da Rússia e 47% da Ucrânia, ou o Iémen, onde 50% do trigo provem […]

Pedro Graça

Director da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto; ex-director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral da Saúde

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