Manuel Chaveiro Soares

Convencional vs Biológico: o Consumidor é quem decide – Manuel Chaveiro Soares

Desde sempre que defendo a liberdade individual – de pensar, de expressão e de religião – de imprensa – associada à noção de responsabilidade – e o direito à propriedade, tudo concorrendo para a prosperidade da comunidade e para a felicidade humana.

Na esfera económica, a história revela-nos que é nos países com iniciativa privada e economia de mercado que maiores avanços científicos e tecnológicos se têm alcançado, proporcionando prosperidade aos povos de todo o Mundo. De salientar que a liberdade individual está na base dessa prosperidade.

Ao invés, nos países que praticaram a economia planeada centralmente, com relevo para União Soviética e a República Popular da China, os resultados obtidos foram extraordinariamente calamitosos – muito em especial no setor agrícola, tendo morrido à fome dezenas de milhões de pessoas – devido principalmente ao excessivo peso da burocracia, à ausência de incentivos para aumentar a produtividade e inovar, e ainda à corrupção. Estas economias estatais só sobreviveram graças ao apoio de forças políticas totalitárias – sem respeito, portanto, pela liberdade individual, considerada pelo insigne humanista Hans Rosling o objetivo primeiro do desenvolvimento económico. Atualmente, o referido modelo económico ainda é adotado em Cuba e na Coreia do Norte, proporcionando pobreza e falta de liberdade à população.

Estas considerações vêm a propósito do recente dirigismo de Bruxelas, nomeadamente ao propor que 25% dos solos agrícolas da UE-27 sejam explorados em modo de produção biológica (M.P.B.) e, concomitantemente, se reduza a utilização de produtos fitofarmacêuticos e de fertilizantes (a título de curiosidade, assinale-se que, segundo Roser & Ritchie (2013), sem a aplicação de adubos azotados a população mundial estaria reduzida a metade por falta de alimentos); acresce que a UE-27 tem denotado uma atitude refratária relativamente à aplicação da moderna biotecnologia no melhoramento de plantas.

Em Portugal, a área ocupada com agricultura biológica representa 6% da superfície agrícola, correspondendo a maioria (60%) a pastagens permanentes, em grande parte abandonadas.

Devido à sua baixa produtividade, a expansão do M.P.B. no nosso País iria agravar o já forte desequilíbrio da nossa balança comercial de produtos agrícolas e agroalimentares (atualmente eleva-se a 3,7 M €), o que implicaria maior volume de importação de alimentos, provavelmente provenientes de outros continentes, correspondendo-lhes uma forte pegada de carbono, associada ao respetivo transporte – marítimo, rodoviário e aéreo. Acresce uma maior perda de soberania alimentar da UE-27.

Mas, conforme demonstrado por Carvalho & Marques (2021), a agricultura de conservação (viz. sem mobilização do solo) contribui para aumentar o teor de carbono orgânico do solo a um ritmo de 0,1% ao ano – muito superior ao desafio proposto no âmbito dos acordos para o combate às alterações climáticas de Paris. De salientar que a matéria orgânica, além de constituir a base da fertilidade dos solos, é o segundo maior sumidouro de carbono, a seguir aos oceanos; de facto, o carbono da atmosfera absorvido pelas plantas através da fotossíntese é em parte um constituinte das suas raízes e, se não for perturbado (e.g. pela mobilização do solo), fica armazenado durante milhares de anos e, deste modo, contribui para mitigar as alterações climáticas. Cabe notar que a moderna biotecnologia pode dar um contributo relevante neste domínio (DeLisi et al., 2020), o que exige uma maior recetividade às novas técnicas por parte da UE.

Importa ter em atenção que se estima que a aludida expansão da área cultivada em M.P.B. corresponderia a uma redução global da produção agrícola da UE-27 de 56,13 Mt (Carvalho & Marques, 2021), o que me suscita as seguintes observações: (i) no mundo ainda vive em pobreza extrema (com menos de 1,9 dólares por dia) o dobro da população da UE-27, que todos os dias se deita com fome, pelo que considero um dever moral dos países ricos ajudarem a alimentar estas populações, pois como pertinentemente alertou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, «a dignidade humana e o direito à vida deviam ser indiscutíveis»; (ii) neste âmbito recordo que o Prémio Nobel da Paz de 2020 foi atribuído ao Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM), pela liderança desta agência humanitária no combate à fome, no apoio às populações que vivem em zonas de conflito ou afetadas por fenómenos climáticos extremos (de salientar que a contribuição dos EUA representou 43% do total das contribuições de todos os países); (iii) a aludida quebra estimada na produção de alimentos na UE-27 irá implicar o incremento da expansão da agricultura em países terceiros, com recurso a fertilizantes inorgânicos e pesticidas de síntese, e com todos os inconvenientes ambientais inerentes aos transportes a longas distâncias; ademais, a balança comercial terá de ser equilibrada com mais exportações europeias, designadamente automóveis topo de gama, aviões de transporte e de combate, armas, etc.

Na minha opinião, cumpre deixar o mercado funcionar sem intervenções burocráticas, cabendo aos consumidores europeus manifestarem a sua preferência, considerando a qualidade e o preço dos alimentos produzidos pelos dois sistemas em apreço: convencional vs biológico.

De notar, todavia, que em decorrência da menor produtividade, os alimentos biológicos são mais caros, o que dificulta o consumo dos mesmos pela população mais carenciada, com relevo para a fruta e os legumes, cuja inclusão na dieta é fortemente recomendada pelos nutricionistas; além desta discriminação económica, para igual produção é necessária uma maior área cultivada, o que pode concorrer para a diminuição do teor de matéria orgânica dos solos, caso não sejam corretamente cultivados. No domínio da Produção Animal, especial atenção deve ser dispensada à tendência para a criação de galinhas poedeiras criadas ao ar livre, tanto em M.P.B. como em sistema convencional, por um lado por causa dos graves surtos de gripe aviária frequentes na UE e, por outro lado, pela falta de segurança sanitária de ovos suscetíveis de serem contaminados por roedores e aves silvestres, vetores de diversos agentes patogénicos. Assim sendo, e para proteção da saúde pública e animal, entendo que não deve ser encorajada a criação de aves ao ar livre.

Para finalizar e regressando ao título, estou certo de que os agricultores europeus saberão dar resposta, no domínio do M.P.B., à procura que os consumidores venham a manifestar, sem necessidade de intervenção dos governos.

Mas não creio que a expansão do M.P.B. venha a conferir maior competitividade à agricultura da UE-27 e muito menos se essa expansão viesse a consumir verbas (dos contribuintes) que teriam um maior retorno se fossem investidas em domínios agrícolas com melhor desempenho económico e maior contributo para a soberania alimentar europeia, designadamente a ampliação da área de regadio – uma questão particularmente relevante em regiões de clima mediterrânico, ademais sob a ameaça das alterações climáticas – um processo dinâmico que está em curso, afetando em particular a região do Mediterrâneo.

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo, Ph. D.

Agricultura 2030 – Que impacto económico e ambiental com 25% da área agrícola da EU-27 em Modo de Produção Biológico? – Mário Carvalho e Nuno Marques

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