Na decorrência do Pacto Ecológico Europeu – apresentado pela Comissão Europeia em dezembro de 2019 e que alegadamente tem como objectivo central tornar a economia europeia sustentável – em maio de 2020 a referida Comissão anunciou a estratégia «do Prado ao Prato», desenhada para tornar mais sustentáveis os nossos sistemas alimentares. Para o efeito estabeleceu como principais objectivos: i) reduzir em 50% a utilização de pesticidas químicos e em 20% a de fertilizantes; ii) reduzir em 50% as vendas de agentes antimicrobianos utilizados em produção animal; iii) estender a agricultura biológica a 25% das terras agrícolas.
Quero acreditar que os objectivos supramencionados não irão ser aplicados de forma generalizada, sem atender nomeadamente às características específicas de cada país.
No caso português, é reconhecido que é escassa a proporção de solos com aptidão agrícola (cerca de 28%), que o clima não é propício a elevadas produtividades por escassez de chuva na primavera-verão, a que acresce uma área de regadio restrita; além disso a estrutura fundiária, mormente a norte do rio Tejo, não é em geral propícia à constituição de explorações agrícolas com dimensão suficiente para lhes conferir competitividade.
Como é evidente, encontrando-se Portugal inserido num amplo espaço económico, a nossa agricultura só pode sobreviver se for competitiva, o que limita as culturas susceptíveis de concorrer com as praticadas noutras geografias do mesmo espaço económico. Podemos apontar como produtos mais competitivos o vinho, o azeite, as hortofrutícolas incluindo o tomate para indústria; no que concerne à produção animal somos auto-suficientes em leite, ovos e carne de frango.
A propósito do que precede, é interessante anotar que, na sequência da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, a superfície agrícola cultivada sofreu um decréscimo de 1,3 milhões de hectares (F. Avillez) precisamente por perda de viabilidade económica. No Norte do País, foram abandonados cerca de 770 mil hectares, agora ocupados predominantemente por matos e silvas, muito vulneráveis aos fogos e sem proporcionarem qualquer rendimento; no Sul as explorações agrícolas de grande dimensão também deixaram de cultivar 548 mil hectares, agora ocupados com pastagens permanentes. Como consequência do que precede, o défice da balança comercial portuguesa de produtos agrícolas e agroalimentares é da ordem de 3,7 mil milhões de euros.
Ora, os mencionados objectivos da estratégia «do Prado ao Prato» não são favoráveis ao incremento da produção agrícola nacional, mormente a expansão da agricultura biológica a 25% das terras agrícolas, pois conduzirá a produtividades inferiores às obtidas em agricultura convencional e também, consequentemente, a custos mais elevados para os consumidores – contrariamente ao que a Comissão diz ter por desiderato. De salientar que o incremento do preço dos produtos hortofrutícolas vai prejudicar a população economicamente mais carenciada, quando os nutricionistas recomendam um consumo elevado de fruta e legumes; por outro lado, aves criadas ao ar livre são facilmente contaminadas e constituem um risco sanitário para os consumidores, ou seja, os dois exemplos apontados não abonam a favor da expansão da agricultura em modo de produção biológico; cumpre acrescentar que, para se produzir a mesma quantidade de alimentos, é necessária mais terra, revelando-se portanto menos sustentável que a agricultura convencional, hoje amplamente praticada entre nós segundo a modalidade de protecção integrada, minimizando assim a poluição do ambiente e promovendo a segurança do agricultor e do consumidor.
Adicionalmente, já neste mês de setembro um alto responsável do Ministério da Agricultura da Alemanha veio propor a redução do número de animais na UE, o que iria contribuir para um maior desequilíbrio na balança comercial portuguesa, pois actualmente já são elevadas as importações de carne de bovino (50% do consumo) e de suíno (30%).
Curiosamente, em março de 2019, a FAO estimou que o consumo de carne se iria manter estável no mundo desenvolvido e a produção mundial duplicaria até ao ano 2050 tendo em vista satisfazer as necessidades dos países em desenvolvimento.
Receio que a UE vá ampliar ainda mais a sua dependência de países terceiros e também vá manter-se atrasada nas áreas tecnológicas, como a engenharia genética – incluindo as novas técnicas de melhoramento de plantas, como a edição de genomas, CRISPR –, presentemente em expansão acentuada na China e nos EUA, prevendo-se designadamente que sejam colocadas à disposição dos agricultores não europeus plantas mais adaptadas às alterações climáticas e mais resistentes às pragas e doenças (logo proporcionando economia de água e de pesticidas).
No que toca à redução do uso de pesticidas de síntese e de fertilizantes (presumo que se trata de inorgânicos, pois os fertilizantes orgânicos não só melhoram a fertilidade dos solos, como também desempenham um papel importante na defesa do ambiente), não creio que tenha qualquer fundamento científico uma imposição genérica, sem considerar cada situação particularmente em termos edafo-climáticos e as próprias características dos produtos fitofarmacêuticos e dos fertilizantes (a quem muitos milhões de pessoas devem a vida, nomeadamente os 500 milhões que foram salvos da malária graças ao insecticida DDT e os 3 mil milhões salvos da fome graças aos adubos azotados produzidos a partir do amoníaco).
Em conclusão, a meu ver os objectivos restritivos inerentes à estratégia do «Prado ao Prato» não são favoráveis ao crescimento da agricultura portuguesa e irão mesmo agravar o desequilíbrio da nossa balança comercial agrícola e agroalimentar; adicionalmente irão prejudicar a nutrição dos mais pobres e a sustentabilidade ambiental. Na minha modesta opinião, a Comissão Europeia está a ser permeável à pressão de grupos caprichosos e ricos, mas desinformados.
Engenheiro Agrónomo, Ph.D.
Em segurança alimentar importa ser rigoroso – Manuel Chaveiro Soares