Está Portugal preparado para a revolução da Agricultura Digital? – Nuno Góis

Estima-se que até 2050 a população mundial ascenda aos 9 biliões de habitantes. Na sequência da revolução Verde, protagonizada por Norman Burlaug, a Agricultura Mundial está na eminência de uma nova revolução e acredito hoje, e cada vez mais, que esta será uma revolução Digital.

Hoje é frequente ouvirmos o termo Agricultura de Precisão, e antes de prosseguir é importante esclarecer o que é a Agricultura de Precisão distinguindo esta do conceito aqui apresentado, a Agricultura Digital.

A Agricultura de Precisão diz respeito à noção da unidade de produção agrícola como sendo uma entidade heterogénea que merece atenção diferenciada. A agricultura de precisão pode na verdade estar dissociada de qualquer tecnologia avançada, por exemplo, há décadas que vitivinicultores agrupam ou separam talhões em lotes de acordo com características semelhantes com o objetivo de obter vinhos mais harmoniosos. Hoje, a tecnologia popularizou este conceito permitindo por exemplo a aplicação diferenciada de fertilizantes ou de rega através de tecnologias de aplicação a taxa variável.

A Agricultura Digital alem de poder, e dever, incorporar a Agricultura de Precisão é um conceito mais abrangente que diz respeito a Informação. Está relacionada com todos os dados que dizem respeito a uma determinada unidade, e remete para o conceito de Connected Farm (“Quinta Ligada”) em que todos os elementos da exploração comunicam entre si permitindo acrescentar uma enorme mais-valia e extrair informação de alto valor acrescentado para a tomada de decisão.

A tecnologia agrícola vive de facto uma fase de franca expansão. No passado mês de Novembro, no Web Summit estiveram presentes 10 empresas ligadas de forma direta ao sector agrícola. De salientar que uma destas empresas foi a Holandesa Connecterra, vencedora da edição de 2015 do concurso de startups deste evento, e que desenvolveu um sensor que permite a monitorização remota de cabeças de gado em produções extensivas. O que talvez passou despercebido a alguns é que entre estas empresas, 8 são Portuguesas, um sinal de que Portugal pode estar a posicionar-se de forma estratégica na linha da frente desta revolução digital.

Não faltam exemplos do empreendedorismo tecnológico, aplicado à Agricultura, em Portugal. A Apis permite a monitorização de colmeias, um diagnóstico em tempo real do estado de saúde do enxame que permite atuar preventivamente e gerir eficazmente as visitas ao Apiário. Na atividade pecuária destaca-se a solução da Farmcontrol que permite através de um telemóvel controlar todos os equipamentos da unidade de produção, e também a Muu que permite planear e gerir as atividades de maneio animal através do computador de forma simples e intuitiva.

A produção vegetal também recebe a atenção dos jovens empreendedores portugueses. A Coolfarm desenvolveu para a agricultura protegida um “olho” que é também um sistema inteligente que monitoriza as culturas e que com o tempo aprende a gerir de forma autónoma a estufa. Já a Wisecrop, abraça o problema da dispersão/desagregação da informação na exploração agrícola, concentrando numa só plataforma todos os dados relativos à gestão técnica e operacional, oferecendo uma solução colaborativa para que produtores, técnicos e prestadores de serviços possam contribuir para o sucesso da atividade. A inovação não termina na produção primária, a Watgrid por exemplo, desenvolveu um multisensor que permite a monitorização dos mostos em tempo real, auxiliando no controlo do processo de fermentação.

No entanto, e apesar do aparente saúde deste ecossistema de inovação, coloca-se a pergunta. Estão os agricultores portugueses preparados para abraçar estas ferramentas? Ao longo dos últimos três anos tenho acompanhado de perto o processo de transferência de tecnologia para a agricultura sendo que identifico dois grandes desafios à adoção de novas tecnologias na Agricultura. Um prende-se com os níveis de rentabilidade dos agricultores Portugueses, pois por um lado os níveis de produtividade ficam muitas vezes abaixo de outros mercados, por outro o acesso ao mercado de exportação onde o poder de compra permite uma compensação superior e mais competitiva não está acessível a qualquer produtor.

O outro problema prende-se com a forma como a tecnologia tem sido desenvolvida e implementada no passado. Não é invulgar encontrar produtores que possuem ferramentas tecnológicas, mas não é igualmente invulgar que estes produtores não retirem a plena mais-valia destes investimentos. Muitas vezes nunca as chegaram a utilizar autonomamente e dependem totalmente do apoio técnico para tirar qualquer partido delas.

Para que se verifique um aumento na taxa de adoção destas soluções, e em consequência um aumento da competitividade dos nossos agricultores, é essencial que estas soluções ofereçam informações claras e precisas, mais do que dados em bruto que obrigam a um grau de especialização que poucos produtores, e por vezes até técnicos, chegam a alcançar. O apoio técnico tem e continuará a ter um papel indispensável no sucesso da atividade agrícola, mas é cada vez mais necessário que também o produtor se sinta capacitado para utilizar estas ferramentas de forma independente.

Esta mudança de paradigma irá fortalecer e tornar mais eficiente o binómio agricultor-técnico, permitindo que o agricultor traga para a discussão uma perspetiva mais informada e mais ciente, melhorando e acelerando a tomada de decisão, e permitindo em última instância que este consiga analisar de forma fundamentada o retorno de investimento destas soluções.

 

Nuno Góis

Business Developer na Wisecrop.

 


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