Introdução
A análise dos dados das Contas Económicas de Agricultura permite-nos concluir que, durante os últimos 30 anos, o comportamento económico do sector agrícola português se caracterizou por tendências muito distintas entre as duas primeiras e a última década do período, durante a qual se verificou uma inversão significativa da evolução globalmente negativa até então verificada.
De facto, foi na última década que, apesar de todas as perturbações entretanto ocorridas (Troika, pandemia, invasão da Ucrânia e alterações nas políticas agrícolas nacional e da UE), que a agricultura portuguesa teve um comportamento económico globalmente favorável, com especial relevo para os resultados económicos alcançados pelas explorações agrícolas no período 2011 e 2016, ou seja, durante os anos da Troika.
Com este artigo pretendemos mostrar estas tendências, procedendo à análise da evolução:
- do produto e do rendimento do sector agrícola;
- da produtividade, competitividade e viabilidade económicas das explorações agrícolas;
- do rendimento dos produtores agrícolas.
Por último, tiraremos algumas conclusões sobre os factores determinantes do comportamento da agricultura portuguesa nestas últimas três décadas.
Evolução nas últimas três décadas do produto e do rendimento do sector agrícola português
Da análise dos gráficos 1 e 2, podem-se retirar as seguintes principais conclusões.
Primeiro, que o produto agrícola bruto em volume[1] gerado pela agricultura portuguesa decresceu ao longo dos últimos 30 anos a uma taxa de -1,2%/ano, decréscimo este que foi ainda mais significativo nas duas primeiras décadas (-2,5%/ano), o que foi parcialmente compensado por uma evolução positiva (+1,5%/ano) nos últimos dez anos, a qual foi um pouco mais favorável no último quinquénio (+1,7%/ano) do que no primeiro (+1,2%/ano).
Segundo, que o produto agrícola bruto em valor[2], depois de ter decrescido a uma taxa de -1,1%/ano nas duas primeiras décadas do período em causa, teve um crescimento significativo nos últimos dez anos (+3,4%/ano), o qual foi ligeiramente mais elevado entre “2011” e “2016” (+3,5%/ano) do que no último quinquénio (+3,3%/ano), o que foi alcançado apesar da evolução negativa verificada para a relação entre os preços dos produtos e dos factores de produção agrícolas (-0,4%/ano).
Terceiro, que o rendimento do sector agrícola[3] português cresceu muito ligeiramente ao longo das últimas três décadas (+1,1%/ano), crescimento este que, no entanto, foi bastante significativo nos últimos dez anos (+3,0%/ano) e, em particular, no último quinquénio (+3,4%/ano), o que resultou em grande medida de um crescimento bastante mais favorável dos apoios directos ao rendimento dos produtores nestes últimos cinco anos (+3,5%/ano) do que no período “2011” a “2016” (+0,5%/ano).
Evolução da produtividade, competitividade e viabilidade das explorações agrícolas portuguesas nas últimas três décadas
Dos dados que constam nos gráficos 3 e 4 podem-se retirar as seguintes principais conclusões.
Primeiro, a produtividade das explorações agrícolas[4] cresceu, apenas, 0,9%/ano ao longo das três últimas décadas, crescimento este que, no entanto, foi mais significativo na última década (+2,2%/ano) e, com especial relevo, nos anos da Troika, em que cresceu a uma taxa de +5%ano.
Segundo, a competitividade das explorações agrícolas[5] portuguesas manteve-se praticamente estagnada nos últimos 30 anos (+0,1%/ano), mas o seu crescimento foi muito significativo (+4,3%/ano) durante a última década, crescimento este muito mais elevado entre “2011” e “2016” (+7,1%/ano) do que no último quinquénio (+1,5%/ano).
Terceiro, a viabilidade económica das explorações agrícolas[6]nacionais, cresceu menos, ao longo dos últimos 30 anos, do que a respectiva produtividade (+0,7%/ano), crescimento este que foi alcançado, fundamentalmente, na última década (+2,2%/ano) com especial relevo para o seu primeiro quinquénio (+3,7%/ano).
É de realçar que estes ganhos de viabilidade económica não coincidem com a evolução verificada para os apoios directos aos rendimentos por exploração agrícola, o que significa que tais ganhos estão directamente relacionados com os respectivos ganhos de produtividade e de competitividade alcançados no período “2011”-“2016”, os quais poderão ser explicados pela evolução, quer da produtividade dos factores de produção, quer do investimento realizado.
De facto, foi no período “2011”-“2016” que a evolução da produtividade do factor terra[7] (+2,8%/ano), do factor trabalho[8] (+6,1%/ano) e dos factores intermédios e de capital[9] (-0,6%/ano) foi, globalmente, mais favorável nas últimas três décadas (Gráficos 5 e 6), o mesmo se podendo afirmar em relação à evolução do investimento por exploração[10] (+4,8%/ano) e por hectare de superfície agrícola cultivada[11] (+2,5%/ano) que contam dos Gráficos 7 e 8.
Neste contexto, é de realçar, em nossa opinião, que a melhoria muito significativa verificada na evolução da produtividade dos factores intermédios e de capital durante esta última década, reflete os ganhos de eficiência técnica entretanto alcançados pelos produtores agrícolas nacionais.
Evolução nas últimas décadas do rendimento dos produtores agrícolas portugueses
No que diz respeito à evolução do rendimento dos produtores agrícolas[12] portugueses, que exprime a remuneração dos agricultores e dos elementos do seu agregado familiar (UTAF), a sua evolução ao longo das últimas três décadas caracterizou-se, no essencial, por (Gráficos 9 e 10):
- um crescimento de 2,0%/ano do seu valor a preços reais entre “1991” e “2021”, que é explicado, maioritariamente, por um crescimento de -3,5%/ano do respectivo volume de mão-de-obra agrícola familiar;
- um crescimento muito significativo do rendimento dos produtores agrícolas na última década (+6,9%/ano) que contrasta com o decréscimo (-0,4%/ano) observado nos primeiros 20 anos do período em análise, diferenças estas que estão, em parte, relacionadas com os muito diferentes ritmos de decréscimo das UTAF nos dois períodos em causa;
- um comportamento muito mais favorável do rendimento dos produtores agrícolas no quinquénio “2011”-“2016” (+9,3%/ano) do que neste último quinquénio (+4,6%/ano), o que só em parte pode ser explicado pelos diferentes ritmos de decréscimo das UTAF.
Factores determinantes do comportamento económico da agricultura portuguesa na última década
São diversos os factores que foram, em nossa opinião, determinantes para o mais favorável desempenho económico do sector agrícola nesta última década.
Em primeiro lugar, é de realçar o crescimento nos últimos dez anos do volume da produção agrícola (+2,4%/ano) que contrasta com a quase estagnação verificada no conjunto das duas décadas anteriores (-0,2%/ano).
Este crescimento que foi praticamente idêntico nos dois últimos quinquénios, verificou-se quase exclusivamente no que diz respeito ao volume da produção vegetal (+3,2%/ano) e foi acompanhado por aumentos na superfície agrícola cultivada, área irrigável e produtividade da terra face ao período anterior.
De facto, a superfície agrícola cultivada aumentou no último quinquénio a um ritmo de 2,3%/ano, face a um decréscimo de -2,2%/ano nos 20 primeiros anos do período em causa, a superfície irrigável cresceu 1,6%/ano entre 2009 e 2019, quando tinha apresentado uma taxa de crescimento de -2,4%/ano, entre 1989 e 2009 e a produtividade da terra cresceu 2,8%/ano entre “2011” e “2016”, o que contrasta com o crescimento de, apenas, 1%/ano na década imediatamente anterior.
Em segundo lugar, importa sublinhar que este crescimento no volume da produção agrícola foi acompanhado por uma melhoria na eficiência no uso dos factores intermédios de produção agrícola e por uma mudança no sistema de ocupação cultural da superfície agrícola nacional.
De facto, no que respeita à utilização dos factores intermédios de produção, o seu volume por hectare de superfície agrícola cultivada cresceu, nos últimos 10 anos, 2,1%/ano, enquanto que nas duas décadas anteriores tinha crescido 4,4%/ano, evoluções estas que, no caso do volume dos consumos intermédios por unidade de produção agrícola, variaram, respectivamente, entre +0,6%/ano e +2,4%/ano. Em relação à utilização das terras agrícolas, pode-se considerar que esta sofreu uma pequena revolução na última década, caracterizada por um decréscimo de 11,6% nas terras aráveis, mais que compensada pelo aumento das áreas das culturas permanentes (+24,6%/ano) e das pastagens permanentes (14,9%/ano).
O decréscimo das terras aráveis na última década, deve-se sobretudo à redução das áreas de cereais praganosos (-32%) e da batata (-30%), que só parcialmente foi compensado pelos aumentos das áreas de culturas hortícolas (+8,8%) e de prados temporários e de culturas forrageiras (+25%). Os acréscimos das áreas de culturas permanentes nos últimos dez anos foram particularmente significativos nos olivais (+12%), nos frutos frescos (+14%), nos citrinos (+16%) e nos frutos de casca rija (+153%) que, no seu conjunto, mais que compensaram a redução verificada na área com vinhas (-2,6%).
Em terceiro lugar, as alterações produtivas e tecnológicas anteriormente referidas implicaram a realização de investimentos que assumiram uma particular relevância durante os anos da Troika, tendo crescido a preços constantes:
- no total, +3,1%/ano, o que contrasta com -2,22%/ano no período “2001”-“2011” e +1,7%/ano no último quinquénio;
- por exploração agrícola, +4,8%/ano, o que contrasta com +1,7%/ano no período entre “2002” e “2011” e -0,6%/ano entre “2016” e 2021”;
- por hectare de superfície agrícola cultivada +2,5%/ano, que contrasta com +0,7% entre “2001” e “2011” e -0,7% nos últimos cinco anos.
Importa, ainda, referir que estes investimentos beneficiaram de apoios ao investimento nesta última década bastante inferiores aos das décadas anteriores.
Em quarto lugar, é de sublinhar que estas mudanças foram caracterizadas nesta última década num contexto de redimensionamento das explorações agrícolas de média dimensão e numa mais que duplicação do número de sociedades agrícolas que passaram a explorar mais de 1/3 da SAU, a deter 57% dos efectivos pecuários e recurso a 21% do volume de mão-de-obra agrícola nacional. De acordo com os dados do Recenseamento Agrícola de 2019, trata-se de um tecido empresarial agrícola cujos dirigentes são mais novos, têm melhores habilitações e dedicam mais tempo às suas explorações e que se caracterizam por, em média, utilizarem de forma mais eficiente os recursos de que dispõem.
Por último, importa ainda realçar que esta evolução se verificou num contexto em que:
- o peso dos apoios directos aos produtores no rendimento do sector agrícola manteve-se praticamente constante (em torno dos 20%) ao longo das últimas três décadas;
- a evolução dos apoios directos aos produtores por unidade de trabalho agrícola familiar teve crescimentos relativamente semelhantes ao longo de todo o período;
- os apoios directos aos produtores tiveram um crescimento por exploração agrícola na última década bastante inferior ao das décadas anteriores, com especial relevo para o último quinquénio em que este apoio, pela primeira vez, decresceu a uma taxa média anual de -0,5%.
Em nossa opinião, mais importante do que os níveis de apoio resultantes das políticas públicas em vigor, é o grau de confiança atribuído pelos agentes económicos aos respectivos centros de decisão política, o que no contexto da agricultura portuguesa, ficou bem claro ter sido muito maior durante os primeiros anos da última década do que o manifestado neste último quinquénio.
[1] Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a preços no produtor constantes
[2] Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a preços no produtor correntes
[3] Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a custo de factores e preços nominais
[4] Medida pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor constantes divididos pelo número de explorações agrícolas
[5] Medida pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor correntes reais, dividido pelo número de explorações agrícolas
[6] Medida pelo rendimento dos factores a preços reais dividido pelo número de explorações agrícolas
[7] Medida pelo valor da produção agrícola a preços constantes por hectare de superfície agrícola cultivada
[8] Medida pelo valor da produção agrícola a preços constantes por unidade de trabalho ano agrícola
[9] Medida pelo valor da produção agrícola a preços constantes dividido pelo valor a preços constantes dos consumos intermédios e de capital
[10] Medido pela FBCF a preços constantes dividido pelo número de explorações agrícolas
[11] Medida pela FBCF a preços constantes por hectare de superfície agrícola cultivada
[12] Medido pelo rendimento empresarial líquido a preços reais por unidade de trabalho ano agrícola familiar
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGRO.GES
Manuela Nina Jorge
Diretora Geral da AGRO.GES
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