Imigrantes nas estufas do Alentejo assumem luta por trabalho mais digno

As más condições de trabalho nas explorações agrícolas em Odemira não são uma novidade . “A novidade aqui é que houve 300 trabalhadores que perderam o medo e foram pedir explicações à administração, no fim da jornada de trabalho. Foram em grupo, ordeiramente, num movimento espontâneo”, diz Alberto Matos, da Solidariedade Imigrante “Isto cria pressão.”

Estar vigilante tornou-se parte da natureza —​ e da condição — de Birat Khatri. Cinco anos a trabalhar nas estufas da empresa Sudoberry, no litoral alentejano, mostraram a este nepalês de 32 anos que há várias formas de silenciar os imigrantes que chegam desejosos de trabalho a Portugal, mas sem nenhum conhecimento da língua, das leis do trabalho ou dos seus direitos individuais.

São formas difusas de intimidação; e de tal forma enraizadas que, só muito recentemente, Birat começou a fazer-lhes face. Passam-se meses, ou anos, em que não se ouve uma queixa.

Em 2021, as más condições em que imigrantes trabalhavam ou estavam alojados, nas próprias instalações de algumas grandes empresas, motivaram reacções quando um surto de covid-19 entre os trabalhadores trouxe a realidade laboral em Odemira para as primeiras páginas dos jornais.

Neste mês, foi diferente. As queixas fizeram-se ouvir pelos próprios trabalhadores. “O copo encheu”, como dirá o representante da Solidariedade Imigrante em Beja, Alberto Matos, que conheceu Birat esta semana.

No dia 11 de Janeiro, no final da jornada de trabalho, Birat Khatri e largas dezenas de trabalhadores dirigiram-se aos escritórios da empresa para falar com a administração. O movimento ganhou força pela visibilidade dada por uma reportagem da SIC (a estação que esteve no local refere 300 manifestantes).

Ao falarem para a câmara, tanto Birat como a Pramila Bamjan, de 35 anos, tornaram a sua revolta pública e, sem medo, colocaram as suas queixas na agenda da Sudoberry, no centro das preocupações da associação Solidariedade Imigrante e no foco das prioridades da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). De forma assertiva, denunciaram o contrato “pouco transparente” o que, quanto a eles, abre a porta a abusos.

Nesse protesto pacífico, em movimento compacto, quiseram perguntar por que motivo, para as mesmas horas de trabalho, receberam uma menor quantia no mês de Janeiro; entre 200 e 400 euros a menos consoante os casos.

Um imposto sem explicação

Birat, Pramila, Robin Thapa e Urmila Bamjan contam que a empresa justificou com algo que estaria fora do seu alcance: a suposta aplicação de um imposto novo decidido pelo Governo português, dizem ao PÚBLICO. “Foi isso que nos foi transmitido”, insiste Birat. “Mas nós não sabemos se isso é verdade, não sabemos de que imposto se trata, continuamos à espera de uma explicação”, completa Pramila.

Para Alberto Matos, dirigente da Associação Solidariedade Imigrante e representante desta associação de defesa dos direitos dos imigrantes na delegação em Beja, “este foi mais um problema de uma situação sistemática” criada por “abusos sobre os direitos dos trabalhadores que esta e outras empresas consideram estar na sua dependência”.

“A novidade aqui é que houve 300 trabalhadores que perderam o medo e foram ao escritório da administração, pedir explicações, no fim da jornada de trabalho. Foram em grupo, ordeiramente, num movimento espontâneo”, diz Alberto Matos. “Isto cria pressão.”

“É importante sermos nós a luta pelos nossos direitos”, diz ao PÚBLICO Pramila Bamjan, de 35 anos. Também por isso, a sua irmã mais velha Urmila Bamjan e o amigo Robin Thapa juntaram-se neste projecto. “Nesta luta, devemos ser como uma família”, acrescenta. São queixas por “excesso de horas de trabalho sem contrapartidas financeiras”, “com pausa de apenas 30 minutos” em cada jornada completa de trabalho.

Os trabalhadores sentem-se igualmente injustiçados por nunca lhes ter sido explicado como são contabilizadas as horas; e quando calculados os totais, não percebem por que são retiradas quantias (apresentadas como subsídios de vários tipos) aos 6,22 euros que o trabalhador julgava ser o valor líquido a receber por hora. Enquanto descrevem a situação, comprovam o que dizem mostrando os recibos de vencimento.

“Não podemos confiar em ninguém”, diz outro trabalhador que pede para não ser identificado. “São eles que decidem se nós temos trabalho ou não, e eu preciso deste trabalho. Viemos para trabalhar e trabalhamos para ganhar dinheiro. O problema é vermos o total do vencimento reduzido sem qualquer explicação, […]

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