Medida a medida, é isto que o Green Deal promete para 2020

2020 será o ano decisivo para o Green Deal, a principal medida da nova Comissão Europeia. O Pacto Ecológico Europeu, apresentado alguns dias após a entrada em funções do executivo liderado por Ursula von der Leyen, é um ambicioso pacote de medidas com que a Comissão pretende responder ao desafio das alterações climáticas, assente numa nova estratégia de crescimento para a UE. Visa operar transformações profundas nos hábitos de produção e consumo dos cidadãos, através da transição para uma economia “limpa” e circular, que torne a Europa o primeiro continente neutro do ponto de vista climático até 2050.

O novo “Deal” ecológico abrange todos os setores da economia, com particular incidência nos transportes, energia, imobiliário, agricultura e indústrias pesadas. Prevê um roteiro indicativo com 50 ações concretas para aprovar e implementar durante o mandato da Comissão. Algumas das principais medidas deste Pacto — que von der Leyen classificou como “o momento europeu do homem na lua” — arrancam nas primeiras semanas de 2020, alcançando velocidade cruzeiro em finais do ano. Eis o roteiro expectável para este ano das propostas que a Comissão vai apresentar.

Financiamento do Green Deal

A Comissão calcula que a implementação do Pacto exigirá investimentos públicos e privados massivos. Por exemplo, a realização dos atuais objetivos em matéria de clima e energia para 2030 exigirá um investimento anual suplementar de 260 mil milhões de euros.

De acordo com o roteiro, Bruxelas deverá propor já em janeiro um mecanismo que inclui um fundo para uma transição justa, e um novo plano de investimento para uma Europa sustentável.

O mecanismo — cuja peça-chave é um fundo para uma transição “justa e inclusiva” que “não deixe ninguém para trás” –, deverá centrar-se nas regiões e setores mais afetados pelas transformações estruturais e energéticas, e com economias muito dependentes de energias fósseis ou de processos com elevada intensidade carbónica. Pretende mobilizar até 100 mil milhões de euros durante a vigência do próximo quadro financeiro plurianual (2021-2027) e deverá combinar várias fontes de financiamento: orçamento da UE, orçamentos nacionais (cofinanciamento), BEI e fundos privados.

O setor privado será essencial para o financiamento da transição. No terceiro trimestre do ano, a Comissão apresentará uma estratégia para mobilizar financiamento privado sustentável. Bruxelas quer facilitar a vida aos investidores e empresas, através da identificação de investimentos sustentáveis — por exemplo, por meio de uma rotulagem clara de produtos de investimento de retalho ou do desenvolvimento de uma norma da UE para “obrigações verdes” que facilitem estes investimentos.

Ambição climática

A meta mais emblemática do Pacto é a que estabelece a neutralidade climática da Europa até 2050. Nesse sentido, a Comissão apresentará já em março legislação que consagra este objetivo, tornando-o irreversível. O primeiro quadro legislativo europeu em matéria climática deverá fixar as condições para uma transição eficaz e justa, proporcionando estabilidade aos cidadãos, empresas e investidores. Garantirá igualmente que todas as políticas da UE contribuem para a neutralidade climática.

Entre 1990 e 2018, a UE reduziu em 23% as emissões de gases com efeito de estufa. Mas a Comissão diz que as atuais políticas só permitirão uma diminuição de 60% das emissões até 2050. Defende que é necessário ir mais longe e mais rapidamente: até ao próximo verão Bruxelas avançará com um plano para aumentar a meta de redução das emissões de gases estabelecida para 2030 para pelo menos 50% (em vez de 40%), ou mesmo aproximar-se dos 55%.

Energia limpa, segura e a preços acessíveis

A descarbonização generalizada dos sistemas energéticos na UE é decisiva para alcançar os objetivos climáticos estabelecidos para 2030 e 2050. Mais de 75 % das emissões da UE decorrem da produção e utilização de energia na economia. A Comissão quer dar prioridade à eficiência energética e ao desenvolvimento das renováveis. Em paralelo, o fornecimento energético tem de ser seguro e acessível para consumidores e empresas, o que passa por fomentar a integração, a interligação e a digitalização plenas do mercado europeu da energia.

Esta é uma área em que Portugal tem particular interesse. Bruxelas considera essencial aumentar a produção de energia eólica marítima, assente na cooperação entre os Estados-membros. A integração inteligente das energias renováveis, da eficiência energética e de outras soluções sustentáveis em todos os setores contribuirá para alcançar a descarbonização ao menor custo possível, defende a Comissão. Em meados de 2020, apresentará medidas para ajudar a concretizar a integração inteligente das redes energéticas entre os Estados-membros. Avançará igualmente com uma estratégia para fomentar as eólicas no mar.

Em junho, a Comissão avaliará o nível de ambição dos planos nacionais integrados em matéria de energia e de clima dos Estados-membros e, caso esse nível não seja suficientemente elevado, determinará a necessidade de medidas suplementares.

Fomentar a economia circular

Apenas 12% das matérias-primas utilizadas na indústria provêm da reciclagem e os processos industriais permanecem demasiado “lineares” e dependentes da extração de novas matérias.

Em março, a Comissão vai propor uma estratégia industrial que permita à UE enfrentar o duplo desafio da transformação ecológica e digital que passa por fomentar a descarbonização de setores industriais com utilização intensiva de energia, como a siderurgia e as cimenteiras.

A par da estratégia industrial, um novo plano de ação para a economia circular incluirá o desenvolvimento de mercados-piloto no domínio dos “produtos sustentáveis” para apoiar a conceção “circular” dos produtos. Será dada prioridade à redução e à reutilização de materiais. O plano de ação vai apostar na promoção de novos modelos de negócio e estabelecerá requisitos mínimos para evitar a colocação no mercado da UE de produtos prejudiciais ao ambiente. O plano visa, sobretudo, setores com utilização intensiva de recursos, como os têxteis, a construção ou os plásticos.

Em outubro, a Comissão avançará com legislação para assegurar uma cadeia de valor segura, circular e sustentável para todas as baterias. Bruxelas promete apoiar igualmente outras iniciativas que conduzam a alianças e a uma partilha de recursos em grande escala, por exemplo sob a forma de projetos importantes de interesse europeu comum, em que auxílios estatais específicos e definidos no tempo possam ajudar a criar cadeias de valor inovadoras.

Portugal acompanhará com particular interesse a área das baterias que alimentam o promissor mercado de veículos elétricos. O país é o maior produtor europeu de lítio, uma das matérias para fabrico de baterias utilizadas também em maquinaria e na indústria, e elemento central na eletrificação e descarbonização da economia europeia.

Mobilidade sustentável e inteligente

Os transportes são responsáveis por um quarto das emissões de gases com efeito de estufa da UE. Para alcançar a neutralidade climática, será necessária uma redução drástica de 90% destas emissões até 2050.

Todos os modos de transporte — rodoviário, ferroviário, aéreo, aquático — deverão contribuir para o esforço. A Comissão aprovará em 2020 uma estratégia para a mobilidade inteligente e sustentável que pretende fomentar alternativas mais baratas, acessíveis, saudáveis e limpas, por comparação aos atuais hábitos de mobilidade.

A Comissão defende igualmente que a UE deve aumentar a produção e a utilização de combustíveis alternativos sustentáveis para os transportes. Estima-se que dentro de cinco anos haja 13 milhões de veículos “limpos” (com nulo ou baixo nível de emissões) a circular nas estradas europeias, o que vai exigir a criação de um milhão de estações de carregamento e de pontos de abastecimento. Bruxelas promete apoiar a implantação destas estações e lançará a partir de 2020 um pedido de financiamento desta medida.

Um sistema alimentar saudável e “amigo” do ambiente

A Comissão pretende avançar já na primavera com a estratégia “do prado ao prato” para tornar a produção agrícola e alimentar mais “amiga” do ambiente e que passa por medidas, incluindo legislativas, destinadas a reduzir a utilização de fertilizantes, antibióticos e pesticidas químicos, bem como o risco que lhes está associado.

Preservar ecossistemas e a biodiversidade

Em 2020 será também apresentada uma nova estratégia da UE para as florestas que terá como principais objetivos a florestação eficaz e a preservação e recuperação das florestas na Europa. Entre outras coisas pretende-se reduzir a incidência e a extensão dos incêndios florestais e promover a bioeconomia.

Estas são as principais propostas que a Comissão deverá aprovar ao longo do novo ano, segundo o roteiro do Green Deal. 2020 será decisivo para apurar o nível de ambição da UE e dos Estados-membros no combate às alterações climáticas. Para 2021, ficam outras frentes emblemáticas como a revisão, se necessário, de todos os instrumentos políticos importantes no domínio do clima, a fim de concretizar reduções adicionais das emissões de gases, que abrangerá o sistema de comércio de licenças de emissão. Ou ainda a possibilidade de criar de um mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras, ou a revisão da diretiva relativa à tributação da energia.


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