A água, sendo escassa em Portugal, é gratuita ou demasiado barata. Por alma de quem é que um agricultor vai pagar pela água reutilizada se pode ir buscar a que quiser ao subsolo e ao rio?”, questiona o ex-secretário de Estado do Ambiente.
Poças Martins lembra que o relatório anual da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) mostra que “no Norte estão os campeões nacionais de perdas de água”.
“Há municípios que perdem cerca de 80%, com perdas de água reais e de faturação (água não faturada). Tem duas componentes, perdas de água, e aquela água que a câmara não cobra à Misericórdia, ao cemitério, etc”, concretiza.
O diretor da Secção de Hidráulica Recursos Hídricos e Ambiente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e secretário-geral do Conselho Nacional da Água alerta que, “se se for buscar ao subsolo mais do que o subsolo pode dar, o que vai acontecer é, como acontece na Póvoa de Varzim, que o espaço ocupado por aquela água vai ser preenchido por água do mar e, uma vez que entra, nunca mais sai, saliniza aquele solo para sempre. Esteriliza aquele solo”.
Reconhecendo que a água é escassa no país, aponta que “o problema é que se criou em Portugal um ‘status quo’ pelo qual alguns utilizadores entendem que têm um direito de utilizar infinitamente a água”.
“A agricultura usa, em Portugal, 70 a 80% da água, e praticamente não paga por ela. Como não paga por ela, usa demais, vai regar por aspersão milho em agosto. Nem uma gota chega lá ao sítio. Se a água tivesse um preço, esses agricultores não regavam milho. Se calhar, produziam outra coisa, e o milho a gente comprava fora, como Singapura faz”.
Para o engenheiro, “não faz sentido produzir um recurso económico com um bem escasso ao qual não é atribuído um preço certo”.
“Não se reutiliza a água em Portugal porque a água não tem o preço certo, é demasiado barata para alguns”, reitera.
Poças Martins considera que “cada barragem que se faça hoje em Portugal tem de ser muito, muito, muito bem pensada” e que, “em Portugal, já não há muito espaço com sentido económico”, até porque “os grandes sítios já foram ocupados”.
“Aquelas que são reclamadas são para agricultura, mas se se fizer contas, dão prejuízo. O valor que é retirado da sua utilização não compensa os custos. É uma questão política. Uma vez que em Portugal não chove todos os dias, os agricultores reclamam que o Governo deve construir barragens para eles poderem regar, para concorrer com os do norte da Europa. Só que não há dinheiro grátis, e se o Estado investe em barragens para os agricultores serem mais competitivos, não investe em mais escolas, hospitais…”
O ex-governante lembra que “a água é um recurso escasso, mas o dinheiro público é ainda mais escasso”.
É por isso que defende que “o que há a fazer é rentabilizar a agricultura, que deve passar a ser uma agricultura de precisão. (…) Em vez de plantar milho, que gasta muita água e rende pouco, tem de passar a outro tipo de agricultura, e se não for aqui, faz-se noutro lado e compramos”.
Joaquim Poças Martins é licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e doutorado pela Universidade de Newcastle, em Inglaterra.
Desde 1974 é docente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde dirige a Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente.
É secretário-geral do Conselho Nacional da Água desde 2013 e foi, entre 1993 e 1995, Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor do XII Governo Constitucional de Portugal, no último governo liderado por Aníbal Cavaco Silva.