O eucalipto foi introduzido em Portugal, no início do século XIX, como uma espécie exótica que servia para embelezar parques e jardins. Tinha qualidades medicinais e, como era uma espécie de crescimento rápido, a madeira de eucalipto constituía uma fonte acessível de matéria-prima.
A madeira de eucalipto começou por ser usada em explorações agrícolas e o seu primeiro destino comercial foi a aplicação em travessas de caminho-de-ferro. As primeiras plantações comerciais foram instaladas em 1870, pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses.
A utilização da madeira de eucalipto para a produção de pasta de papel iniciou-se em meados do século XX, tendo Portugal sido o primeiro país a produzir pastas químicas de eucalipto. Em 1906, começam a surgir estudos laboratoriais com madeira de eucalipto para processamento, mas a produção em escala industrial com o processo kraft só foi iniciada em 1957, na Companhia Portuguesa de Celulose, em Cacia. Nas décadas seguintes, a inovação portuguesa ganhou mundo e várias espécies de eucalipto tornaram-se referência na indústria global da pasta de celulose e do papel.
Diferentes espécies adaptaram-se a várias regiões do globo e provaram ser adequadas à produção de pasta e papel: no Brasil, por exemplo, estabeleceram-se o Eucalyptus grandis e o E. nitens (assim como alguns híbridos resultantes do cruzamento de espécies), na África do Sul juntaram-se a estes dois os Eucalyptus macarthurii e E. smithii, e na Tailândia destacou-se o Eucalyptus camaldulensi.
Em climas temperados, como o português, o Eucalyptus globulus foi bem-sucedido. Isto aconteceu devido ao bom crescimento das árvores, em particular no litoral centro, à anatomia da madeira e à biometria das suas fibras, bem como à qualidade química da pasta, que permite produzir papéis com características bastante valorizadas, como a resistência, a flexibilidade e a durabilidade.
Recorde-se que tanto a espécie de árvore como o processo de transformação contribuem para que a pasta adquira determinadas características (elasticidade, opacidade, entre outras) que a tornam mais adequada a determinadas classes de papel. O Eucalyptus globulus, que tem fibras curtas, homogéneas, com pequeno diâmetro e paredes espessas, dá origem a papéis de elevada qualidade para escrita e impressão. “Adicionalmente, tem também uma maior flexibilidade ou elasticidade, o que permite um maior número de reciclagens”, explica Alexandre Gaspar, que trabalha em scale-up industrial e novos negócios no RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel.
Foi com esta matéria-prima que Portugal ganhou relevância além-fronteiras no sector. Em 2020, apesar dos constrangimentos associados à pandemia, foi o terceiro produtor europeu de pastas químicas e o segundo no segmento de papeis e cartões não revestidos, indica o boletim estatístico da CELPA – a Associação da Indústria Papeleira portuguesa.
Se é certo que nem toda a pasta, papel e cartão portugueses provêm da madeira de eucalipto (também se usa pinheiro-bravo), esta é a espécie mais representativa. Nesse mesmo ano de 2020, as associadas da CELPA, cuja atividade se inicia na floresta, tinham sob gestão certificada 163,9 mil hectares da área florestada (5,1% da floresta portuguesa), dos quais 147,1 mil com eucalipto, o que corresponde a 17,4% dos eucaliptais nacionais.
É esta a origem de um subsector com um volume de vendas de 3,91 mil milhões de euros (empresas de fabricação de pasta, de papel, de cartão e seus artigos em 2020, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística) e exportações a rondar os 2,27 milhões de euros, em 2020 (considerando 1,7 milhões relativos ao papel e cartão e 0,57 milhões em pasta e papel para reciclar).
Além da madeira de eucalipto, também as suas folhas e casca são valorizados. O óleo essencial de eucalipto é um dos mais conhecidos derivados, mas há outras aplicações propiciadas pelos compostos químicos presentes nas várias partes da árvore, que têm ativos usados, por exemplo, na indústria farmacêutica e perfumaria. Estes ativos e suas propriedades continuam a ser estudados, com novas aplicações a emergir, como é o caso da aplicação do óleo essencial no combate a uma das doenças que mais afeta a agricultura, a Xylella fastidiosa.
Novas soluções na área de embalagens
Até há alguns anos os papéis de escrita, impressão, decoração e os domésticos eram os que mais contribuíam para a relevância desta matéria-prima, mas a necessidade crescente de soluções que possam servir de alternativa a materiais de origem fóssil – nomeadamente às embalagens de plástico – reforça a amplitude das aplicações da madeira de eucalipto.
“Havia a ideia de que as fibras longas, por conseguirem entrelaçar-se melhor, traziam maior resistência para a criação de embalagens, ao contrário das fibras curtas, como a do eucalipto”, refere João Escoval, da área de embalagem da The Navigator Company. No entanto, “graças à investigação feita pelo Instituto RAIZ, demonstrou-se que a estrutura molecular do eucalipto (E. globulus) tem um desempenho apelativo e competitivo também nesta área”, acrescenta, referindo que se está a conseguir produzir o dobro de material de embalagem com a mesma quantidade de madeira, tendo em conta que o pinho nórdico, proveniente do Norte da Europa e América era, até aqui, a matéria-prima mais comum neste segmento. Para isto contribui um processo que assegura a mesma resistência do material em embalagens de menor gramagem, o que significa produzir o mesmo com menos matéria-prima.
O potencial deste segmento está a levar várias empresas que operam na indústria da pasta de celulose a nível global a convertem máquinas para a produção de cartão especialmente direcionado às embalagens e a envolver-se na investigação e desenvolvimento (I&D) de características funcionais que tornem as embalagens de papel e cartão mais versáteis, como a resistência a líquidos ou a gorduras, por exemplo.
O RAIZ é uma das entidades do sistema científico e tecnológico que tem mantido Portugal no pelotão da frente quando se fala de inovação e ganhos de eficiência com base em biomateriais derivados do eucalipto, muitas vezes em parceria com equipas de I&D de universidades e institutos portugueses (e internacionais), com o objetivo de desenvolver novos biomateriais, soluções e processos, num modelo baseado na bioeconomia e circularidade.
Este é o conceito subjacente à biorrefinaria de base florestal, em que se trabalha para que todos os componentes da madeira – celulose, hemicelulose, lenhina e seus constituintes – assim como da casca, folhas e resíduos (biomassa em geral) –, possam dar origem a novos biomateriais e bioprodutos. Além da inovação, procuram-se processos que transformem uma boa ideia numa ideia com viabilidade financeira e escalabilidade, para que possa aplicar-se a nível industrial, de forma competitiva.
Da madeira de eucalipto ao potencial da sua celulose: 3 exemplos de I&D nacional
A celulose, principal constituinte da fibra vegetal, é um dos componentes que se evidencia pela amplitude de aplicações de alto valor que tem vindo a proporcionar.
Para obter a celulose é preciso quebrar o “cimento” que a liga à hemicelulose, sendo este cimento a lenhina. O seu fracionamento em microcelulose e nanocelulose permite obter materiais de resistência mecânica e propriedades únicas, como a biocompatibilidade, leveza e transparência. “Imaginemos uma corda de estender a roupa. Essa corda é composta por vários fios entrelaçados. O mesmo se passa com a fibra: a corda principal é a celulose, mas podemos desentrelaçar os fios mais pequenos que a compõem. Esses fios mais pequenos são a microcelulose e a nanocelulose”, explica Alexandre Gaspar.
Estas pequeníssimas partículas podem ainda combinar-se ou ser objeto de extrações específicas (celulose microfibrilada ou nanocristais de celulose, por exemplo) para alcançar propriedades exclusivas.
1. Celulose bacteriana: da alimentação à cosmética
A celulose é rica em açúcares, que podem ser transformados por bactérias em estruturas nanométricas para aplicar em sectores que vão da medicina à indústria alimentar. O RAIZ, em conjunto com as Universidade de Aveiro, a Universidade do Minho e a startup Satisfibre (criada no seio da Universidade minhota) têm estado a desenvolver celulose bacteriana a partir da fibra de eucalipto e o seu potencial foi avaliado, inicialmente, na área cosmética e no sector alimentar.
Neste último sector, a celulose bacteriana pode ser utilizada como aditivo ou ingrediente, ajudando a melhorar as propriedades de alimentos: melhora, por exemplo, a estabilidade da suspensão de cacau no leite com chocolate, a textura dos gelados, o volume das claras em castelo ou a humidade de preparados de carne. Já na cosmética promove igualmente esta retenção de água na formulação de cremes e pode ser um substituto natural dos emulsionantes artificiais, identifica a Satisfibre.
Globalmente, as soluções com base na celulose estão a ser utilizadas como espessante para cosméticos, pastas dentífricas, em alguns alimentos industrializados (como molhos), mas também na farmacêutica, como veículos de transporte de princípios de ativo de medicamentos: “A celulose entra no nosso corpo, não é digerida pelo sistema gástrico, é inócua e pode transportar os princípios ativos dos medicamentos até ao local específico onde se pretende que atuem”, explica Alexandre Gaspar.
2. Biocombustíveis de segunda geração
A riqueza da celulose em açúcares permite outras aplicações em áreas-chave da descarbonização, nomeadamente na produção de biocombustíveis de segunda geração. De notar que a denominação “segunda geração” surge porque, ao contrário dos primeiros biocombustíveis que chegaram ao mercado, estes não provêm de culturas como a soja ou a cana-de-açúcar, que concorriam com recursos alimentares.
A produção destes biocombustíveis pode ser feita inclusive a partir de resíduos florestais e a viabilidade técnica e económica de um biocombustível líquido avançado à base de biomassa florestal residual de eucalipto tem estado a ser avaliada por um consórcio que junta o RAIZ, a Petrogal e o LNEG – Laboratório Nacional e Engenharia e Geologia, tirando partido de uma infraestrutura única em Portugal de que o LNEG dispõe para a produção de biocombustíveis avançados.
3. Materiais biocompósitos, incluindo termoplásticos
Outra das áreas de aplicação é a dos materiais compósitos, que juntam polímeros (sintéticos ou naturais) e fibra de eucalipto. Já em 2015, o RAIZ desenvolveu com a Universidade do Minho um compósito e um biocompósito (PL e PLA) de polipropileno reforçado com 30% de celulose de eucalipto, que permitem moldagem (injeção e molde).
As fibras de celulose aumentaram significativamente a capacidade de moldagem e a tensão a que podem ser submetidos estes termoplásticos, que estão já a ser aplicados em variadas indústrias, incluindo embalagens, mobiliário, brinquedos, utensílios domésticos, componentes automóveis ou filamentos para impressoras 3D.
“O Ikea, por exemplo, já disponibiliza utensílios de cozinha, cadeiras e outros móveis com materiais feitos a partir deste tipo de misturas”, explica Alexandre Gaspar, que refere: “mesmo quando misturamos celulose com materiais de origem fóssil, estamos a reduzir a percentagem petroquímica do material final”. A fibra de celulose permite também reduzir o preço destes biocompósitos, um facto relevante se tivermos em conta que o custo é ainda um entrave à sua aplicação generalizada.
Além da celulose, também a lenhina, a pasta de celulose e vários resíduos resultantes da produção da pasta e papel encontram novas aplicações, que continuam a ser estudadas e avaliadas em projetos técnico-científicos. Por exemplo, o potencial da pasta de eucalipto na produção de prebióticos que favoreçam a digestão está a ser aprofundado num projeto que envolve o RAIZ e o Instituto Superior Técnico.
Investigação e aplicações multiplicam-se pelo mundo
Tal como em Portugal, equipas de I&D em diversos países continuam a estudar a celulose derivada da madeira de eucalipto para gerar inovação, nomeadamente em regiões onde diferentes espécies de Eucalyptus são plantadas para produção de pasta e papel.
Na Tailândia, por exemplo, um estudante da Universidade de Chulalongkorn tem desenvolvido testes a um novo composto de celulose de eucalipto, óxido de zinco e fosfato de prata com propriedades antisséticas e que pode ser pulverizado em artigos médicos, incluindo máscaras e vestuário de proteção individual, ou integrado em embalagens de equipamento médico e alimentos para prolongar o respetivo prazo de validade. A mesma biosolução pode ser integrada em terapêuticas antibacterianas ou no tratamento de águas residuais.
As aplicações das várias soluções de celulose de origem vegetal vão-se multiplicando globalmente também noutras áreas – como a indústria têxtil e a automóvel – e começam a ser adotadas por marcas que trazem a inovação até aos consumidores. Veja-se o caso da marca automóvel Land Rover, que lançou, no final de 2021, o modelo Evoque Eucalyptus Edition, que incorpora a fibra de eucalipto no tecido dos estofos.
Nas peças e componentes para automóveis, os materiais celulósicos permitem produzir viaturas mais leves (e que, por isso, consomem menos combustível). Já na construção civil, por exemplo, podem conferir mais resistência e reciclabilidade aos materiais.
No já referido campo da saúde, a nanocelulose é também utilizada para o desenvolvimento de pele artificial para cicatrizar feridas e queimaduras. Além de biocompatível, permite películas tão finas e transparentes que possibilitam observar a cicatrização da pele.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.