Carlos Neves

Tirar o IVA de adubos e rações não baixa o custo dos alimentos

“O Primeiro-Ministro anunciou que o Governo vai aprovar medidas para conter os preços dos bens energéticos e agroalimentares, no discurso de apresentação do Programa do Governo, na Assembleia da República.”

Entre as novidades está a «isenção temporária do IVA dos fertilizantes e das rações» (comunicado do governo a 7 de abril).

Esta é uma boa medida, mas não é isto que vai baixar o custo dos alimentos que se compram no talho, na mercearia ou no supermercado.

O IVA, imposto de valor acrescentado, é essencialmente um imposto sobre o consumo final. Os agricultores, como todos os empresários, pagam IVA quando compram os fatores de produção e cobram IVA quando vendem. Quando um agricultor ou empresa agricola compra 100 euros de ração para os animais ou adubo para as plantas paga 6% de IVA, portanto paga um total de 106 euros. Ao comprar um trator ou maquina agrícola paga 13% e em alguns produtos 23 % de IVA. Quando vende 100 euros de leite, ovos, batatas ou qualquer produto agrícola, cobra mais 6 euros de IVA. O supermercado, o talho ou qualquer intermediário, pagam IVA quando compram e cobram IVA quando vendem.

Cada trimestre, todas as empresas agrícolas, industriais ou comerciais que fazem contabilidade organizada são obrigadas a fazer as contas do IVA. Havendo IVA a dar ao Estado, têm de o entregar de imediato. Havendo IVA a receber, só podem pedir o “reembolso” quando atinge um certo valor e ficam sujeitas a fiscalização. Para as empresas o IVA é “neutro”, tendo apenas efeitos temporários na tesouraria.

Uma ração que custava 30 cêntimos por kg em 2021 passou a custar 40cts/kg antes da guerra começar e vai a caminho de custar 50cts/kg em Maio. Os adubos dobraram ou triplicaram o preço. Esta é a parte que dói e vai continuar a doer com ou sem IVA.

Quando houver isenção, uma empresa agrícola que gaste 10.000 euros de ração ou adubo vai “poupar” 600 euros na ocasião da compra mas depois terá de entregar ao estado o IVA que cobrar na venda dos produtos produzidos. Esta medida, tal como a “flexibilização” (adiamento temporário) dos pagamentos fiscais ou de segurança social é apenas uma ajuda temporária de tesouraria, não reduz o custo dos alimentos ao produtor ou consumidor. Se o governo quiser reduzir o custo dos alimentos pode, por exemplo, isentar de IVA esses alimentos.

Esta medida agora anunciada é apenas útil para os pequenos agricultores que não podem deduzir o IVA e que compram um saco de adubo para o quintal ou um saco de ração para os pintos ou o porco que engordam em casa. Será uma medida positiva, “se” o intermediário que lhe vende o adubo ou ração não aproveitar para subir a sua margem em vez do IVA. São milhares de pequenos agricultores que vão beneficiar disso e é bom. Mas não são esses pequenos agricultores que produzem 99% da comida que os portugueses compram no talho, na mercearia ou no supermercado.

Se o governo quiser efetivamente ajudar os agricultores terá que dar ajudas concretas. Se quiser ajudar o consumidor tem que baixar o IVA dos alimentos. O que um governo não deve fazer é anunciar ajudas desta maneira, criando na opinião pública a ideia errada de estar a dar uma grande ajuda aos agricultores que não é real, lançando os consumidores contra quem lhe produz os alimentos com custos cada vez mais elevados.

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O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


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