Carlos Neves

Tratores na rua, mais uma vez! – Carlos Neves

Faltam-me as palavras para expressar a angústia e a revolta que os produtores de leite vão acumulando à medida que os meses passam, os anos passam, os custos de produção aumentam e o preço do leite ao produtor em Portugal fica abaixo dos custos, 6 cêntimos abaixo da média comunitário e no último lugar entre os 27 países da Europa.

Um problema conjuntural (subida do custo das rações por causa do aumento de compra de cereais pela China e baixa produção devido a secas nos países principais produtores) juntou-se a um problema estrutural: a incapacidade de os produtores de leite refletirem no preço de venda os aumentos de todos os custos ao longo dos anos (energia, mão de obra, adubos, equipamentos, etc) e o enorme aumento das rações no último ano. As razões são múltiplas, internas e externas, desde a divisão dos produtores até à concentração em meia dúzia de indústrias e operadores de distribuição.

Ao longo dos últimos meses, desde o final de 2020, denunciámos a situação e pressionámos a indústria, a distribuição e o governo, em sucessivos comunicados, entrevistas, contactos políticos, cartas abertas e até numa inédita manifestação em fevereiro no Porto, com as botas vazias a simbolizar os 200 produtores, 200 famílias que abandonaram a atividade em 2020. Foi a forma de nos manifestarmos em plena pandemia e nos protegermos a nós e aos nossos idosos. Somos um setor envelhecido e a ausência de um rendimento digno afasta os jovens do setor.

Do governo tivemos como resposta uma reunião da PARCA, que ainda não produziu qualquer resultado, a promessa de uma pequena antecipação de ajudas já existentes (que foram reduzidas ao longo da última PAC e que permanecem em dúvida para a próxima PAC), uma linha de crédito e apoios pontuais para alguns investimentos que poderão dar algum resultado a médio e longo prazo para os que tiverem mais pontuação nos projetos apresentados e dinheiro ou crédito. No imediato, nada, exceto na região autónoma dos Açores, onde o Governo regional deu um paliativo até ao final do ano para compensar o aumento do preço que não chegou aos produtores da região.

Da indústria apenas tivemos resposta, em comunicado, de que não pode aumentar os preços porque é pressionada para constantes promoções pela distribuição.

Da distribuição em conjunto e das várias cadeias de supermercados tivemos o silêncio. Nem uma palavra, nem uma atitude, nem uma resposta sobre o preço do leite. Apenas as mesmas promoções, os mesmos preços baixos, a desvalorização de sempre. Pelo contrário, nos ovos ou na carne de frango, a situação foi diferente. O custo da alimentação dos animais subiu, o preço ao público subiu. Simples. No leite, ninguém é capaz de dar o primeiro passo, nem um grupo económico que é dono de uma vacaria, compra o restante leite diretamente aos produtores, tem uma fábrica e uma enorme cadeia de supermercados. Controla todo o processo e aparentemente ainda faz as promoções mais agressivas. Com que objetivo? Onde é que isto vai parar?

“Quando os elefantes lutam, a erva é que fica pisada”. “Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão”. Aqui o mexilhão somos nós, agricultores e produtores de leite.

Quando percebemos que não nos ouvem, resta-nos tirar os tratores do campo e sair à estrada até sermos ouvidos. Fizemos tudo o que era possível para não chegar a este ponto. Espero encontrar rapidamente boa vontade para ultrapassarmos esta situação que está a matar a produção de leite em Portugal.

Carlos Neves

Agricultor, produtor de leite e secretário geral da Aprolep.

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