Pedro Matos

2020 – O triunfo dos porcos? – Pedro Matos

Finalmente terminou “O ano de todos os perigos” no sector da carne de suíno. Entre mortos e feridos veremos quem se safou e quem se irá safar. É que este tema sensível está longe de estabilizar e, como disse no meu artigo anterior, o paradigma tradicional do preço mudou, seja para o produtor, seja para o retalhista, seja para o consumidor!

É certo que em Dezembro já se sentiu um abrandar dos preços em alguns países, mas em Espanha, o nosso principal mercado abastecedor que nos fornece cerca de 96% dos 40% que importamos, atingiram o valor recorde de 2019 com os 1,51€/kg (porco vivo). Para termos ideia só encontramos valor mais alto em Setembro de 2013!…

2019 foi um ano bom para o sector da produção nacional que, por um lado, viu as cotações do porco aumentarem ao longo do ano gerando-lhes mais valias substanciais, e por outro, viu as exportações para a China arrancarem (devagarinho) e aumentarem para o mercado Japonês, o que lhes permitiu vender o que tinham e, imagine-se, o que por vezes ainda nem tinham… Relembro que Portugal só produz 60% das suas necessidades.

Mas a China, principal catalisador da actual situação, não é o El Dorado e se pode ajudar em muito as empresas portuguesas também as pode destruir. É preciso cuidado nesta gestão e pensá-la a médio/longo prazo.

A 25 de Janeiro celebra-se o ano novo Chinês, altura tradicionalmente de grande consumo de carne no país. Por isso houve nos últimos meses um acréscimo da exportação para este mercado. Os contentores estão já na China e quem não segurou a transacção financeira antecipadamente com garantias de pagamento correu riscos desnecessários. Sabemos que houve negócios feitos, com a mercadoria nos portos chineses, em que os “parceiros” chineses se recusaram a pagar os valores combinados. E o exportador, entre pagar taxas portuárias, deixar o produto estragar-se no contentor, sujeitar-se a “perdas ilícitas”, etc, aceitou renegociar o preço em baixa. Precedente aberto muito perigoso para negociações futuras…

Para trabalhar com a China, ou outro mercado, é preciso conhecer o mercado, escolher bem os parceiros, conhecer a sua estratégia e envolvê-los no negócio. Não basta despejar carne para o mercado. Quem o fizer irá arrepender-se no futuro.

Todos sabemos que 2020 deverá ser mais um ano de vendas recordes na exportação, principalmente para a China que estima-se tenha apenas capacidade de produção de metade do seu efectivo em 2020. Mesmo a recuperar rapidamente a sua capacidade de produção deverá demorar ainda alguns anos até que consigam repor as suas reais necessidades.

No entanto, para a nossa economia há 3 factores muito importantes a ter em conta para 2020:

  1. Acordo comercial China/EUA onde, muito recentemente, se decidiu baixar as taxas à importação de carne de porco americana na China. E os EUA não só têm o segundo maior efectivo do mundo como têm a carne mais barata que na Europa.
  2. A peste suína africana (PSA) está à beira de europa.
  3. Portugal viu recentemente mais 5 empresas acreditadas para exportar para a China. Mas Espanha viu 28!

Não esqueçamos que apenas produzimos 60% das nossas necessidades. E que 96% do que importamos vem de Espanha.

Assim olhemos para as capacidades de produção de Portugal e Espanha:

Em 2018 Espanha produziu 4.521.000T e Portugal apenas 362.000T. Estima-se que em 2020 as exportações de Portugal para a China rondem as 160/200.000T.

Acompanhem-me então no raciocínio:

Estimando que as nossas necessidades internas são de sensivelmente 650.000T isto quer dizer que iremos exportar para a China cerca de 25 a 30% das nossas necessidades. E não creio que Portugal consiga aumentar o seu efectivo nestas proporções em 2020. Pelo que teremos que aumentar as nossas importações. Importações essas que dependem do mercado espanhol. Mercado esse que é já o maior fornecedor de carne europeu para a China destronando a Alemanha e que viu serem acreditadas mais 28 empresas para exportarem para a China. China que paga mais 0,5€-1€/kg pela carne. Pelo que se Portugal quer aumentar as suas compras a Espanha vai pagar o porco muito mais caro. E vai vender o que produz em Portugal para a China muito mais caro do que vende aos clientes nacionais (distribuidores, produtores de produtos à base de carne, consumidores, etc).

Assim prevejo que 2020 nos traga 3 cenários que em muito irão alterar os nossos hábitos alimentares:

  1. Aumento da carne de porco ao consumidor final que poderá levar a grandes mudanças nos hábitos alimentares em termos de fonte de proteína (aves, bovino, etc)
  2. Aumento dos produtos de charcutaria no fornecimento à distribuição que levará, mais tarde ou mais cedo, ao aumento dos PVP’s nos diversos players e aumentando o custo/kg da categoria. Resta saber que impacto terá nas vendas
  3. Escassez de carne de porco no mercado nacional (risco é real)

É certo que este mês as bolsas de porco desceram, inclusive Lérida:

Mas é apenas um movimento correctivo, habitual em Janeiro, e que tem ainda a ver com o aumento de efectivo devido ao período do Natal e Reis em Espanha (menos abates; porcos mais gordos) e com a diminuição habitual do consumo nesta altura. Mas mesmo assim estão sensivelmente 0,45€/kg mais caras que em Janeiro de 2019!

E, Senhores Produtores, lembrem-se que a situação da China não é eterna e que não podemos descurar os players que operam no nosso mercado. Há que retirar o melhor desta situação e equilibrar o negócio entre produção e distribuição. Mas radicalismos trarão maus resultados a médio prazo e abrem portas a que importemos ainda mais de Espanha…

E, Senhores Distribuidores, tenham em atenção que a pressão exercida junto dos fornecedores/produtores nos últimos anos parou. Há que encontrar novas maneiras de negociar e encontrar soluções de compromisso win-win para o futuro.

E, Senhores Consumidores, já imaginaram ir ao talho ou supermercado e comprarem carne de porco ao preço da carne de vaca ou não terem sequer carne de porco para comprar? E comprar os eternos fiambre da perna extra ou bacon 30% mais caros? É este o cenário mais credível.

A única coisa certa é mesmo “o triunfo dos porcos”.

Pedro Matos

Director Comercial da Primor Charcutaria


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