André Barão e Marisa Costa

3 cêntimos são suficientes para salvar a produção de leite nacional? (Apresentamos os cálculos) – André Barão e Marisa Costa

O país e o mundo continuam a viver tempos difíceis. A pandemia continua a influenciar as nossas vidas, a determinar as nossas interações sociais e tem ainda hoje bastante impacto no rendimento das famílias e das empresas. Mas, apesar de todas as dificuldades que possamos sentir, nós os agricultores continuamos a trabalhar com garra e afinco para alimentar as famílias.

A produção de leite nacional atravessa a maior crise de todos os tempos, estando a sustentabilidade e o futuro das empresas produtoras de leite em risco. A subida do preço das matérias-primas, o baixo preço pago à produção por litro de leite, o preço mais barato ao consumidor na Europa a 27 e custos de produção similares aos restantes países da Europa são determinantes para a crise que atravessamos.

Este artigo até poderia servir para felicitar a indústria e a distribuição nacional por terem ouvido os nossos apelos, uma vez que a maior parte dos produtores receberam o anúncio de um aumento à produção de 3 cêntimos por litro de leite (30€/1000 litros) já a partir de janeiro de 2022. Mas, infelizmente, a chegada deste pequeno aumento, não resolverá a difícil situação financeira em que se encontram os produtores de leite. Para nós é claro que nem a indústria, nem a distribuição, nem mesmo o governo parecem ter entendido corretamente a nossa mensagem. PRECISAMOS DE UM PREÇO JUSTO para garantir a sustentabilidade do setor e das suas empresas.

A produção está atualmente a vender abaixo do preço de custo, sendo fundamental que o preço de venda do leite esteja alinhado com a média da Europa para que o setor possa pelo menos sobreviver.

Os números não enganam e de seguida demonstramos evidências, com base em explorações nacionais, de grande e média dimensão, de que estes 3 cêntimos são manifestamente insuficientes para a sustentabilidade e viabilidade das empresas.

Com base em dados obtidos a partir de várias explorações e em conjunto com uma consultora que é responsável pela gestão dos dados de várias explorações em Portugal, sabe-se que na estrutura de custos de uma empresa de produção de leite, o custo alimentar até 2020 representou sempre valores na ordem dos 55% do custo de produção do leite e que a partir de 2021 este custo teve um aumento de 10% na estrutura de custos, sendo agora responsável por valores na ordem dos 65% do custo de produção de leite.

Nos quadros abaixo apresentamos, com base apenas nos aumentos dos fornecedores da indústria da alimentação animal confirmados para janeiro de 2022, qual vai ser o seu impacto no custo alimentar de uma vaca.

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Fonte: Cotações Empresas de Ração e histórico de compras de explorações em Portugal Continental; Cotação de Silagem de Milho de acordo com a cotação já definida para o milho grão 2022

Abaixo podemos ver os preços de leite reais recebidos em 2021 (valores reais, onde está incluída a penalização/bonificação da gordura e proteína recebida pelos produtores), o custo de produção e margem prevista para 2021.

Como se vê o cenário, continua altamente ruinoso para o produtor!

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Fonte: Serbuvet e publicação de aumentos desde outubro nas tabelas dos maiores transformadores de leite. Nota: Para podermos extrapolar os valores de margem de 2022, foram tidos em conta os aumentos já previstos no custo alimentar e os aumentos também já anunciados para o preço de venda de leite.

Os números não enganam e em nada são motivadores. De forma clara e objetiva, as grandes conclusões que entendemos que estes números devem dar a toda a fileira leiteira são:

  • O aumento no custo alimentar dos animais em 2022, será pelo menos 21% acima de 2021;
  • Sabendo que 2021 vai ser já um ano de prejuízos para as empresas produtoras de leite, não podemos esperar mais um ano para que se volte a atuar sobre o preço de venda do leite pelas explorações às indústrias;
  • Com os dados já confirmados de preços para 2022 é evidente que vamos continuar a acumular prejuízos na produção de leite, pois já estando incluído todos os aumentos previstos até janeiro, sendo mais que evidente que o preço anunciado não é de todo suficiente para a sustentabilidade da atividade;

A nossa convicção é que, tal como temos referido em outros momentos, não existe outra solução para salvar as empresas produtores de leite e todas as que dependem indiretamente do setor, a não ser um compromisso do preço do leite português não ficar abaixo da média europeia.

Como mostrámos pelos custos alimentares já definidos para janeiro de 2022 em Portugal, esta situação de aumentos está longe do fim, pelo que o mercado europeu terá que continuar a acompanhar com subidas de preço. Acreditamos que as subidas terão que ser superiores às ocorridas até agora para ir de encontro aos aumentos de custos de produção já confirmados para Janeiro.

A produção de leite portuguesa não pode esperar mais e, caso a situação não se altere muito rapidamente, o setor será muito difícil de reparar. Com esta escalada de preços os produtores de leite vão ser obrigados a tomar decisões que podem obrigar a muitas vacarias fecharem, muitos animais serem abatidos porque a continuar assim os produtores estarão diariamente a retirar o sustento às suas próprias famílias.

Num período como o final/início de ano, que é sempre uma época de retrospetivas e redefinições de objetivos, é essencial que a nossa indústria e a distribuição alimentar consigam alinhar-se para resolver esta situação do preço do leite, garantindo a sustentabilidade da produção portuguesa.

Temos orgulho no nosso trabalho.

Temos orgulho em colocar comida na mesa dos portugueses e queremos continuar a fazê-lo. Apelamos à indústria, à distribuição, ao governo e aos vários partidos políticos que atuem rapidamente, pois está em causa a autossuficiência alimentar que estrategicamente foi e é tão importante na economia nacional como tem provados os últimos anos com a pandemia.

André Barão e Marisa Costa

Produtores de leite


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