63 mortos depois, ninguém é condenado por Pedrógão: a revolta das famílias e os argumentos de quem vê na absolvição de todos a prova de que “a Justiça em Portugal ainda funciona”

Os advogados das famílias das vítimas de Pedrógão Grande estão a analisar se recorrem ou não da decisão que absolveu todos os arguidos. Mas especialistas ouvidos pela CNN elogiam a decisão dos juízes – um deles sublinha mesmo que “é importante desmitificar a ideia de que não há condenações em Portugal”

Os 11 arguidos julgados no processo para determinar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, foram absolvidos terça-feira pelo Tribunal Judicial de Leiria. Em causa neste julgamento estavam crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e houve ainda 44 feridos (entre um total de 75) que quiseram procedimento criminal. A decisão pode ter causado surpresa, sobretudo entre os familiares das vítimas, mas dificilmente podia ter sido diferente, explica à CNN Portugal o advogado António Raposo Subtil.

“As pessoas coletivas não podem responder pelo crime de homicídio”, sublinha António Raposo Subtil. Isto significa que o legislador, deliberadamente, afastou a possibilidade de uma pessoa coletiva vir a ser responsabilizada criminalmente pela prática de um crime de homicídio, quer a título de dolo, quer a título negligente. “O crime de homicídio só pode ser imputado a pessoas individuais.”

E como se não bastasse isso, também de acordo com o artigo 11 do Código Penal o Estado não é susceptível de responsabilidade criminal – apenas poderá assumir a responsabilidade civil, ou seja, o pagamento de indemnizações. “O Estado, no fundo, já assumiu a culpa ao assumir o pagamento das indemnizações”, afirma o advogado António Raposo Subtil. “Assumiu que a instituição Estado – representada pelas autarquias, os bombeiros, as forças da segurança, etc. – não esteve à altura de evitar o dano causado pelos incêndios. Mas criminalmente não pode ser responsabilizado.”

Perante estes constrangimentos, e estando em causa o crime de homicídio, dificilmente este julgamento podia ter tido um outro desfecho. “Se se pudesse responsabilizar empresas, como a Ascendi ou a EDP, talvez a decisão fosse diferente”, avança o advogado. “Num caso tão complexo como estem a questão que se colocava era a de saber se a atuação de cada uma destas pessoas podia ou não ter evitado o que aconteceu. E isso é muito difícil de provar porque há uma diluição da culpa. Não é possível identificar quem é que teve o papel mais relevante, quem é que poderia ter evitado o ocorrido.”

O coletivo de juízes decidiu “julgar a pronúncia, a acusação e as acusações particulares totalmente improcedentes e não provadas e absolver os arguidos da prática de todos os crimes”. Quanto aos pedidos de indemnização cível, o tribunal julgou-os totalmente improcedentes, absolvendo os arguidos e os demandados. A culpa foi, acima de tudo, das condições meteorológicas extremas.

Na verdade, depois de o Estado ter pago cerca de 11 milhões de euros de indemnizações às 75 pessoas que ficaram com ferimentos graves na sequência do incêndio, dificilmente seriam atribuídas novas indemnizações, explica o advogado António Raposo Subtil.

Quem eram os arguidos?

Os arguidos eram o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-Redes), José Geria e Casimiro Pedro, e três trabalhadores da Ascendi […]

Veja a reportagem na CNN Portugal.


Publicado

em

, ,

por

Etiquetas: