A Barragem do Arade, em Silves, tornou-se nas últimas horas centro de um dos casos mais mediáticos da história nacional e internacional. A Polícia Judiciária, a pedido das autoridades alemãs (BKA) e com a presença das autoridades inglesas (Scotland Yard), encontra-se a efetuar novas buscas na tentativa de resolver o misterioso desaparecimento de Madeleine McCann. Estas buscas surgem ligadas à pista que está a ser seguida pelas autoridades alemãs de Christian Brückner é o responsável pelo desaparecimento e possível morte da menina.

A notícia foi avançada ontem pela SIC Notícias que dava conta de que o local estaria a ser isolado, algumas estradas cortadas e mais de duas dezenas de inspetores foram enviados para a zona. Os trabalhos começaram já esta terça-feira, perto das 8h, e deverão decorrer até ao final do dia de amanhã.

Na altura do desaparecimento da criança inglesa de apenas 3 anos, a zona onde estão a ser efetuadas as buscas estaria submersa, razão pela qual os inspetores alemães esperam poder encontrar agora algum vestígio. Pelas 11h foram iniciadas escavações em dois locais distintos, um trabalho que está a envolver perto de uma dezena de operacionais e vários cães pisteiros.

A Polícia Judiciária recusou fornecer informações mais detalhadas sobre o caso, confirmando apenas, num comunicado enviado ontem, que se trata de uma investigação relativa ao “desaparecimento de uma criança inglesa, ocorrido no Algarve em 2007” e que “continuam a ser desenvolvidas diligências para o cabal esclarecimento da situação”. Prometendo divulgar os resultados destas diligências “oportunamente”.

Barragem do Arade

Já as autoridades alemãs emitiram hoje um comunicado mas sem avançar grandes pormenores: “Está a decorrer em Portugal uma investigação no âmbito do caso Madeleine McCann. As medidas estão a ser implementadas através da assistência jurídica mútua das autoridades policiais portuguesas, com o apoio de agentes do Gabinete da Polícia Criminal. Por razões táticas, nenhuma informação adicional será divulgada”, esclareceu o Ministério Público alemão.

Em declarações ao canal alemão RTL, Hans Christian Wolters, procurador de Braunschweig, na Alemanha apenas disse que se tratava de uma “grande operação de busca” e confirmou estarem a ser seguidas “certas pistas” mas sem nunca revelar aquilo que as autoridades procuram em concreto.

Procurador alemão garante que qualquer descoberta relevante será partilhada

Já o Correio da Manhã avança que as autoridades estarão a recolher pedaços de terra que seguirão para análise. Em concreto procuram encontrar fibras do pijama de Maddie, vestígios do corpo da criança ou algum objeto que lhe pertencesse.

“Se encontrarmos alguma coisa e acharmos que os resultados podem ser divulgados iremos certamente informa-vos, mas precisamos de um pouco mais de tempo. As buscas também irão levar algum tempo, não serão concluídas em duas horas”, garantiu Hans Christian Wolters aos jornalistas.

Do lado da polícia britânica confirmou ter agentes presentes em Portugal, mas apenas para assistir às buscas e manter a família informada. O inspetor-chefe da Polícia Metropolitana de Londres, Mark Cranwell, agradeceu “à Polícia Judiciária e ao Bundeskriminalamt” por permitirem à polícia britânica “estar presente enquanto o seu trabalho está a decorrer, para que possa informar a família da Madeleine de quaisquer desenvolvimentos”.

Casa Praia Luz

16 anos do desaparecimento de Maddie

Foi a 3 de maio de 2007 que Madeline McCann desapareceu do Ocean Club, um resort de luxo localizado na Praia da Luz, no Algarve. A criança encontrava-se de férias com os pais, Kate e Gerry McCann, e os dois irmãos gémeos, dois anos mais novos. Natural de Rothley, em Leicestershire, Maddie tinha apenas três anos quando desapareceu a meio da noite sem deixar rasto. 

Na altura, Kate e Gerry McCann chegaram a ser constituídos arguidos e sujeitos a longos interrogatórios na Polícia Judiciária de Portimão mas, em 2008, as suspeitas contra os progenitores foram arquivadas.

No início deste mês, Kate e Gerry McCann realizaram uma vigília para assinalar o 16º ano desde o desaparecimento da filha e, em maio, recordaram o vigésimo aniversário de Maddie prometendo “nunca desistir” do caso.  

Na conta de Facebook da página Find Madeleine Campaign escreveram: “Feliz aniversário, Madeleine. Continuas desaparecida. Continuamos com muitas saudades. Continuamos à procura. Pelo tempo que for necessário”.

Com o passar dos anos foram apontados vários suspeitos mas Christian Brückner, apontado como suspeito em 2020, tem sido desde então considerado o homem que poderá pôr fim ao mistério.

Família McCann

Christian Brückner, um suspeito quase perfeito

Foi em 1994 que o alemão Christian Brückner chegou a Portugal fugido da Alemanha. Na altura tinha sido condenado por um crime de pedofilia e descobriu num resort perto da Praia da Luz, no Algarve, o local perfeito para começar uma nova vida longe do cerco das autoridades.

Em território nacional (e internacional) terá cometido vários crimes mas só em 2020 é que foi associado, pela primeira vez, ao desaparecimento e alegado homicídio de Madeleine Mccann.

Para a polícia alemã existem evidências suficientes – através de registos telefónicos – de que Brückner estava perto da Praia de Luz no momento em que Maddie desapareceu, sendo por isso apontado como o principal e único suspeito pela morte de Maddie. As recentes buscas na Barragem do Arade seguem esta mesma teoria, uma vez que falamos de um local frequentado pelo cidadão alemão.

Christian Brückner, atualmente com 45 anos, encontra-se a cumprir uma pena de sete anos de prisão, em Kiel, na Alemanha, por ter violado uma idosa norte-americana, em 2005, no Algarve. Em outubro do ano passado foi também acusado, pela justiça alemã, de outros três crimes de violação e dois de abusos sexuais de crianças em território português, alegadamente cometidos entre 2000 e 2017. Sempre negou qualquer envolvimento com o desaparecimento da menina inglesa.

Brückner, um suspeito quase perfeito

As primeiras buscas na Barragem do Arade

Marcos Aragão Correia, um advogado português, terá sido das primeiras pessoas a iniciar buscas na barragem localizada a cerca de 50km da Praia da Luz.

Alguns meses depois do desaparecimento de Maddie, segundo noticiava o Jornal Expresso, o jurista decidia avançar com uma investigação por conta própria depois de acusar a Polícia Judiciária de ignorar as suas suspeitas.

As buscas foram efetuadas em pelo menos dois períodos distintos: dezembro de 2007 e março de 2008. Na primeira, os mergulhadores terão alcançado os 17 metros de profundidade mas o trabalho terá sido terminado por falta de verba. Três meses depois eram retomados, com uma equipa com mais mergulhadores e que estaria preparada para ir até aos 20 metros, mas também sem qualquer indício de sucesso.

Atualmente, de acordo com o site oficial da Ordem dos Advogados, Marcos Aragão Correia encontra-se “inativo”.

Tudo o que foi encontrado nas buscas na barragem do Arade em 2008

Hans Christian Wolters e as teorias da polícia alemã

Foi em junho de 2020 que o mundo ficou em suspenso depois de Hans Christian Wolters, procurador de Braunschweig, na Alemanha, afirmar que tinha “muitas provas” de que Madeleine havia sido morta por Christian Brückner.

A afirmação deixava no ar a esperança de uma resolução do já longo caso mas, um ano depois, não havia registos de quaisquer avanços ou recuos. Em entrevista à SÁBADO, em outubro de 2021, Hans Christian Wolters dizia não querer “anunciar descobertas individuais de modo a não prejudicar as investigações em curso”.

Hans Christian Wolters: “Temos a certeza de que o Christian Brückner matou Madeleine McCann”

Na altura, Gonçalo Amaral Dias, antigo inspetor da PJ que coordenou o caso na altura do desaparecimento, acusava as autoridades alemãs de estarem a arranjar um bode expiatório “mal costurado” sob “depoimentos com pouca credibilidade” que se baseavam na teoria de um culpado com um perfil “sadomasoquista, torturador e abusador e assassino de crianças”. Num dos seus livros, falava em “falta de objetividade” e dizia que Maddie merecia “uma investigação objetiva e séria”.

“De acordo com a minha conduta profissional, nunca se pode falar de um suspeito de rapto sem haver evidências do próprio rapto. E até hoje ninguém conseguiu provar a presença de um raptor no apartamento de onde a menina desapareceu”, dizia à SÁBADO.

Mas as acusações parecem não ter demovido a polícia alemã até porque o procurador garantia não estar “interessado nas opiniões de um ex-inspetor português” que não “estava a par” dos resultados das investigações alemãs.

Em maio de 2022, Christian Wolters voltou a ser entrevistado pela SÁBADO e mantinha duas questões chave: Madeleine McCann foi morta por Christian Brückner e o silêncio total sobre aquilo que dizia serem “os detalhes da investigação”.

A entrevista acabou por ser citada na imprensa internacional com vários jornais a fazerem referência às certezas das autoridades alemãs e ao facto de terem sido encontradas novas provas que ligavam Maddie McCann à caravana de Bruckner. Ainda assim, a Polícia Judiciária não acreditava na tese de que o alemão seria o único culpado.

Carrinha Maddie

Os avanços e os recuos da investigação inglesa

Em Portugal, a última investigação de tamanho significativo ocorreu em 2014 quando a polícia britânica teve permissão para examinar uma zona de mato perto do local onde a criança desapareceu. Anteriormente já havia identificado 38 pessoas “de interesse” para serem ouvidas, oriundas de “uma série de países europeus” que poderiam ajudar no caso. Andy Redwood, inspetor da Scotland Yard, dava conta de que 12 seriam do Reino Unido, mas estariam em Portugal na altura dos factos.

Foram também levadas a cabo diligências nos terrenos da Praia da Luz, no Algarve, que acabaram por ser infrutíferas. À data, em colaboração com a PJ e a GNR, foram analisados cerca de 60 mil metros quadrados de terreno, incluindo condutas de eletricidade e gás, esgotos e edifícios em ruínas e utilizados cães pisteiros e georradares.

Investigação inglesa

Dois anos mais tarde a “Operação Grange” – o nome dado à investigação pelas autoridades britânicas – apresentava a teoria de que a menor teria sido raptada por uma rede de tráfico menores. Os inspetores defendiam que a menina tinha sido fotografada por traficantes europeus e posteriormente raptada, pelo que pediam um “reforço de fundos” monetários para continuar a investigação. Na altura, mantinham ainda a hipótese de Maddie estar viva.

A polícia britânica mantém, desde 2011, a investigação aberta estando a mesma a ser financiada pelo Ministério do Interior, tendo já custado cerca de 13 milhões de libras (15 milhões de euros).

As teorias de Gonçalo Amaral Dias

O ex-inspetor da Polícia Judiciária, Gonçalo Amaral Dias, tem sido um dos principais rostos deste caso. Durante três meses foi o homem que esteve encarregado da investigação ao desaparecimento da menina inglesa e, depois de ter sido afastado, foi sempre reivindicativo perante as teses das autoridades inglesas e alemãs.

Em setembro do ano passado, em declarações à Renascença acusava a Polícia Judiciária de estar a “bloquear” o caso que já deveria ter sido revisto “à séria” pelos investigadores portugueses. Recordava ainda que o atual diretor da polícia, Luís Neves, foi um dos inspetores que fez parte da investigação ao desaparecimento e que, apesar de ser uma pessoa “que não se deixa manietar” deveria “não estar muito ligado à investigação” atual.

Com dois livros escritos sobre o caso, o ex-inspetor mantinha a tese de que existiam muitas contradições entre testemunhas e chegou mesmo a afirmar publicamente que a ligação de Christian Bruckner a Maddie era “forçada” e que o mesmo não tinha “praticado nenhum crime de violação em Portugal” apesar das condenações. A SÁBADO tentou, sem sucesso, ouvir o ex-inspetor sobre estas novas buscas.

Gonçalo Amaral Dias

Continue a ler este artigo no Sábado.


Publicado

em

,

por

Etiquetas: