Sangue, guerra, dinheiro. O ser humano é o maior – e o único – beneficiador da caça furtiva. A busca interminável pelo marfim, aquele a que chamam “ouro branco”, uma preciosidade que nasce com os elefantes nos seus enormes dentes. Não são precisas minas ou buracos a céu aberto. Basta assassinar um elefante. A caça furtiva e a perda dos habitats naturais diminuíram em 90% as colónias de elefantes da floresta e 70% dos elefantes da savana. A continuar assim, deixam de existir em poucos anos.
Não é fácil assassinar um elefante da savana, um animal que, em média, chega aos três metros de altura e pesa seis toneladas – mas também não é necessário um arsenal de guerra para deitar um animal desta dimensão abaixo, e isso não é um problema para aqueles que vêem nele uma oportunidade de lucro.
Segundo um estudo publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS, sigla em inglês), que analisou 53 anos de dados, entre 1964 e 2016, perdemos em média 77% dos elefantes-africanos. E quanto ao futuro da espécie, os cientistas não estão optimistas.
Colónias de elefantes-africanos: uma análise extensa
Os elefantes-africanos são compostos por duas espécies: o elefante da savana (Loxodonta africana) e o elefante da floresta (Loxodonta cyclotis). Os elefantes da savana são maiores, podendo um macho atingir os três metros e quase seis toneladas – daí serem o maior animal terrestre do planeta. Os elefantes da floresta, por sua vez, são a menor espécie de elefantes. Raramente ultrapassam os 2,5 metros de altura e pesam, em média, 2,7 toneladas. Antigamente, existiam cinco espécies de elefantes-africanos, mas três delas já se encontram extintas.
Em 53 anos de dados, os investigadores do maior estudo de elefantes-africanos até à data identificaram um declínio em grande escala destas duas espécies. Mas a tarefa não foi fácil.
“Desde a década de 1960 que os investigadores e os governos têm vindo a contar elefantes em África utilizando técnicas de levantamento concebidas. Os métodos utilizados […] e as áreas cobertas para estimar o número de elefantes em diferentes populações mudam ao longo deste tempo, tornando complicada a compilação e comparação destes dados”, explica George Wittemeyer, professor da Universidade do Estado do Colorado e um dos autores deste estudo, numa resposta enviada ao PÚBLICO. Enquanto os levantamentos dos elefantes da savana são feitos de avião, os dos elefantes da floresta têm de ser feitos a pé, o que dificulta a recolha dos dados.
“Dependendo da área utilizada pela população e do tipo de ecossistema (por exemplo, floresta ou savana), são utilizadas abordagens diferentes para contar os elefantes, tais como a utilização de montes de estrume como indicador do número de elefantes em florestas, onde é difícil vê-los”, prossegue o investigador.
Foi através da análise das populações individuais que os cientistas conseguiram calcular as tendências populacionais ao longo do tempo, da mesma maneira que procuraram gerir as mudanças dos próprios habitats. Um outro estudo da revista Current Biology evidenciou que, devido à pressão humana, os elefantes-africanos ocupam apenas 17% do seu habitat natural. De uma área total de 29,2 milhões de quilómetros quadrados que o continente africano ocupa, 18 milhões (62%) apresentam as condições adequadas para habitat dos elefantes-africanos – uma área maior que a Rússia. Os elefantes só ocupam 17% dessa área e a culpa é da perda dos habitats face ao crescimento populacional do ser humano.
“A caça furtiva atingiu, particularmente, os elefantes das florestas e os elefantes do Norte e Leste de África, mas a perda de habitat está a afectar todos os elefantes”, comenta o investigador ao PÚBLICO.
“A esperança é a última a morrer”
O continente africano é o terceiro continente mais extenso do mundo. Com 54 países, a gestão e a preservação das espécies diferem muito. “Varia de país para país. Alguns estão realmente empenhados [em preservar os elefantes] e outros estão a ter grandes problemas com a governação geral e a conservação não é uma prioridade”, esclarece Wittemeyer. Alguns países fazem o levantamento regular destas espécies, outros não.
Na região do Sahel (Gâmbia, Senegal e Mauritânia, por exemplo), no Norte de África, severamente afectada pela guerra, as populações de elefantes foram dizimadas. Na região de África Oriental e Central (Moçambique, Etiópia e Quénia, por exemplo), registou-se um declínio acentuado devido à caça furtiva pela busca do marfim, assim como da própria população humana que, à medida que foi crescendo, foi ocupando o habitat dos elefantes.
No entanto, nem tudo está perdido. Como se costuma dizer, a esperança é a última a morrer. “Temos um crescimento das populações com exemplos de conservação bem-sucedida [em alguns países], mas o Botswana, o Zimbabwe e a Namíbia são particularmente bem-sucedidos”, acrescenta o professor. Estas zonas têm apostado na protecção das espécies e procurado uma gestão mais sustentável dos recursos sem que esta afecte as populações de elefantes-africanos.
As alterações climáticas e perda de habitat dos elefantes
A perda de habitat é um problema crónico do planeta. Nos elefantes, que têm uma esperança média de vida bastante elevada, podendo chegar aos 60-70 anos, esta perda é ainda mais preocupante. Segundo um estudo da revista Plos Sustainability and Transformation, os efeitos das alterações climáticas podem estar a matar os elefantes prematuramente.
As temperaturas elevadas e a fraca precipitação aumentam o stress dos elefantes com mais de 40 anos, reduzindo a quantidade de alimento disponível e a sua capacidade reprodutiva. A base genética das manadas é severamente atingida, assim como a capacidade de os jovens elefantes receberem orientação dos elefantes mais velhos e mais sábios, um comportamento normal para a espécie.
A seca que assolou o continente africano no ano passado, reforçada pelo fenómeno El Niño, forçou uma migração em massa de diversos animais que viram o seu alimento reduzido – cerca de 200 elefantes morreram face à escassez de água. Não só afectou os elefantes, como as populações africanas, que ponderaram assassinar elefantes para se alimentar.
No Zimbabwe, o Governo anunciou que iria abater 200 elefantes para alimentar as comunidades atingidas pela seca severa que destruiu colheitas e deixou milhares de pessoas a morrer à fome. Este abate, o primeiro autorizado desde 1988, foi muito criticado por activistas e organizações que relembram que os elefantes “são protegidos por tratados internacionais, como a Convenção das Nações Unidas sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES)”. “São património da humanidade”, comentou Farai Maguwu, do Centro de Gestão dos Recursos Naturais do Zimbabwe, citado pelo portal Voice of America.
As alterações climáticas estão a agravar a tensão entre o ser humano e os animais selvagens. Esta “guerra” promete continuar à medida que os recursos escasseiam no continente africano, levando os seres humanos a assassinar os animais ou a tentar fazê-lo. No Zimbabwe, 50 pessoas perderam a vida em ataques de elefantes.
“Febre do ouro”
Em 2017, um quilo de marfim custava 650 euros, uma descida em relação a 2014, em que o mesmo quilo chegava aos 1900 euros. De acordo com uma investigação realizada na China, a procura pelo marfim, usado em decoração, artefactos, jóias e peças religiosas, diminuiu consideravelmente, mas o mesmo não se pode dizer da caça furtiva. Na China, o Governo pôs fim ao comércio legal de marfim, levando ao encerramento de 34 fábricas licenciadas. O comércio internacional de marfim foi proibido em 1989, muitos países ainda permitem a sua venda dentro das suas fronteiras e a caça ilegal continua a dar lucro ao mercado negro.
Lucro para uns não é lucro para todos. A caça furtiva de elefantes “rouba” 25 milhões de dólares (cerca de 23 milhões de euros) por ano à economia africana. Um estudo elaborado pela World Wildlife Fund (WWF) apurou que o investimento na caça furtiva é inferior ao valor perdido em turismo de natureza, directamente relacionado com a dimensão das populações de elefantes. Segundo Robin Naidoo, investigador do estudo, “investir na conservação dos elefantes é, na verdade, uma política económica inteligente para muitos países africanos”.
Quais são os próximos passos?
“A situação tem sido terrível, particularmente nas primeiras décadas e na última década do período de estudo. No entanto, temos um grande número de populações que se mantiveram estáveis ou que aumentaram durante este período de grandes declínios”, aprofunda Wittemeyer. “Muitas das populações perdidas não voltarão a existir e muitas populações de baixa densidade enfrentam pressões contínuas, e é provável que venhamos a perder mais populações no futuro”, lamenta o investigador ao PÚBLICO.
O próximo passo é sensibilizar e apostar na preservação desta espécie. “Assim, temos uma forte protecção para um número substancial de elefantes e um roteiro para uma conservação bem-sucedida dos elefantes”, acrescenta o professor. “Temos de continuar a monitorizar os elefantes para identificar os êxitos e travar as perdas o mais rapidamente possível.”
Texto editado por Andrea Cunha Freitas