Estranhamente, para mim, continua a haver um monte de gente com uma fé inabalável no combate para a gestão do fogo, apesar de em contextos urbanos, em Portugal, haver fortíssima regulamentação para a prevenção de fogos.
Comecemos por este boneco:
O boneco não é dos melhores para o que pretendo, mas serve para explicar aos incautos que há limites de extinção dos fogos e que é muito fácil a um fogo estar a lavrar gerando tanta energia que não há meios de extinção capazes de o parar, e que esses limites são rapidamente atingidos num fogo que está a desenvolver-se num contexto meteorológico favorável ao fogo, com combustível disponível.
Basta que haja combustível disponível (o que significa, seco) e os ventos sejam fortes (e secos) e o fogo desenvolve-se para lá da capacidade de extinção e, frequentemente, provocando uma chuva de faúlhas à sua frente, tornando o combate um mero sistema de mitigação de efeitos, muito limitado e eficaz em circunstâncias particulares pontuais.
Ou seja, assentar um sistema de gestão de risco que assenta num instrumento que não funciona nas condições em que é mais preciso, a mim parece-me bastante estúpido (havia um manda-chuva dos bombeiros que dizia que o sistema de protecção funcionava optimamente em 98% das ignições, omitindo, naturalmente, que os 2% de ignições em que o sistema não funciona, são responsáveis por mais de 90% da área ardida e dos efeitos negativos dos fogos).
Passemos agora a outros dois bonecos:
Os dois bonecos refectem a realidade de que o crescimento dos meios de combate não se traduz em diminuições relevantes da área ardida, traduz-se na diminuição do número de fogos, isto é, menos fogos que são maiores, mais perigosos e mais intensos.
O estranho, bem visível num dos bonecos, é que a alteração do padrão de fogo, de mais fogos, mais contidos e menos intensos, para menos fogos, menos controláveis, maiores, mais intensos e nmais destrutivos, resulta da acumulação de combustível (combinada com condições meteorológicos extremas em curtos períodos).
Ora essa acumulação é, frequentemente, favorecida por políticas públicas obcecadas pela supressão do fogo, sejam medidas regulamentares, seja o reforço de meios de combate e o que se vê num dos bonecos é exactamente que após o resultado dessas políticas (um ano especialmente mau de fogos) é o investimento no reforço dos meios de combate nos anos seguintes (e poderia usar aqui o boneco clássico que relaciona a produção legislativa com a área ardida em cada ano, que vai no mesmo sentido) e outras coisas igualmente absurdas, que parcialmente, contribuem para o que cenário futuro seja ainda pior.
Ou melhor, o que é absurdo é que apesar da evidência de que gerir fogos é gerir contexto (o que é a política corrente nos fogos urbanos, pacificamente), continuemos placidamente a ignorar que o contexto dos fogos florestais está a piorar (não, não é por causa das alterações climáticas, cujo efeito não sabemos qual vai ser nos fogos porque se é verdade que pode haver um futuro com mais dias favoráveis ao fogo, também é verdade que esse futuro pode diminuir a produtividade primária, diminuindo a acumulação de combustível) e a executar políticas públicas que ignoram o contexto económico e social que favorece a acumulação de combustível, isto é, que piora o contexto.
Vir falar de combate quando estão a ocorrer fogos extremos, dizendo que o que é preciso é reforçar os meios de combate e a sua eficiência, é mesmo um disparate e um disparate monumental.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.