Publicado em: 20 de Fevereiro, 2025
A comunidade portuguesa em França é uma das mais expressivas da diáspora lusa, contando com centenas de milhares de cidadãos que, ao longo das décadas, construíram as suas vidas no país. No entanto, a distância de Portugal nem sempre significa um afastamento dos direitos e deveres no âmbito da Segurança Social, sendo essencial a existência de um suporte institucional que auxilie os emigrantes portugueses nas suas questões previdenciárias e sociais.
No Consulado-Geral de Portugal em Paris, este trabalho é desempenhado pelo Adido de Segurança Social, uma função importante para garantir que os portugueses em França tenham acesso à informação e ao apoio necessário no que respeita a pensões, prestações sociais e direitos adquiridos tanto em Portugal como no sistema francês.
Para compreender melhor este trabalho, conversamos com Pedro Vasco de Andrade da Silva Pacheco, Adido de Segurança Social de Portugal em França, que partilha a sua experiência, os desafios da função, as problemáticas mais comuns enfrentadas pela comunidade portuguesa residente e a importância de um acompanhamento próximo para assegurar os direitos dos cidadãos portugueses no estrangeiro.
Pedro Pacheco está nestas funções em França desde abril de 2022, numa comissão de serviço de três anos. Tem 49 anos de idade, é natural de Lisboa e desloca-se regularmente a outras regiões de França para realizar sessões e ações de informação sobre a Segurança Social.
Qual o papel de um Adido para a Segurança Social em Paris, França?
É o representante da Segurança Social portuguesa (ISS, I.P.) na França, pelo que, desde logo, facilita a ligação dos portugueses residentes em França, com a Segurança Social portuguesa, através do atendimento especializado (presencial e à distância) e da realização de sessões de esclarecimentos, informando-os de forma simplificada sobre os seus direitos, deveres e procedimentos de acesso a pensões e prestações sociais. Numa perspetiva mais estratégica, atua como interlocutor entre o ISS, I.P. e as congéneres francesas de Segurança Social, procurando aumentar a rede de contactos nesses serviços, para potenciar o desbloqueio e o tratamento massivo de processos, em coordenação com a Rede Diplomática/Consular.
Qual o seu campo de atuação? Apenas Paris?
Não, é toda a França, embora tenha sido colocado em Paris, devido à dimensão da comunidade portuguesa residentes na jurisdição do Consulado-Geral de Portugal (talvez a maior do mundo). Mas os pedidos oriundos de Portugal e de outros países (Brasil, EUA, Canadá, etc.), têm vindo a aumentar, associados à dificuldade de acesso dos nossos beneficiários às caixas francesas.
Quais as principais dúvidas da comunidade portuguesa emigrada em França, na perspetiva da Segurança Social?
Desde o início do projeto dos Adidos (março de 2020), a matéria do direito às pensões entre Portugal e França, bem como das carreiras contributivas (descontos) registados e necessários para acesso a pensões e prestações sociais, continuam a ser as que suscitam mais procura.
Que oportunidades existem para Portugal em torno da diáspora lusa espalhada pelo mundo do ponto de vista da Segurança Social?
Atendendo que estamos a falar de milhões de beneficiários que pagaram contribuições para a Segurança Social antes de emigrarem, desde logo contribuíram para o desenvolvimento do sistema ao nível financeiro. No entanto, a sustentabilidade e adaptação desse sistema, aos progressivos desafios que a sociedade enfrenta – nomeadamente, aumento do envelhecimento e da mobilidade laboral -, implicam uma avaliação do contexto internacional e atualização constantes. Na conjuntura atual, em que a emigração volta a ser muito relevante, embora cada vez mais associada ao desenvolvimento de carreiras internacionais, importa facilitar o acesso às informações que permitam aos beneficiários conhecer os seus direitos e deveres de segurança social, ao abrigo dos instrumentos internacionais desenvolvidos para esse efeito.
No dia a dia, que ações costuma executar?
Atendendo que os pedidos recebidos provém de diversas fontes (Beneficiários em França e Portugal; Serviços da Segurança Social de Portugal – CNP, Centros Distritais, etc. – e de França – CNAV, CRAMIF, etc.-; Associações e Assistentes Sociais em Portugal e França; Hospitais em França, etc.), importa analisar, pesquisar e registar os mesmos nos sistemas de informação; contactar os beneficiários e/ou os serviços Portugal/França para dar resposta; agendar e realizar o atendimento presencial; e acompanhar e registar as respostas dos processos. Tento reservar uma hora por dia para estudar questões em Portugal ou França que poderão ter impacto em diversos casos, ou que podem contribuir para a informação ou resolução massiva, já que o atendimento ajuda um beneficiário, mas potencialmente existem centenas de milhares de beneficiários em França.
Que resultados pode apontar?
Da minha avaliação ao longo destes quase três anos de atividade, verifico que, por um lado, o contacto com os serviços em França está mais facilitado, não só devido ao esforço contínuo em melhorar o meu relacionamento com os seus interlocutores, mas também ao apoio e patrocínio do Ministério dos Negócios Estrangeiros/rede diplomática, em particular do Senhor Embaixador de Portugal em Paris, sendo que o mesmo é fundamental para concretizar as funções e dar melhor cumprimento ao relacionamento com entidades congéneres; e, por outro, existe uma divulgação muito maior do serviço do Adido, embora ainda sem alcançar toda a comunidade.
Que experiências são mais marcantes?
São várias…negativas, quando me apercebo de que, por falta de informação ou pela sua não procura junto dos interlocutores certos, algumas pessoas terão sido prejudicadas (por ex.: quando não pediram a pensão portuguesa, porque algum conhecido lhes disse que “não teriam direito”), ou não pediram um formulário na segurança social antes de saírem de Portugal. Positivas, sempre que é visível que os processos que estavam bloqueados em Portugal ou em França, conseguem ter uma decisão, e quando um beneficiário mostra que ficou esclarecido. Nestes casos, os agradecimentos recebidos conferem forças acrescidas para fazer face ao desafio de dar resposta à grande quantidade de pedidos que são remetidos regularmente.
Quais os principais desafios encontrados pela comunidade portuguesa em França, mais concretamente em Paris?
Não me centraria na região de Paris, da ILE-DE-FRANCE e da jurisdição do Consulado-Geral, uma vez que este trabalho é desenvolvido para toda a comunidade em França (embora também receba muitos pedidos com origem em Portugal ou mesmo noutros países). Assim, do que me tem sido transmitido pelos próprios, e quanto ao domínio da Segurança Social, parece-me que se mantém um desconhecimento generalizado das regras da União Europeia que, por exemplo, permitem a um beneficiário que trabalhou em Portugal, de utilizar os períodos de descontos nesse país, para aceder a uma pensão em França (e vice-versa); ou a um pensionista de um país, “transportar” direitos ao nível da cobertura de saúde para outro país, bem como a possibilidade de exportação de direitos a prestações sociais (caso do subsídio de desemprego) entre países.
Em que consistem as sessões de esclarecimento sobre temas da Segurança Social portuguesa realizadas no país?
Ao longo do tempo, tenho testado modelos diferentes de sessões de esclarecimentos, e atualmente, com o apoio do Consulado-Geral, tenho apostado mais em encontros presenciais numa versão aberta ao público (sem inscrição), centrada num tema específico que tem muita procura (por ex.: Os meus descontos e a reforma em Portugal) e em ouvir as perguntas do público, o que me parece facilitar a sua compreensão. Noutros casos, as sessões são de teor mais informativo e generalizado (como para os funcionários consulares, que acabam por alargar o alcance da divulgação para outras regiões e públicos, e dos professores do Camões em França, para além de também serem beneficiários). Também posso criar sessões “à medida”, particularmente para Associações que podem ter públicos mais interessados noutras matérias.
Em termos de reformas, o que a comunidade portuguesa residente em França deve ter em conta? É possível viver no estrangeiro e continuar a descontar para a Segurança Social em Portugal com vistas à reforma? Se sim, o que orienta?
Para além do já referido, tenho verificado que muitos beneficiários acham que o acesso à reforma para quem trabalhou em Portugal e França, é complicado, mas não a prepararam atempadamente (por ex.: raramente verificaram os descontos registados antes de a pedir). Simplificando: Se tem 55 ou mais anos, está na altura de conhecer os seus direitos sobre a Reforma (pensão de velhice) portuguesa, e preparar a mesma sem surpresas. Para isso, deve: 1.º: Procurar informação sobre a Idade e as regras legais da Reforma (junto do Adido e nos sites dos Consulados e da Segurança Social portuguesa e francesa); 2.º: Possuir um Documento de identificação válido (Cartão do Cidadão/BI); 3.º: Conhecer os Números de Segurança Social (de Portugal e de França); 4.º: Pedir e Verificar a Carreira Contributiva Antecipadamente (Portugal e França); 5.º: Atualizar a Morada e contactos (na Segurança Social portuguesa e francesa); 6.º: (quando chegar à idade certa) Apresentar o pedido na Caixa de Pensões do País de Residência (em França, em regra na CNAV ou CARSAT da sua área de residência – mas existem outras Caixas consoante a profissão – e deverá também apresentar um pedido na sua Caixa Complementar: https://www.info-retraite.fr/portail-info/sites/PortailInformationnel/home/qui-sommes-nous/les-membres-de-lunion-retraite.html); em Portugal, apresente o pedido (de Portugal e/ou de França) no Instituto da Segurança Social ou na CGA, consoante o seu caso; 7.º: Registar a Conta Bancária na SS portuguesa (na Segurança Social Direta ou junto do Adido); 8.º: Registar-se na Segurança Social Direta (https://app.seg-social.pt/ptss/gus/aderir).
Que agenda existe para este ano em termos de ação?
Em 2025, está prevista a realização, em Paris, das Jornadas Internacionais de Pensões entre Portugal e França em data ainda por confirmar, onde serão efetuados atendimentos presenciais pelos serviços de pensões em França (CNAV e outros) e de Portugal (CNP). Foi proposta a criação de folhetos à CNAV, contendo exemplos específicos para os beneficiários portugueses (segunda maior população de pensionistas estrangeiros de França a residir fora de França), para simplificar a compreensão dos direitos/deveres/procedimentos de preparação para acesso às pensões. Para além das Sessões de Esclarecimento já realizadas (no Consulado-Geral de Portugal em Paris e no Santuário de Nossa Senhora de Fátima em Paris), das sessões de formação para os professores do Camões, e das habituais reuniões com congéneres (CNAV, CLEISS, France Travail, etc.), serão preparadas ações de divulgação e informação junto de Associações portuguesas, noutras regiões de França, em articulação com os Consulados dessas jurisdições. Está ainda em análise a possibilidade de o Adido efetuar vídeo atendimentos e deslocações específicas no âmbito das Permanências Consulares.
Portugueses emigrados em França têm direito à assistência médica nos dois países?
Sim, podem ter assistência médica nos dois países. No caso de uma estada temporária, através do Cartão Europeu de Seguro de Doença (CESD), e de residência por exercício do direito de opção ao Sistema Nacional de Saúde (SNS). Note-se que um beneficiário português que emigrou para França, e adquiriu direito à cobertura de saúde nesse país, antes de ir a Portugal de férias, deve pedir a CEAM à Segurança Social de França, porque está a descontar para esse país. Já o acesso à cobertura de saúde em França, para residentes nesse país, depende do cumprimento das regras francesas existentes (por ex.: estar a descontar para a Segurança Social francesa).
Existem acordos firmados com o governo francês no campo da Segurança Social de ambos os países? Se sim, em que consistem?
Atendendo que tanto Portugal como a França são Estados-Membros da União Europeia, são-lhes aplicados os regulamentos de Coordenação internacional no âmbito da UE, a saber, o Regulamento (CE) nº 883/2004 de 29 de abril de 2004 relativos à coordenação dos sistemas de Segurança Social e o Regulamento (CE) nº 987/2009 de 16 de setembro.
Tem mantido contacto com os portugueses que desejam voltar a viver em Portugal? Se sim, qual o perfil? Como podem ajudar?
Nalguns casos, sou contactado por cidadãos portugueses que procuram informações sobre o Programa Regressar, sendo que, embora não intervindo diretamente, apoio a sua divulgação em França (segundo país com mais candidaturas, quase 20% do total) e reencaminho-os para a equipa desse Programa. Ao nível do perfil dos potenciais candidatos, é muito variado, mas ultimamente os contatos recebidos são relativos a jovens, filhos de emigrantes de segunda geração, e que procuram mudar-se para Portugal para poderem ter melhor qualidade de vida.
Na sua opinião, o Programa Regressar tem contribuído para este movimento ou tem auxiliado na tomada de decisão desse público?
Julgo que tem contribuído e fortalecido a decisão, e após a última deslocação da equipa do Programa Regressar a França (2023), verificou-se algum crescimento nas candidaturas. Estamos a trabalhar com o Consulado para trazer novamente essa equipa para o terreno em França.
Em que estão centradas as suas conversações com as autoridades portuguesas em Lisboa?
Vou regularmente à sede do ISS, I.P., para participar em reuniões e discutir propostas de melhoria da minha atuação com as áreas internacional, das contribuições, das prestações e das pensões, tanto ao nível central como distrital. Ultimamente, temos falado muito sobre a matéria das trocas de dados entre os dois países, e de que forma esse mecanismo pode facilitar o trabalho dos serviços e acelerar as respostas aos beneficiários. Por trás desta figura do Adido, há um elevado número de funcionários nesses serviços, que contribui decisivamente para darmos uma resposta aos nossos beneficiários residentes em França e nos outros países.
Quais os desafios na realização das suas funções?
Especificamente quanto à França, os maiores desafios são: Quanto à comunidade portuguesa residente, a sua dimensão (provavelmente, superior a um milhão de cidadãos), e do correspondente número de pedidos (cerca de 27% do total dos recebidos nos seis países onde foram colocados estes Adidos), em grande medida apresentados por pessoas já na idade da reforma ou acima da mesma, sem grandes conhecimentos de TI, e que necessitam de apoio não só no acesso às pensões, mas também após esse acesso (para alterar dados, compreender e responder a notificações, cumprir as regras legais, etc.). Quanto à França, também a dimensão geográfica, e, quanto à estrutura administrativa da SS em França, o elevado número de serviços (sem informação oficial, mas que será superior a 350) e de Regimes Complementares (>40), que dificultam a identificação de quais os serviços mais relevantes para se obterem interlocutores (atualmente, em nove serviços, em 2020, eram dois) para apoiar no cumprimento desta missão.
Quais as suas maiores preocupações nestas funções, enquanto profissional?
Procuro ter uma postura pedagógica no contacto com os beneficiários – que, devido a estarem integrados no sistema francês, apresentam dificuldades de compreensão do sistema português – e na gestão de expetativas dos mesmos. Tenho também procurado ir mais ao encontro dos mesmos, estando presente nalguns eventos associativos e estabelecimentos comerciais portugueses, onde faço a divulgação da atividade para os que não estão registados nem costumam frequentar os Consulados e Associações portuguesas locais.
Qual a relação da Segurança Social portuguesa em França com a diplomacia lusa local?
As relações institucionais, tanto com a Embaixada, como com o Consulado em Paris e com outros postos têm vindo a melhorar progressivamente, sendo já muito comum o reencaminhamento de questões por parte destes para o Adido e vice-versa, num espírito de equipa e de missão.
O cidadão português que tiver dúvidas ou necessitar de orientações e ajuda da Segurança Social onde pode recorrer aos vossos serviços em Paris?
Estou colocado no Consulado-Geral de Portugal em Paris, embora procure organizar-me com os outros postos Consulares em França e deslocar-me para realizar ações com os mesmos e com associações (publicitadas por essas entidades), com a regularidade possível. Os meus contactos estão disponíveis em: https://www.seg-social.pt/servicos-de-atendimento (Internacional) e https://paris.consuladoportugal.mne.gov.pt/pt/assuntos-consulares/seguranca-social. Posso ser contactado presencialmente nesse Consulado ou através do e-mail adido-ss-franca@seg-social.pt, ou ainda entrando em contacto com quaisquer dos postos consulares existentes em França (https://portaldascomunidades.mne.gov.pt/pt/rede-consular/europa/franca ou https://paris.embaixadaportugal.mne.gov.pt/pt/assuntos-consulares/informacao-geral).
Como avalia a vida em França?
De um modo geral, verifico que a França continua a ser um país muito atrativo para a emigração estrangeira – devido à sua prosperidade e multiculturalidade -, mas talvez já não tanto para a nova emigração portuguesa, ao contrário do que aconteceu nas décadas de 1950, 60 e 70. Os sistemas de Segurança Social e de Saúde estão profundamente interligados, o que permite uma cobertura muito elevada, para além da elevada descentralização dos serviços por todo o país. Os desafios futuros são enormes, uma vez que a sustentabilidade do sistema está sempre a ser reavaliada. O povo francês é conhecido por ser muito destemido na luta pelos seus direitos, e sem dúvida esse espírito é responsável pelo desenvolvimento da França enquanto Nação.
O que a França significa para si?
Trata-se de um país fundamental para a construção e desenvolvimento da União Europeia, e também ao nível do despoletar do conceito de “Estado Social”, pelo que exercer estas funções aqui, é simultaneamente muito desafiante e enriquecedor no dia a dia. Por outro lado, há uma vertente muito pessoal, que me aproxima em particular de Paris: foi a primeira cidade estrangeira que visitei ao emigrar para Macau, e foi por essa mesma cidade que fiz a minha paragem ao regressar a Portugal depois de dez anos nesse antigo território português.
Por fim, quem é Pedro Pacheco?
Divorciado, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na menção de Direito Financeiro e Fiscal, diversos cursos de formação, com mais de 30 anos de experiência profissional na Função Pública portuguesa (autárquica, em Macau, e na Administração indireta do Estado, entre o INA, I.P. – 10 anos – e o ISS, I.P.). Já exerceu cargos dirigentes e equiparados, sendo que está na Segurança Social há mais de 16 anos, 13 deles na área das Prestações Sociais, nos serviços Centrais, Departamento de Prestações e Contribuições, tendo ainda trabalhado na área da Ação Social, no Departamento de Desenvolvimento Social.
Ígor Lopes
O artigo foi publicado originalmente em Gazeta Rural.