Câmara Municipal de Mértola posiciona-se sobre o Campo de Tiro de Alcochete

Face às recentes notícias sobre a possível deslocação do Campo de Tiro de Alcochete para o concelho de Mértola, a Câmara Municipal de Mértola informa que, após várias diligências junto do Governo, recebeu finalmente uma comunicação oficial do Gabinete do Ministro da Defesa. Neste esclarecimento, datado de 18 de fevereiro, é indicado que não existe, até ao momento, qualquer decisão tomada relativamente à localização de um futuro Campo de Tiro e que, na fase de consolidação dessa decisão, as autarquias abrangidas serão contactadas.

Desde o primeiro momento, este município tem adotado uma postura proativa, procurando obter esclarecimentos e garantir que a população e o território de Mértola não sejam ignorados neste processo. Para esse efeito, foram enviadas várias missivas a solicitar audiências:

  • A 5 de junho de 2024, ao Ministro das Infraestruturas e Habitação, Dr. Miguel Pinto Luz, e ao Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, General Piloto Aviador João Cartaxo Alves;
  • A 13 de novembro de 2024, ao Ministro da Defesa Nacional, Dr. Nuno Melo;
  • A 13 de fevereiro de 2025, reforçando a solicitação anterior ao Ministro da Defesa.

Perante a resposta oficial agora recebida, a Câmara Municipal de Mértola reafirma que não foi envolvida em qualquer discussão ou tomada de decisão sobre esta matéria e que desconhece os detalhes desta eventual mudança. Reforça-se que as restantes entidades no território, nomeadamente a Câmara Municipal de Serpa, também não foram contactadas em relação a este assunto.

A transferência das instalações militares em questão – um campo de tiro de instrução e treino que alberga a Base Aérea n.º 6, sede da frota de aviões de transporte C130 e outras aeronaves – implicaria impactos diretos e indiretos irreversíveis no desenvolvimento ambiental, ecológico, cultural e social da região. Um projeto militar experimental desta magnitude, cuja informação pública é ambígua e resulta num desconhecimento sobre os seus reais impactos, deverá causar efeitos profundos em estruturas ambientais de elevado valor e classificação no âmbito da Rede Natura 2000: sítio Guadiana ZPE Vale do Guadiana, ZPE Castro Verde, Parque Natural do Vale do Guadiana e ainda, área da Reserva da Biosfera de Castro Verde. Neste território estamos num dos principais ecossistemas de biodiversidade do País e da Península Ibérica, reconhecido pela sua grande riqueza ecológica e forte papel na preservação de espécies ameaçadas, como o lince-ibérico e espécies de avifauna como o abutre-preto, a cegonha-preta, abetarda, Peneireiro-das-torres, águia imperial ibérica, entre outras… 

Adicionalmente, a instalação de uma base militar poderá resultar na poluição dos solos, devido ao uso de combustíveis e materiais contaminantes – como o chumbo, o cobre e o zinco – associados às atividades militares, como os resíduos de munições e o desmonte de equipamentos, o que comprometeria a qualidade do solo e a saúde dos ecossistemas circundantes. A poluição das águas também é uma preocupação grave, uma vez que o escoamento de substâncias tóxicas ou de resíduos para os cursos de água poderia afetar os sistemas hídricos locais.

Outro impacto significativo seria a poluição sonora e luminosa, que afetaria negativamente a biodiversidade, a qualidade de vida dos residentes e a certificação “Dark Sky Alqueva”, primeiro destino starlight do Mundo que integra, além de outros, os territórios de Mértola e Serpa.

O ruído proveniente das operações militares poderia interferir nas rotinas de nidificação, alimentação e migração de aves e outras espécies, causando stress e deslocamento das populações para áreas menos adequadas à sua sobrevivência, assim como causaria distúrbios à produção pecuária com prejuízos previsíveis na sua produtividade.

Na área de influência localiza-se ainda o Centro de Estudo da Erosão Vale Formoso, com a sua relevância para a investigação e sensibilização ambiental, especialmente no que diz respeito à erosão do solo e à regeneração dos ecossistemas degradados. A deslocalização do Campo de Tiro e os impactos ambientais são contraditórios à atuação do Centro e aos objetivos de capacitação e investigação científica que lhe estão associados.

Por outro lado, está em curso o processo de criação do primeiro Geoparque Transfronteiriço do Vale do Guadiana e Província de Huelva num processo que tem já projetos financiados no âmbito do POCTEP e a perspetiva de criação de um AECT (Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial) com a participação da Diputación de Huelva, 32 Ayuntamientos e os Municípios Portugueses de Mértola, Serpa, Moura e Barrancos. Um processo desta natureza inviabiliza um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido há anos, no sentido de desenvolver uma oferta turística nestes territórios que se pauta pelos princípios da sustentabilidade ambiental, económica e social. Exemplo disso também, é o processo de certificação em curso de Mértola como destino Turístico Sustentável Biosphere.

Dito isto, importa deixar clara a posição deste município, consertada com a Câmara Municipal de Serpa e com a Associação de Defesa do Património de Mértola. Caso esta infraestrutura mantenha o uso que atualmente tem em Alcochete, somos frontalmente contra essa possibilidade. O território em causa é de elevado valor ambiental e patrimonial, e qualquer decisão que impacte a qualidade de vida da população e os seus valores culturais e naturais, deve ser amplamente debatida com as entidades locais e com os cidadãos. Acredita-se no alto impacto negativo de tal projeto para diferentes setores da economia local como a agricultura, a cinegética, o turismo, a agropecuária e para toda a marca de sustentabilidade que tem vindo a ser trabalhada como fator diferenciador.

Continuaremos atentos e exigimos ser parte integrante deste processo desde o seu início, assegurando que os interesses do concelho e da sua população sejam devidamente salvaguardados.

O artigo foi publicado originalmente em Gazeta Rural.


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