Na floresta amazónica brasileira, um jovem manatim resgatado é o símbolo de uma missão urgente: salvar a espécie da extinção, envolver as comunidades locais e ensinar às novas gerações a importância da conservação.
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O peixe-boi da Amazónia, ou manatim, maior mamífero de água doce da região, está em perigo. Cientistas e comunidades locais juntam-se nos esforços de conservação na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Brasil.
Classificado como “vulnerável” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), tem vindo a desaparecer ao longo dos séculos, vítima da caça intensiva – primeiro pelas suas peles, outrora exportadas para a Europa e América Central, e mais recentemente pela sua carne, ainda hoje vendida ilegalmente.
Apesar da proibição da caça de animais selvagens no Brasil desde 1967 – com exceção das comunidades indígenas e casos de fome – a ameaça persiste. A caça de subsistência não é a principal preocupação, mas alguns pescadores continuam a vender carne de peixe-boi em cidades próximas.
Além disso, os efeitos das alterações climáticas agravam a situação. Em 2023, dezenas de golfinhos morreram perto de Mamirauá devido à subida extrema da temperatura da água durante uma seca histórica. Os manatins conseguiram evitar essa mortalidade em massa graças à sua tendência para procurar poças profundas durante a estação seca, mas a redução dos níveis de água torna-os cada vez mais vulneráveis a caçadores.
Bacuri: uma história de sobrevivência
No coração da Floresta Nacional de Caxiuanã, protegida pelo governo federal brasileiro, vive Bacuri. Este jovem manatim da Amazónia foi encontrado órfão e subnutrido — pesava apenas 10 quilos, uma fração dos mais de 400 quilos que um adulto pode atingir.
Recebeu o nome da comunidade que o resgatou e foi acolhido no centro de investigação do Museu Paraense Emílio Goeldi, onde iniciou um processo longo e delicado de reabilitação.
Dois anos e milhares de biberões depois, Bacuri pesa agora cerca de 60 quilos. Está mais próximo de regressar ao seu habitat natural, num processo cuidadosamente planeado por três instituições.
“Estes filhotes são órfãos. A mãe foi provavelmente caçada e as crias ficam extremamente vulneráveis sem ela. Por isso, precisam de ser resgatadas e integradas num programa de reabilitação”, explicou à AP Renata Emin, presidente da Bicho d’Água.
Educar para conservar
Para proteger o manatim da Amazónia, os cientistas sabem que não basta tratar dos animais resgatados. É fundamental envolver as comunidades locais e, sobretudo, as crianças.
Em Caxiuanã, barcos transportam grupos de crianças numa viagem especial até ao centro de investigação onde vive Bacuri. Muitas deixaram as suas comunidades há horas para viver este encontro.
Durante a visita, aprendem que a fêmea do peixe-boi está grávida durante cerca de um ano e amamenta a cria durante mais dois, com mamilos localizados atrás das barbatanas dianteiras — o equivalente às axilas. Este longo ciclo reprodutivo é uma das razões pelas quais a população demora tanto tempo a recuperar.
“Acredito que este contacto, este olhar mais atento, nos aproxima muito mais do que podemos imaginar. É um momento muito favorável para iniciarmos diálogos sobre conservação. Não há melhor forma do que com as crianças, porque elas serão multiplicadoras junto das suas famílias”, disse Tatyanna Mariúcha, coordenadora científica da base.
As famílias locais, que vivem em pequenos aglomerados de casas de madeira sobre estacas, vivem da pesca, do cultivo da mandioca e da apanha do açaí.
Quando Bacuri estiver pronto para ser libertado — após concluir a transição para uma dieta exclusivamente vegetal — será colocado num recinto fluvial e, mais tarde, libertado na natureza. O local será escolhido com base nas informações das populações locais sobre os percursos e zonas de alimentação dos manatins selvagens.
Se tudo correr como previsto, Bacuri será o primeiro a ser devolvido à natureza na região de Caxiuanã.
A libertação de Bacuri não é garantida. Duas crias resgatadas anteriormente na região morreram em cativeiro, um desfecho infelizmente comum. Ainda assim, o trabalho continua. Cerca de 60 peixes-boi estão atualmente a ser cuidados no estado do Pará.
“O único predador do peixe-boi é o ser humano. Por isso, precisamos que a comunidade abrace esta causa juntamente connosco e ajude a cuidar deste novo indivíduo que estará ali, no seu meio ambiente”, disse Renata Emin.