Os peritos nomeados pelo Governo para clarificar as dúvidas sobre a cobrança de IMI nas barragens (e outros centros renováveis) consideram que todas as construções e equipamento que constituem em conjunto o centro eletroprodutor são bens de domínio privado e devem ser avaliados para efeitos de pagamento de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
Ainda que esta conclusão pareça dar força aos argumentos dos municípios no braço-de-ferro com a Autoridade Tributária sobre a guerra das avaliações, o facto de o grupo de trabalho propor alterações à lei e adicionar um artigo específico para o tratamento fiscal das centrais renováveis enfraquece aqueles que defendem que a atual legislação já permitia cobrar IMI sobre todos os elementos das barragens e o processo em curso para a sua liquidação.
Dos 32 milhões de IMI das barragens já liquidados foram pagos menos de um milhão de euros
Daí que o Movimento Terras de Miranda, que lançou a discussão com a exigência de pagamento de impostos por parte das barragens vendidas pela EDP à Movhera em 2020 (não apenas IMI, mas também IMT e imposto de selo sobre a transação), alerte para o risco de “apagão fiscal” a favor da EDP e das outras concessionárias. Isto porque a conclusão e a recomendação parece partir do pressuposto que, pelo atual quadro jurídico, os equipamentos não devem ser incluídos nas avaliações das barragens. Esta leitura contraria o despacho do anterior secretário de Estado e as avaliações feitas com base nas orientações dadas por Nuno Félix para incluir os equipamentos produtivos nas avaliações, podendo assim ser consideradas ilegais e levar à anulação do respetivo IMI.
O fisco começou por avaliar apenas as construções edificadas, como os paredões das barragens, o que resultou em avaliações mais baixas que estavam a ser contestadas pelas autarquias.
Barragens. Revoltadas com o Fisco, autarquias (até do PS) reclamam do valor proposto para cobrar IMI
Do outro lado da barricada, manifesta-se a preocupação com as conclusões do relatório que são vistas “como um retrocesso para o setor e uma penalização injustificada aos produtores de energia renovável”. Em comunicado, a APREN (Associação Portuguesa de Empresas Renováveis) alerta para a mesma consequência que é referida pelo Movimento das Terras de Miranda, mas pelas razões contrárias. E apela a que “qualquer eventual alteração ao enquadramento fiscal em sede de IMI que se venha a verificar deve respeitar os princípios da legalidade, da confiança e da segurança jurídica, produzindo efeitos apenas a partir da entrada em vigor da respetiva lei e nunca com efeitos retroativos”.
O relatório entregue a 29 de abril ao Governo e divulgado pelo Expresso, e a que o Observador teve acesso, conclui que os centros de produção de energia renovável devem ser considerados para efeitos de avaliação de IMI como “prédios no conjunto interligado de construção e edificações incorporadas ou assentes no solo com carácter de permanência, pertencentes a uma pessoa singular ou coletiva, e que tenham como destino normal a produção de energia elétrica”.
Ou seja, ainda que os equipamentos individuais como as torres dos parques eólicos não devam ser tributados a título individual, é “no parque eólico que se encontra a manifestação da capacidade contributiva que revela a existência de valor económico próprio, motivo pelo qual é este, e não cada uma das suas torres eólicas, que deve ser objeto de tributação”.
No que toca às barragens, o relatório contraria de forma expressa o entendimento passado do fisco sobre a cobrança de IMI que tinha como base um parecer da Agência Portuguesa do Ambiente de que estavam em causa bens de domínio público que seriam por isso isentos. Esta orientação só mudou após um despacho de 2023 do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a dar orientações à Autoridade Tributária para cobrar o IMI, num processo conduzido de forma sinuosa e demorada por parte do fisco.
Os peritos defendem que a exclusão dos bens de domínio público da avaliação do valor tributário para cálculo do imposto “não invalida a avaliação e tributação dos centros eletroprodutores caso os poderes de utilização privativa dos bens de domínio público sejam transferidos para particulares durante um determinado período de tempo, a troco de um valor pecuniário ou outra contrapartida, seja através de licenças, seja através de contratos de concessão pelos quais o Estado transfere para um particular o poder de utilizar ou explorar um bem de domínio público”.
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O sujeito passivo é a entidade que detém esse direito de exploração, o que implica que as centrais elétricas – hidrolétricas, eólicas ou fotovoltaicas — sejam inscritas na matriz predial e avaliadas para determinar o valor patrimonial tributário (sobre o qual incide o IMI).
No entanto, o grupo de trabalho nomeado pelo ministro das Finanças considera recomendável introduzir alterações ao código do imposto municipal sobre imóveis. Uma dessas alterações tem a ver com a atualização dos proprietários e beneficiários desses direitos de exploração dos bens de domínio público de forma a abranger expressamente os proprietários e os concessionários.
Outra alteração substancial, neste caso sob a forma de aditamento, tem a ver com o critério para determinar o valor tributário, uma vez que o grupo de trabalho considera que a fórmula aprovada em 2016 quando Mário Centeno era ministro das Finanças para prédios urbanos “não permite satisfatoriamente o apuramento do seu valor patrimonial tributário”. Como aliás é comprovado pela “profusão de elementos divergentes” sobre o que deve constar da avaliação.
E propõe um novo artigo dedicado ao valor patrimonial das centrais de energias renováveis a determinar que elementos devem constar do apuramento do valor tributário em barragens — estrutura de retenção (paredão), fundação e construções conexas, bem como os órgão de segurança e exploração (comportas e turbinas). Nas eólicas devem ser consideradas as subestações e estruturas de suporte do sistema conversor, bem como a fundação e edifício da torre e o conjunto que inclui pás, rotor e cabine. A avaliação de parques fotovoltaicos deve incluir a estrutura de suporte dos painéis ou coletores solares, incluindo fundações, pilares e mesa.
O relatório foi assinado pelos membros do grupo de trabalho presidido pela juíza conselheira Dulce Neto, tendo havido um voto vencido de um dos membros relativo a uma parte das alterações legais propostas. Caberá ao próximo Governo decidir se avança com proposta de alteração da lei com base nesta recomendação, que vai no mesmo sentido de alargamento da base de incidência do IMI previsto pelo projeto-lei apresentado pelo PS nesta legislatura que não chegou a ser aprovado.
Este sentido já foi duramente criticado pela associação dos produtores renováveis, a APREN, que volta a fazê-lo, avisando que, a avançar, esta “alteração estrutural ao Código do IMI irá agravar de forma significativa os encargos fiscais das empresas do setor, com impacto direto na viabilidade de muitos projetos e no investimento futuro em energias limpas”.
A APREN diz que a mudança “colide com o princípio da estabilidade regulatória, essencial para garantir a confiança dos investidores e a previsibilidade necessária ao planeamento e execução de projetos de longo prazo”. E sublinha que a insegurança fiscal desincentiva o investimento num momento em que o país precisa de acelerar o ritmo de instalação de capacidade renovável. E apela a que cobranças adicionais às renováveis incidam sobre rendimento e não sobre o património.
Já o Movimento de Terras de Miranda lamenta que as conclusões do grupo de trabalho só permitam “dar mais uma borla fiscal no IMI à EDP e às concessionárias” a dois níveis.
Por um lado, ao defender a alteração da lei, considera que os equipamentos não podem ser incluídos na avaliação das barragens no atual enquadramento legal, o que invalida as avaliações que incorporam estes elementos, resultando, como consequência, na “eliminação de todas as dívidas do passado”, relativas ao IMI que a Autoridade Tributária estava a cobrar. Por outro lado, esta alteração da lei abre porta a que as concessionárias “venham exigir ao Estado uma indemnização igual ao valor do IMI a pagar no futuro, pela alteração dos pressupostos dos contratos de concessão”.
E acusa o grupo de trabalho de produzir um relatório “que é mais uma tentativa ardilosa, ilegal e ilegítima de livrar a EDP e as concessionárias do seu dever de pagar o IMI”.
Já a Associação de Municípios do Baixo Sabor defendeu que a inclusão dos equipamentos proposta pelo grupo de trabalho é um aspeto positivo.
“Somos conhecedores do relatório do grupo de trabalho criado pelo Governo para efeitos de avaliação de IMI das barragens, que, para nosso regozijo, acolheu boa parte daquilo que eram as nossas propostas e preocupações. Não há dúvida que, após o conhecimento do documento, estes prédios devem pagar IMI, incluindo a parte das componentes de exploração e segurança, que devem ser incluídos nessas avaliações”, disse à Lusa, o presidente desta associação, Eduardo Tavares.
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