O projecto LIFE Iberconejo, financiado pela União Europeia (UE), oferece o primeiro censo ibérico do coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), espécie-chave das paisagens da Península Ibérica. Os investigadores concluíram que, nas regiões estudadas (Andaluzia, Castela-Mancha, Extremadura e todo o território de Portugal), as populações de coelho-bravo diminuíram 17,6% desde o ano de 2009 até 2022. Mas o mais preocupante não é este declínio. Ao que tudo indica, o coelho-bravo está a mudar de “morada” e, em vez do seu habitat natural em zonas de mato e florestais, está a ocupar zonas agrícolas.
“O que nos mostram estes resultados é que está em perigo o papel ecológico vital do coelho-bravo devido ao seu desaparecimento dos habitats mais naturais, e também a sua função social ligada a uma actividade cinegética sustentável”, explica o director do projecto LIFE Iberconejo, Ramón Pérez de Ayala, citado no comunicado de imprensa divulgado esta segunda-feira. Os responsáveis pelo projecto dizem ser impossível ter um número exacto (ou mesmo aproximado) de indivíduos na população ibérica.
Porém, o relato é claro: as estatísticas cinegéticas mostram uma redução de 10,17% de coelhos capturados em zonas agrícolas desde o ano de 2009 até 2022, com uma tendência de aumento nos últimos anos, enquanto a espécie continua em queda livre em zonas de mato, com um declínio de 57,75%. Em todo o lado diminuem, mas de forma mais acentuada (e, por isso, mais preocupante) no seu habitat natural.
“Vemos que existem muitos coelhos em zonas agrícolas menos favoráveis à biodiversidade. Zonas onde provocam importantíssimos danos à agricultura e, apesar do enorme esforço das sociedades de caça, em algumas ocasiões estas não conseguem controlar as suas populações no grau desejado”, acrescenta Ramón Pérez de Ayala.
As ameaças e um mapa “sem precedentes”
Este pequeno animal, lembram os responsáveis do projecto LIFE Iberconejo, tem uma enorme relevância ecológica e socioeconómica: “Considerado um ‘engenheiro do ecossistema‘ pela sua capacidade de modelar o ambiente e por ser presa de mais de 40 espécies de mamíferos e aves no montado mediterrânico, é também a principal espécie de caça menor e o vertebrado silvestre que mais danos agrícolas provoca em Espanha.”
Quais as principais ameaças a esta população? “As alterações nos usos do solo, com o desaparecimento da paisagem tradicional em mosaico, e as doenças, são os factores que têm sido associados ao declínio destas populações”, respondem os investigadores na nota de imprensa.
Além do diagnóstico sobre as actuais ameaças e situação da população do coelho-bravo na Península Ibérica, o trabalho divulgado esta segunda-feira inclui um mapa que mostra a densidade destes animais “a uma escala sem precedentes, oferecendo informações fundamentais para a tomada de decisões sobre esta espécie-chave nas paisagens mediterrânicas”.
“Dispor de dados actualizados e comparáveis em grande escala sobre a fauna selvagem, com um acompanhamento a longo prazo, é a base fundamental para uma adequada tomada de decisões”, aponta Ramón Pérez de Ayala, acrescentando que, com o projecto LIFE Iberconejo, estão lançadas “as bases para entender a situação actual desta espécie-chave das paisagens ibéricas, e assim tomar medidas para fomentar as suas populações onde este está a desaparecer e, ao mesmo tempo, prevenir os danos que provoca na agricultura”.
Duas faces do coelho-bravo
O mapa mostra as duas faces do coelho-bravo, anunciam os investigadores. Por um lado, é possível observar onde proliferam e a densidade desta espécie ainda é considerada alta “principalmente em quatro grandes zonas espanholas associadas a meios agrícolas — as mesetas Sul e Norte, e os vales do Ebro e do Guadalquivir –, onde se concentra o conflito com a agricultura”.
Por outro lado, vemos também onde existem cada vez menos coelhos-bravos, “nomeadamente em zonas com predomínio do montado mediterrânico, como a Serra Morena ou as serras da Extremadura, em Espanha, ou grande parte de Portugal, onde deveria estar a cumprir o seu papel ecológico como espécie presa e onde a sua caça gera benefícios socioeconómicos”.
“Quantos coelhos existem na Península Ibérica, onde estão e como estão a mudar as suas populações?” Supostamente, responder a esta pergunta era um dos principais desafios do projecto, que durou três anos e que representa um marco importante no conhecimento desta espécie. Porém, uma resposta precisa não é fácil.
“Elaborar um censo dos coelhos à escala peninsular, que implicaria a contagem de cada um dos exemplares da Península Ibérica, é logicamente impossível. Mas utilizando um modelo matemático que integra diferentes fontes de dados podemos conhecer a distribuição e a abundância do coelho-bravo a uma escala sem precedentes, uma base sólida para a tomada de decisões informadas”, refere o investigador do Instituto de Investigação em Recursos Cinegéticos Javier Fernández López, que liderou o desenvolvimento do modelo.
E agora?
O modelo, explicam, integra diversas fontes de dados: sobre a situação populacional em grande escala; as estatísticas cinegéticas de animais caçados; dados em escala regional e local; contagens de coelhos ou indícios da sua presença no terreno, respectivamente; e informações sobre as características do habitat.
“Ainda que as estatísticas cinegéticas tenham limitações, permitem obter uma visão global sobre a situação da espécie, e as tendências que mostram correlacionam-se com as dos levantamentos de coelhos realizados no terreno”, explica Javier Fernández López.
E agora? O grupo de entidades e investigadores deverá manter este acompanhamento das populações de coelho à escala ibérica, alargando a sua análise a outros aspectos que influenciam a distribuição e densidade desta espécie na Península Ibérica, como as doenças e os danos agrícolas.
Este trabalho científico partiu de um acordo entre todos os agentes envolvidos na gestão da espécie, incluindo as autoridades nacionais de Espanha — Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação — e de Portugal — Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. O projecto LIFE Iberconejo teve a duração de três anos, foi co-financiado pela União Europeia e terminou em Junho de 2025. Mas, tal como prometem os vários actores deste fundamental plano, o projecto vai continuar e o coelho-bravo da Península Ibérica vai continuar sob vigilância.