A floresta é, em muitas regiões do interior, o principal recurso económico disponível. É também uma das maiores fontes de valor económico e de capital natural do país. Em 2023, a indústria de base florestal representou cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o equivalente a 12 mil milhões de euros. A silvicultura, isoladamente, correspondeu a 0,5% do PIB, ou 1,2 mil milhões de euros.
Estes números foram destacados por Nuno Pinto, diretor de Sustentabilidade da Unimadeiras, no mais recente episódio do podcast “Sustentabilidade em Ação”. O episódio, dedicado à preservação e desenvolvimento do capital natural, contou com a participação de Pedro Serafim, responsável pela sustentabilidade florestal e biodiversidade na Altri Florestal, e moderado por Francisco Ferreira, presidente da Associação ZERO e membro do júri da categoria de Preservação do Capital Natural no Prémio Nacional de Sustentabilidade.
Para o responsável da Unimadeiras, uma empresa portuguesa que agrega e valoriza a produção de milhares de pequenos proprietários florestais, “falamos de uma indústria que tem um papel crucial no desenvolvimento económico equilibrado do território, mas que é esquecidao ao longo das últimas décadas”. Para Nuno Pinto, a floresta deve ser vista como suporte de modelos de negócio sustentáveis, com potencial para contribuir para a fixação de população no interior e para a criação local de riqueza.
Desafios e fragmentação do território
Um dos principais entraves à valorização económica e ambiental da floresta prende-se com a fragmentação da propriedade. “No Norte do país, o regime de minifúndio dificulta a aplicação de políticas públicas e impede uma gestão eficiente”, referiu o presidente da Zero, Francisco Ferreira. No caso da Unimadeiras, que trabalha com cerca de seis mil produtores florestais, há uma aposta na agregação e gestão conjunta dos ativos dos pequenos proprietários como estratégia para ultrapassar este bloqueio estrutural. No entanto, alerta Nuno Pinto, “algumas politicas que têm sido implementadas, como a indivisibilidade das parcelas, têm dificultado a eficácia das políticas públicas e a gestão florestal sustentável”. Para o responsável, “precisamos de políticas que valorizem e facilitem a exploração florestal com rigor, para ultrapassar as atuais dificuldades”, concluiu.
Consensos, certificação e legislação
Também Pedro Serafim, responsável pela sustentabilidade florestal e biodiversidade na Altri Florestal, a empresa do grupo Altri que faz a gestão de vastas áreas florestais certificadas, defendeu o papel das florestas na valorização do interior do país, bem como a importância de alcançar consensos neste setor. “Só conseguiremos preservar o capital natural do país com compromissos. E esses compromissos passam por colocar empresas, Estado e sociedade civil à mesma mesa”, afirmou.
Neste contexto, para a Unimadeiras, a certificação florestal tem sido uma ferramenta fundamental para encorajar práticas responsáveis e gerar valor a longo prazo. “Se a floresta não for bem gerida, esgota-se rapidamente. E o nosso negócio esgota-se com ela”, resumiu.
A experiência da Altri com sistemas voluntários de certificação florestal, como o FSC, mostra que este é um caminho para construir consensos que, em alguns casos, se transformam em legislação. “O novo regulamento europeu sobre desflorestação é um exemplo de como princípios inicialmente adotados de forma voluntária, através da certificação florestal, acabaram por influenciar a criação de legislação”, sublinhou Pedro Serafim.
Ambos os intervenientes alertaram para a necessidade de comunicar melhor estes mecanismos. “O consumidor nem sempre percebe o impacto positivo de optar por um produto certificado. Falta descodificar o que está por trás dessas marcas”, defendeu Pedro Serafim. A educação e sensibilização do público continuam a ser um dos elos mais frágeis da cadeia de valor.
Valor ambiental e serviços de ecossistema
Segundo Pedro Serafim, a Altri, para além da produção de pasta de papel, tem apostado no crescimento das áreas de conservação e valorização da biodiversidade. Atualmente, cerca de 11% das suas áreas são destinadas à conservação, o que equivale a 11 mil hectares. O objetivo da empresa é atingir os 16 mil hectares em Portugal e Espanha até 2030. “E não basta ter área. É preciso geri-la e captar os bens e serviços que ela produz”, explicou. Entre os produtos já valorizados estão o mel, o medronho e os ramos de eucalipto para fins ornamentais.
A utilização da madeira como fonte de energia renovável foi outro dos temas abordados. Francisco Ferreira destacou a necessidade de clarificar o que pode ser usado como biomassa, alertando para os impactos ambientais das diferentes fontes de energia. Nuno Pinto defendeu que as biomassas e os pellets industriais “são uma opção eficaz”, desde que bem pensados e com critérios rigorosos. “Prefiro libertar carbono que será novamente captado do que explorar gás ou outros combustíveis fósseis”, afirmou.
Pedro Serafim concordou, reforçando que, também nesta matéria, o essencial é construir consensos ao longo da cadeia de valor. “Temos de nos sentar à mesma mesa e definir o que pode ou não ser entregue como biomassa.” Ambos referiram que a certificação da biomassa já está em curso, ainda que se trate de uma prática recente.
Sustentabilidade como vantagem competitiva
Na conclusão da conversa, os convidados reforçaram que a sustentabilidade deixou de ser apenas uma questão reputacional para se afirmar como um fator de competitividade. “As empresas que não integrarem esta visão estão fora do jogo”, afirmou Nuno Pinto, sublinhando a importância de valorizar toda a cadeia de valor e adotar uma economia circular. Pedro Serafim destacou a relevância do compromisso e do diálogo entre empresas, sociedade civil e reguladores. “É dessa construção conjunta que surgem os consensos que geram legislação eficaz.” Para Francisco Ferreira, é essencial garantir que as soluções renováveis sejam eficientes e equilibradas. “Todas as energias renováveis têm impacto. A chave está em selecionar as fontes certas para os contextos certos”, afirmou.