
A agricultura sofre de uma “excessiva teorização” nas políticas e precisa de ter “sustentabilidade económica”. É uma das conclusões do segundo painel da conferência “Sustentabilidade e Competitividade: uma união ou um conflito?”, que decorreu esta quinta-feira em Samora Correia.
Na conferência da Renascença, promovida em conjunto com a Companhia das Lezírias, Rui Veríssimo Baptista apontou que “os modelos de competitividade e de sustentabilidade que são falados de uma forma empírica têm uma pressão ao nível dos rendimentos”, criando um “problema em sobreviver” numa primeira fase.
Dando o exemplo da própria Companhia das Lezírias, Rui Veríssimo sublinha que, depois da evolução “para sistemas ditos mais sustentáveis de forma abrupta”, a companhia teria provavelmente visto uma falência desses modelos “se não fosse a capacidade financeira” que tem.
“Quando passamos à economia real, esta transição que queremos que seja feita de forma muito abrupta vai implicar necessariamente um risco adicional”, afirmou o responsável, acrescentando que “os agricultores que não são entidades com muito capital” e “não estão dispostos a correr esse risco”.
“Existe uma excessiva teorização que é feita quando desenhamos políticas”, sublinhou Rui Veríssimo Baptista, para quem “quem define políticas, quem fala muito sobre sustentabilidade, fala no sentido da análise do sistema, mas não consegue impor a necessidade de empreender com base nessa análise”.
É isso que faz o responsável da Companhia das Lezírias afirmar que, “quando falamos de sustentabilidade, a primeira coisa de que devemos falar é a sustentabilidade económica”, já que a sustentabilidade “implica alimentar as pessoas”.
João Coimbra, da Quinta da Cholda, deu o exemplo da própria empresa, ressalvando que o património “tem muito mais rendimento que a operação”.
“Eu uso a natureza, eu uso o modelo natural e tento preservar. Tenho de pôr uma atividade ecológica a trabalhar para mim para me dar mais rendimento, e para preservar o património”, declarou o agricultor, acrescentando que se “tiver uma propriedade que tem 20 mil hectares que está bem gerida em termos de solo, de paisagem, de floresta, ela valoriza-se, portanto eu ainda estou a alavancar a valorização do património”.
João Coimbra critica ainda a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, acusando que esta é “fundamental para a competitividade dos agricultores, mas não os promove a mudar”.
“Não vou atrair gente nova só porque tenho um pacote de ajudas que me garante o rendimento”, aponta o proprietário, para quem a “sustentabilidade, para uma empresa familiar, é a próxima geração, não é só eu ser tão competitivo como os meus pares”. Contudo, reconhece que “sem a PAC, hoje praticamente não tinha rendimento, não tinha margem”.
A PAC, que Rui Veríssimo Baptista aponta não ser atualmente “uma política de sucesso” e ajudar a que “os preços sejam baratos”, foi um dos pontos sobre os quais o painel mais se debruçou. Luís Souto Barreiros, da Agência para o Clima, sublinha que “tem ajudado a que se corra riscos”.
“A política europeia tem muitos instrumentos possíveis, dentro dos instrumentos que nós usamos há um menu” e “cada país tem as suas regras e utiliza um determinado menu de possibilidades”.
O responsável público falou da possibilidade de “criar ferramentas de outra natureza”, como “fundos de garantia para apoiar o acesso ao crédito bancário”, e admitiu que a “velocidade a que se quer ir” na transição “pode ser excessiva”.
“Durante anos houve e ainda há um pouco uma tradição de prescrever um bocado, das políticas serem prescritivas na forma de fazer as coisas. Essa reorientação das políticas (…) é um caminho que é fundamental”, descreveu Luís Souto Barreiros, relatando que “tem de haver uma mudança mais para o foco no resultado, no objetivo, e não necessariamente em como vamos lá chegar”.
Rodrigo Tavares, professor na School of Business and Economics da Universidade Nova, apontou que o objetivo das empresas é “ganhar dinheiro” e “maximizar o valor económico-financeiro”, e que neste momento as empresas “não sabem exatamente o que fazer em termos de sustentabilidade”.
“Uma empresa não vai olhar para uma política pública de um, dois, três, no máximo quatro anos, para extrair dai uma direção a longo prazo”, avisou o académico, para quem o “debate da sustentabilidade torna-se muito romântico, muito lírico, muito ideológico”.
O professor falou do exemplo do “colosso agrícola brasileiro”, onde não existe algo como a Política Agrícola Comum e se chegou à conclusão de que “as alterações climáticas estavam a impactar negativamente a produção”, para sublinhar o “investimento fortíssimo em tecnologia” como a agricultura de precisão, ou com técnicas como a ampliação da “rotatividade entre lavoura, pecuária e floresta” — que, disse, gera “maior produtividade, de 20% na produção de soja e 8% no gado bovino”.
“Quando a conversa incide sobre mais ou menos politicas públicas, mais ou menos subsídios… É importante focar no essencial, que é produzir produtos agrícolas pode gerar rendimento económico-financeiro se nos conseguirmos ativar e valorizar varias práticas, seja em gestão, inovação” ou “otimização de recursos”, relatou Rodrigo Tavares.
A conferência “Sustentabilidade e Competitividade: uma união ou um conflito?” decorre no Palácio do Infantado, em Samora Correia, e é promovida pela Renascença e pela Companhia das Lezírias. A conferência junta especialistas de várias áreas, para refletir sobre o equilíbrio entre os desafios ambientais que se colocam hoje ao planeta e ao país, e sobre a viabilidade económica do setor agrícola, com foco no futuro sustentável do setor.