ICNF quer avaliar o estado de conservação das pegadas de dinossáurios de Carenque que têm 95 milhões de anos

O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, IP (ICNF), pela voz do recém-chegado ao cargo de diretor Regional de Lisboa e Vale do Tejo, Carlos Albuquerque, reconhece à RTP a importância desta jazida paleontológica e a necessidade de a proteger.

Temos mesmo que proteger o geosítio – temos a obrigação de não deixar destruir ou apagar da memória algo que aguentou 95 milhões de anos. Não é para se deixar estragar porque não há uma atuação. Não vamos perder estes trilhos. Vamos tentar guardá-los” sublinha Carlos Albuquerque.

O diretor esclarece que o terreno onde estão impressos os trilhos é privado mas garante que uma das suas primeiras diligências é tratar de “contratualizar com o dono do terreno o acesso” para que o ICNF possa “preparar uma intervenção de fundo mais ambiciosa” e dar ao Monumento nacional um uso aberto à comunidade, eventualmente, com a instalação de “um centro de interpretação”.

Porém, para já, Carlos Albuquerque garante que o ICNF está a cumprir com o que o tribunal ordenou e demonstrou vontade de ir mais longe, listando um conjunto de ações que pretende colocar em marcha para além de falar com o dono da propriedade e “verificar o orçamento de postes para vedação do sítio”.
30 anos depois, ICNF quer levantar geotêxtil para avaliar estado das pegadas

A jazida de Pego Longo – Carenque foi identificada em 1986 no concelho de Sintra, perto de Belas. Um dos trilhos tem pelo menos 132 metros de extensão e continua a ser uma das raras evidências da Península Ibérica deste período. Em Portugal, é a única jazida do Cretácico Superior.  

Sendo a conservação uma das principais missões do ICNF, e sendo a instituição responsável pera gestão do Monumento, o diretor aponta a necessidade de uma intervenção o quanto antes, nomeadamente dedicada à estrutura das pegadas. Pretende desenhar um “plano para drenagem das águas”, ou seja, retirar ou desviar as águas que escorrem na laje para evitar que “continuem a minar e esboroar a camada margosa de baixo que sustenta a fina camada de calcário onde estão impressas as pegadas”.

Carlos Albuquerque pretende também fazer uma avaliação do estado de conservação dos trilhos e para isso quer agendar “a questão de levantar o geotêxtil para saber o que lá aconteceu”. Recorde-se que desde 1993/94 as pegadas estão tapadas com essa tela e terra para melhor preservação.

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Marcação dos trilhos com 132 metros para colocação da tela de geotêxtil em 1994 | Imagens documentadas pela Brisa e disponibilizadas pelos investigadores

O levantamento do geotêxtil vai permitir fazer um “registo em 3D e estudar as medidas que vamos ter que tomar – mas pode muito bem acontecer que se chegue à conclusão de que não se pode deixar a jazida destapada”. De qualquer forma, “em relação à musealização, temos que estudar as possibilidades com a equipa do Professor Galopim de Carvalho”, realça o diretor.

Fica claro da parte do ICNF que há uma “vontade de fazer acontecer”, mas também adverte que “sozinho não consegue fazer tudo: há aqui um grande investimento em causa”. 

Sendo o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas tutelado pelo Ministério do Ambiente (MA) para esta matéria específica sobre a jazida, a RTP procurou saber junto do MA se considera avançar com alguma iniciativa para transformar este sítio paleontológico, num espaço aberto à comunidade, como por ex. colaborar na implantação de um centro interpretativo, e/ou se está disposto a ajudar o ICNF com verbas para este avançar com os planos para melhor conservação e divulgação deste património paleontológico único. 


Após insistência no contato, o Ministério do Ambiente não emitiu qualquer resposta até ao momento da publicação deste artigo.

Durante a captação das imagens exteriores, o terreno ainda não tinha sido limpo da vegetação, mas numa visita posterior, a RTP constatou que já tinha havido intervenção de limpeza.

Galopim de Carvalho. A batalha de Carenque continua
Bem perto da jazida localiza-se a Escola Básica 2,3 Professor Galopim de Carvalho. Este estabelecimento escolar de Belas adotou o nome do cientista português e foi onde a RTP conversou com o patrono sobre o projeto de um centro interpretativo que nunca foi edificado.


O cientista jubilado, com 94 anos, também conhecido por “avô dos dinossáurios português” tem dedicado a vida ao estudo e ensino da história da Terra, tornando-se especialista em fósseis e dinossáurios. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, em Lisboa, e ao longo de décadas tem dado a cara pela proteção e valorização de diversos patrimónios naturais em território nacional, entre os quais, a jazida de pegadas de dinossauros de Pego Longo – Carenque.

Há quase 40 anos que o professor catedrático António Galopim de Carvalho luta pela preservação deste sítio paleontológico e explica e sustenta tanto em reportagens televisivas como assinando muitas páginas de artigos e livros, a utilidade pública e pedagógica do monumento.

Depois do livro de 1994, “A Batalha de Carenque”, o académico continuou a defender o uso do geosítio para espaço de aprendizagem das ciências da Terra, visitação para estudantes, e até mesmo para fruição da comunidade em geral.

Durante a construção da CREL/A9, o traçado inicial junto a Belas foi substituído por dois tuneis que passam por debaixo da jazida, salvando as pegadas. Na altura, por ordem do Governo de Cavaco Silva, a obra da Brisa avançou e custou oito milhões de euros. O Túnel de Carenque foi inaugurada a 9 de Setembro 1995 ainda pelo mesmo Executivo.

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Construção dos túneis de Carenque no início dos anos 90 e a atualidade. As pegadas localizam-se logo acima do túnel | Imagem documentada pela Brisa e disponibilizada pelos investigadores e Carla Quirino – RTP


Para os investigadores, o mais difícil tinha sido feito. Porém, depois desta conquista, surgiu a intenção de edificar um centro interpretativo. Um projeto para musealizar o local foi aprovado em 2001 pela Câmara Municipal de Sintra (CMS), então presidida por Edite Estrela. Durante as presidências seguintes, nem este nem um outro projeto alternativo foi concretizado.

Galopim de Carvalho defende que a “batalha de Carenque ainda não está ganha”, apela às novas gerações para não desistirem e relembra que o património paleontológico ficaria mais dignificado com a criação de um espaço museológico, até porque seria um investimento. 

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Entre “protocolos, reuniões e palmadas nas costas”, Galopim de Carvalho mostra-se muito crítico perante o abandono do Monumento Natural, que após mais de três décadas da classificação de Monumento Natural, a jazida continua sem qualquer espaço explicativo. À pergunta – o que é que faltou para o processo avançar – o cientista deixa claro: “Falta a vergonha” e aponta o dedo à Câmara Municipal de Sintra.


Contactada pela RTP, a Câmara Municipal de Sintra esclarece que “não pode, nos termos da lei, intervir num terreno privado e num monumento natural classificado que não está sob a sua tutela. A decisão judicial de 2022 clarifica esta evidência”, referindo-se à resolução da providência cautelar interposta por um grupo de especialistas, entre eles Galopim de Carvalho, em 2020, após o Monumento se encontrar cheio de lixo.

“Tal projeto, em terreno privado e em monumento classificado, apenas poderia avançar mediante iniciativa das entidades responsáveis, com as quais a Câmara de Sintra sempre demonstrou disponibilidade para colaborar”, continua a CMS.

O município esclarece ainda “que o presidente da Câmara Municipal de Sintra alertou, por diversas vezes e em vários fóruns, para a necessidade de se definir uma estratégia de intervenção na zona do Monumento Natural de Carenque”.

Embora o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra tenha fundamentado a questão de que “o Monumento Natural de Carenque é uma área protegida de âmbito nacional e, como tal, a sua gestão cabe à autoridade nacional, o ICNF, e não aos municípios” acabou por sentenciar que a CMS e o ICNF tinham a obrigação de limpar e eliminar a vegetação e ainda recolher lixos e entulhos do terreno.

Para Galopim de Carvalho, esta deliberação não chega para travar a degradação das pegadas e faz uma alerta.

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Para já, enquanto estuda as etapas para avançar na intervenção para a drenagem das águas na laje, o ICNF diz que reforçou a vigilância e a recolha de lixos e que vai avançar com a sinalização de “proibição de despejos no local e com a vedação” até porque “é um monumento da minha direção e vamos querer puxar por ele”, sublinha Carlos Albuquerque.

Depois da Brisa ter feito “umas obras tremendas”, “em algum momento queremos saber o que está lá em cima. E quando chegamos lá em cima não tem que haver uma lixeira abandonada ou algo degradado tem que existir algo mais digno”, acentua.


O diretor regional deixa claro ainda que tem vontade em valorizar os trilhos e realça: “Não somos só um pedaço de território que andava aí metido na tectónica, nós até temos registos do que estava a acontecer na nossa terra e que ali havia um bocadinho de mar com seres vivos a passar – é uma abordagem que temos que colocar na sinalização e induzir a vontade de visitar”.

Veja a reportagem na RTP.


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