
Como me convidaram, com alguma antecedência, para ir à CNN falar, por causa dos avisos da protecção civil sobre fogos, tive tempo para pensar sobre o que queria dizer e falar com quem sabe.
Devo dizer que, a meio da semana, num jantar de família, uma das minhas sobrinhas me perguntou se era arriscado ir para onde ela ia no dia seguinte, porque tinha ouvido dizer que havia risco máximo de incêndio.
Lá lhe expliquei que não tinha estado a olhar para as previsões com atenção suficiente, mas do que tinha visto não me parecia que houvesse um risco por aí além (em qualquer caso, lá expliquei, pela enésima vez, que nunca se foge de um incêndio sem ter a certeza absoluta do caminho a fazer e do estado em que se vai encontrar o percurso, à mínima dúvida, mais vale ficar onde se está e escolher a situação mais favorável possível no caso de arder tudo à volta, o que frequentemente corresponde à casa onde se está, ou um edifício com boas características, como igrejas e capelas).
Mas fiquei com o assunto na cabeça o que, juntando ao convite da CNN, me fez tentar perceber se eu estava a pensar mal na matéria.
Aparentemente, todas as pessoas que ouvi foram unânimes: “não ligues muito ao risco de incêndio rural, que atinge rapidamente o valor máximo e não tem capacidade para avaliar o risco meteorológico, olha antes para o FWI que, esse sim, te permite avaliar melhor esse risco”.
A questão prende-se com uma noção de risco estrutural, que está muito ligada ao histórico dos incêndios e que, erradamente, o Estado português adopta como instrumento legal, de tal forma que proíbe uma série de actividades para tentar evitar ignições.
Mas toda a gente sabe que o indicador usado não é grande charuto.
O que acontece é que o seu uso representa um risco muito menor para o IPMA e para o ICNF (se as coisas não correrem mal, ninguém se vai lembrar do aviso, se correrem mal, o aviso ficou feito e as responsabilidades passadas para terceiros) e permite à GNR e Protecção Civil apresentar trabalho.
Não tenho nada contra o facto de este indicador, o do risco de incêndio no Continente, ser usado para desencadear um conjunto de alertas dirigidos às pessoas e comunidades mais relevantes, com um conjunto de conselhos técnicos para evitar ignições, mas deixando às pessoas a opção de fazer isto e não fazer aquilo.
Só que o Estado português tem uma dificuldade muito grande em admitir que um agricultor em Alcaravelas tenha bom senso e experiência suficiente para tomar decisões autonomamente, e acha que são os técnicos do IPMA e do ICNF, através da Protecção Civil e da GNR, que são capazes de impor a ordem no país, dizendo ao agricultor de Alcaravelas se vai ou não vai fazer esta ou aquela actividade.
Claro que o Estado, em primeiro lugar, não tem capacidade nenhuma para verificar o cumprimento das regras coercivas que pretende impor (o meu comandante na tropa insistia que nunca se deve uma ordem que não pode ser verificada, obrigado capitão (hoje general) Viana).
Segundo, com este massacre de avisos por tudo e por nada, o Estado se comporta como o pastor que, de tanto gritar “vem lobo”, acabou a ter de se defender sozinho quando o lobo veio mesmo.
Não era mais razoável reservar os avisos para quando eles fazem mesmo falta, em vez de andar a dizer que há um risco máximo de incêndio em dias que, manifestamente, estão muito, muito longe do risco máximo de incêndio real?
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.