Nos últimos dias acenderam-se incêndios em várias frentes em Portugal, e já há algum tempo que as chamas penalizam vários países dos Balcãs, Turquia, Itália, Grécia e Chipre, e até França.
Mas estarão os incêndios este ano na Europa a ser fora do normal?
Até dia 29 de Julho, arderam já 292.855 hectares na União Europeia, quase o dobro do valor médio das últimas décadas (152 mil hectares), segundo os dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS, na sigla em inglês), operado pelo serviço de observação da Terra da União Europeia, Copérnico. É o valor mais elevado dos últimos cinco anos.
Em Portugal, até agora, a tendência acompanha a média anual: arderam 72 mil hectares, segundo a mesma fonte.
As alterações climáticas estão a agravar os grandes incêndios florestais?
Sim. Há estudos científicos que detectaram uma relação entre as alterações climáticas provocadas pela acção humana e o aumento da probabilidade de incêndios extremos em várias regiões florestadas em todo o mundo. O ritmo de crescimento dessa probabilidade tem sido de 5,2% por década, entre 2002 e 2015, reflectindo o aumento de incêndios considerados extremos durante este período, concluiu uma investigação publicada na revista científica Nature em Abril.
Os “anos de incêndios extremos” podem ser definidos como aqueles em que, numa determinada região, se registou a maior quantidade de área ardida no registo do instrumento científico MODIS, instalado nos satélites da NASA Terra, desde 1999, e Aqua, de 2002, adianta um outro artigo científico, publicado em Julho, na revista Nature Communications, que analisa como as alterações climáticas aumentaram a probabilidade de acontecerem incêndios florestais extremos em todo o planeta.
A equipa de John T. Abatzoglou, da Universidade da Califórnia, o primeiro autor da investigação, concluiu que nesses anos de incêndios extremos registaram-se mais quatro a cinco vezes grandes incêndios e a quantidade de emissões de gases com efeito de estufa resultante dessas chamas aumentou na mesma proporção.
Estes anos de incêndios extremos são entre 88% e 152% mais prováveis em zonas florestais com o clima actual (o de 2011-2040), em comparação com do período dos primeiros tempos da Revolução Industrial (1850-1900), analisado pela equipa. É na floresta amazónica que esse efeito se faz sentir de forma mais aguda.
Há uma relação do do calor com a humidade no ar, que potencia a secura e, logo, a possibilidade de incêndio. Quando o ar está muito quente, a atmosfera fica como que com sede, e começa a roubar humidade às plantas, aos solos, rios e outras manchas de água, o que facilita as ignições. Nas zonas mais secas, onde há normalmente maior falta de humidade, e nas zonas mais húmidas, estes efeitos sentem-se menos. O pior, mesmo é nas zonas temperadas, onde há secura suficiente para haver incêndios e vegetação para arder.
Em resultado destas descobertas, os cientistas alertam que é necessário adoptar “medidas de prevenção pró-activas para mitigar os riscos e adaptarmo-nos aos anos de incêndios extremos”, uma vez que o aumento da temperatura global está também a tornar mais longas as épocas de risco de incêndio.
É possível determinar o quanto as alterações climáticas influenciam um determinado incêndio?
Há uma nova área científica em crescimento acelerado, a da atribuição da origem dos fenómenos meteorológicos extremos, que procura determinar de forma bastante rápida o quanto o aquecimento global contribuiu para episódios catastróficos. Por exemplo, o consórcio científico internacional World Weather Attribution aplicou a sua metodologia revista por pares que permitiu avaliar que as condições meteorológicas que permitiram os grandes incêndios florestais que afectaram a cidade de Los Angeles, no início deste ano, se tornaram 35% mais prováveis devido às alterações climáticas.
Em Portugal e na Península Ibérica, como é que se sente esta tendência de agravamento dos grandes incêndios relacionada com as alterações climáticas?
Combinando observações de incêndios florestais com os mais recentes modelos climáticos, uma equipa de investigadores espanhóis concluiu que mais de metade dos grandes incêndios florestais (com uma área superior a 500 hectares) na Península Ibérica entre 2001 e 2021 espalharam-se de uma forma muito mais acelerada, entre 2% e 8,3% mais rápida, do que no período pré-industrial, o que pode ser atribuído ao aquecimento global.
O efeito pode vir a ser ainda maior, considerando o impacto do aumento da temperatura no aumento de combustível (vegetação seca) para os incêndios, defendem num artigo científico publicado na revista Climate and Atmospheric Science, em Janeiro.
Afinal, quanto é que a temperatura média da Terra aumentou em relação ao que era antes da Revolução Industrial?
Segundo o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), o grupo de cientistas reunido sob a égide da ONU que elabora a posições de consenso sobre o que a ciência sabe, garantidamente, sobre o aquecimento global e os seus efeitos, a temperatura global à superfície da Terra em 2010-2019 esteve entre 0,8 e 1,3 graus Celsius acima dos valores registados no período 1850-1900. Isto aconteceu devido à actividade humana, que lançou para a atmosfera gases que potenciam o efeito de estufa, não só através de actividades industriais como também através da exploração e utilização de combustíveis fósseis, e alterações no uso da terra.
A Europa é o continente que está a aquecer mais depressa. E o aumento dos incêndios florestais é, precisamente, o problema destacado para Portugal no relatório Estado do Clima na Europa 2024, lançado em Abril, pelo Copérnico e pela Organização Meteorológica Mundial.
Este aumento dos grandes incêndios deve-se apenas ao aquecimento global?
O aquecimento do clima na Terra é um factor determinante, mas não é o único elemento da múltipla crise ambiental que está a afectar o nosso planeta que faz com que estes incêndios estejam a aumentar.
Além de ondas de calor e secas, cuja frequência aumenta à medida que os efeitos das alterações climáticas apertam mais, o abandono de terrenos agrícolas e florestais – por exemplo, para urbanização, ou construção de estradas – é outro factor importante para a multiplicação e ampliação dos incêndios florestais, em particular na região Mediterrânica, segundo relatou a equipa de John T. Abatzoglou num estudo publicado na Nature Communications.
“Não são só as alterações climáticas. Mais de um século de acumulação de combustível, técnicas de gestão da terra e dos incêndios florestais prejudiciais, exclusão de fogo, aumento populacional que leva à expansão dos interfaces entre o espaço rural e urbano, e falta de financiamento para apoiar a resiliência natural aos incêndios florestais contribuem também para o aumento dos grandes incêndios”, disse Katharine Hayhoe, cientista chefe da organização não-governamental norte-americana Nature Conservancy, citada no serviço noticioso Yale Climate Connections.
Que efeitos têm os incêndios extremos nos seres humanos?
Além da destruição de património e prejuízos económicos, um relatório europeu lançado em Abril alertou para o aumento de mortalidade verificado em Portugal associado aos incêndios florestais. Entre 31 e 189 pessoas terão morrido em Portugal, entre 2015 e 2018, devido aos efeitos do fumo dos fogos, refere o relatório do Conselho Consultivo Científico das Academias Europeias (EASAC), elaborado por 23 especialistas da União Europeia (UE).
“Os impactos crónicos na saúde, embora menos frequentemente estudados, são significativos. Por exemplo, a exposição a longo prazo às partículas em suspensão provenientes de incêndios florestais, tem sido associada ao aumento da mortalidade em Portugal, onde entre 31 e 189 mortes foram atribuídas ao fumo de incêndios florestais entre 2015 e 2018”, adianta o documento.
“Num mundo cada vez mais quente, estamos a ver cada vez mais incêndios florestais que põem em risco as pessoas e a natureza”, comentou Katharine Hayhoe.
E, claro, os grandes incêndios provocam um efeito de pescadinha de rabo na boca: aumentam as emissões de gases com efeito de estufa, de forma a que as florestas deixam de conseguir absorver o dióxido de carbono em excesso na atmosfera, para se tornarem emissoras líquidas. O que, por sua vez, alimenta o aquecimento global, que potenciam os incêndios.