Florestas. Empresa pública sofreu várias mudanças em 7 anos

O plano para a floresta do Governo prevê o reforço da estrutura da Florestgal, empresa do Estado vocacionada para a gestão florestal. O Plano Floresta 2050 prevê um reforço financeiro, através de um aumento de capital, e um reforço operacional da empresa para garantir-lhe mais intervenção e entrega-lhe a gestão e valorização do património rústico do Estado, uma missão que já tinha sido atribuída à empresa no passado.

Este documento, que já tinha sido apresentado em março, mas só agora foi aprovado num Conselho de Ministros extraordinário, realizado sob a pressão dos incêndios no centro e norte do país, antecipa também uma “redefinição do modelo organizacional e funcional do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e Florestas) e da Florestgal”, numa proposta a apresentar.

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Mudanças organizacionais não são uma novidade na história da Florestgal, a empresa que, com “apenas sete anos, teve ao longo da sua curta existência alterações significativas no seu objeto social que têm obrigado a um ajuste permanente na sua estrutura e forma de funcionar”. Este é um um sublinhado tirado do último relatório da gestão (2024). A empresa conta com 12 funcionários e duas administradoras em funções, mas com o mandato já terminado. O presidente do conselho de administração apresentou a demissão em fevereiro deste ano. José Gaspar é atualmente chief technology officer do Laboratório Colaborativo para a Gestão Integrada da Floresta e do Fogo – ForestWISE.

Com sede em Figueiró dos Vinhos, o braço empresarial do Estado para as florestas gere um total de 86 propriedades de norte a sul do país, distribuídas por 26 concelhos que representam uma área total de 15,6 mil hectares. Várias propriedades estão localizadas na rota da mais recente vaga de violentos incêndios em Portugal continental, mas não foi possível esclarecer, até à publicação do texto, se as áreas sob gestão da empresa pública foram afetadas.

A empresa está também envolvida na gestão de mais 6,9 mil hectares abrangidos por AIGP (áreas integradas de gestão de paisagem). O património está avaliado em 37 milhões de euros, a que acrescem os ativos biológicos de 12,8 milhões de euros. A gestão destas propriedades está organizada em 12 unidades de gestão.

Minho. Zona de baldio no concelho de Valença cm 350 hectares ocupada por matos com projeto de replantação

Douro envolve concelhos de Alfândega da Fé, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Mirandela e Macedo de Cavaleiros, numa área de 1.900 hectares com 500 prédios rústicos ocupados sobretudo por matos e eucaliptos.

Colmeal em Figueira de Castelo Rodrigo ocupa 754 hectares ocupados por eucalipto. Há um projeto de reconversão para espécies como azinheira e sobreiro.

Montemuro. Baldio de 112 hectares em Tarouca e Castro D’Aire de terrenos ocupados por pinhais.

Serra da Estrela gere 523 hectares de baldio no concelho da Guarda. A propriedade tinha pinheiros.

Arada. Área de 190 hectares de mato no concelho de São Pedro do Sul que resultou de várias aquisições.

Castelo Branco ocupa 1.400 hectares com eucaliptos e matos e está em curso um projeto para reconverter para sobro, pinheiro e azinheira.

Idanha-a-Nova tem 3.000 hectares e está inserida no Parque Tejo Internacional. Também aqui há projetos para reconverter eucalipto em povoamento misto com sobreiro, azinheira e pinho manso.

Malcata. Área de 150 hectares no concelho de Penamacor constituída por carvalho negral constituída por carvalho negral.

Serra de São Mamede. 350 hectares distribuídos pelos concelhos de Portalegre, Nisa e Marvão compostos por povoamento de pinheiros bravo, manso, sobreiro e matos.

Ribatejo. Duas propriedades com 900 hectares em Santarém e Chamusca com agricultura de regadio e montado de sobro.

Alentejo.  Área de 1.000 hectares nos concelhos do Alandroal e Avis onde fica a herdade da Revilheira com produção agrícola e pinheiro manso.

Vale dos Reis localiza-se em Alcácer do Sal, ocupando uma área de 3.200 hectares com montado, pinheiro manso e zona agrícola que inclui arrozais.

Monchique. 44 hectares no concelho de Odemira com sobreiros, azinheiras, mato e alguns eucaliptos

A Florestgal — Empresa de Gestão e Desenvolvimento Florestal nasceu em 2018 como parte das medidas de valorização do interior que tinham também como objetivo contribuir para um território mais resiliente aos incêndios florestais, na sequência dos grandes fogos que abalaram o país em 2017. É herdeira da Lazer Florestas, empresa da Parpública que ficou com algumas propriedades excluídas da privatização da Portucel (atual Navigator). E foi-lhe atribuída a gestão florestal e de territórios mais expostos às alterações climáticas.

Depois da pandemia ter dificultado os trabalhos de arranque, foi nomeada uma administração em 2021, mas o presidente renunciou em 2022. Foi nomeado um novo presidente em 2023, mas José Gaspar também renunciou ao cargo, o que aconteceu no início deste ano sem ter sido substituído. As administradoras Cândida Pestana e Manuela Azevedo e Silva terminaram o mandato no final de 2022 e ainda estão em funções. O facto de neste período terem ocorrido duas eleições devido ao fim antecipado de legislaturas, o que condiciona nomeações de gestores, pode ajudar a explicar este quadro que é aliás comum a outras empresas do Estado.

Uma das “grandes debilidades” sinalizadas no relatório e contas consultado pelo Observador foi o seu “quase inexistente quadro de pessoal” que em 2021 era composto por dois trabalhadores, o que fazia depender a atividade da contratação de serviços externos. Nos anos seguintes, foi possível contratar alguns quadros especializados e alargar o quadro para 12. A empresa tem adquirido equipamento para realizar inventários florestais.

Florestgal tenta reaver desde 2018 o sinal de 1,1 milhões pago ao Estado por negócio cancelado


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Um episódio que marca a vida da empresa é uma dívida reclamada junto da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) desde o nascimento da Florestgal. Em causa está um contrato promessa de compra da Herdade Gil Vaz, em Canha (Ribatejo). O negócio foi cancelado, para o terreno estava prevista a construção de uma prisão, mas o Tesouro só devolveu uma parte do sinal de 4,5 milhões de euros pagos. Desde então, a Florestgal tenta recuperar os 1,125 milhões de euros que faltam, sem sucesso. Em 2022, a DGTF remeteu a responsabilidade pelo pagamento para o Ministério da Agricultura, mas apesar das várias diligências feitas pela empresa junto da Estamo, empresa que herdou a gestão do património do Estado, até à data da elaboração do relatório (em fevereiro deste ano), o valor mantinha- se em dívida.

A empresa tem recorrido a financiamentos comunitários para grande parte dos seus investimentos, tendo apresentado candidaturas de 2,1 milhões de euros. Apenas 6% do esforço foi financiado com recursos próprios. O valor dos financiamentos comunitários dispara para 12,6 milhões de euros, com os projetos aprovados no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) para as áreas integradas de gestão de paisagem.

A Florestgal está fora da perímetro das contas públicas, e uma das intenções descritas no plano do Governo é o recurso a linhas de crédito — do BEI ao Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa, e a programas financiados com fundos europeus para dar mais músculo financeiro às intervenções previstas.

Ao longo da sua curta vida, a Florestgal foi ganhando responsabilidades. Em 2021 ficou com a criação e manutenção de faixas de interrupção de combustível da rede primária. Em 2022 ficou com a gestão de imóveis rústicos do Estado e prédios rústicos sem dono conhecido, bem como o papel de comprar áreas florestais e de conservação da natureza que valorizem o património já em carteira. Em 2022 e 2023, foram adquiridas propriedades em parques naturais (São Mamede, Tejo Internacional, Serra da Estrela, etc) em investimentos de mais de dois milhão de euros que foram financiados pelo Fundo Ambiental.

Mas, em 2024, as compras de propriedades pararam e a empresa indica não ter obtido financiamento para fazer mais aquisições. É o ano da mudança de Governo do PS para a AD que é acompanhado de outras alterações. A pasta das florestas salta do Ministério do Ambiente para o Ministério da Agricultura. E a nova lei orgânica do Governo altera as exigências para a oneração do património do Estada, o que, numa leitura restritiva, implica que qualquer cedência ou oneração exija um despacho favorável do primeiro-ministro.

Sendo o arrendamento de propriedades para a exploração de terceiros uma das fontes de receita da Florestgal, a empresa pediu um esclarecimento à tutela setorial sobre o alcance desta alteração, mas o esclarecimento só veio este ano, o que travou o crescimento previsto nestes rendimentos para o ano passado que ficaram 550 mil euros abaixo do estimado, situando-se em cerca de 900 mil euros. Outras receitas resultam da venda de ativos biológicos.

O património da Florestgal vai além da atividade meramente florestal, envolve agricultura, pastorícia, apicultura, caça e preservação de biodiversidade. A empresa também explora produção florestal como o montado, mas os resultados da venda de cortiça têm sido inferiores ao previsto, o que é atribuído à falta de investimento no passado na replantação e renovação, bem como à seca. Estas circunstâncias também afetaram a produção de pinha.

A empresa teve em 2024 um volume de negócios de 1,5 milhões de euros e um resultado líquido de 4,4 milhões de euros, um valor muito superior ao estimado, o que é atribuído à revisão em alta dos ativos, na sequência das avaliações realizadas em 2024.

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