
Os fogos florestais têm sido tradicionalmente interpretados como desastres naturais, intensificados por fenómenos climáticos extremos e também, onde a mão humana, pelo descuido ou pelo crime, têm contribuído para este flagelo. Contudo, uma abordagem sociológica revela que esses “eventos”/acontecimentos são, em grande medida, socialmente construídos. Ou seja, embora dependam de condições ecológicas e climáticas, a sua frequência, intensidade e consequências são moldadas por dinâmicas sociais, políticas e económicas, muito bem conhecidas de todos.
Este artigo de opinião propõe uma análise sociológica da existência dos fogos florestais, centrando-se em quatro eixos principais: Uso e ocupação do solo; Desigualdade social e vulnerabilidade; Políticas públicas e governança; e A relação simbólica e cultural com a natureza.
Uso e Ocupação do Solo: A Modernização Desordenada. A transformação do território é um dos factores estruturais mais importantes na explicação dos fogos florestais. A urbanização acelerada, a expansão de monoculturas (como o eucalipto e o pinheiro bravo em Portugal, por exemplo), e o abandono das práticas agrícolas tradicionais resultaram num território fragmentado e altamente inflamável.
Segundo a sociologia rural e ambiental, a perda de “mosaicos agroflorestais” – compostos por zonas de cultivo, pastagens e florestas diversificadas – aumentou a continuidade do combustível vegetal. As políticas de desenvolvimento que favoreceram o crescimento económico à custa da gestão territorial sustentável criaram paisagens propícias à propagação do fogo. O fogo torna-se, assim, uma externalidade negativa do modelo tradicional de cultivo e de uso da terra.
Desigualdade Social e Vulnerabilidade: Quem Arde Com o Fogo? Os fogos florestais não afectam todas as populações da mesma forma. A sociologia dos desastres mostra que os impactos são mais severos sobre as comunidades mais pobres, isoladas ou envelhecidas, frequentemente deixadas à margem dos investimentos públicos. Estas populações vivem em zonas de risco maior, têm menor capacidade de resposta e são frequentemente ignoradas nos processos de decisão política. Estas Populações vivem momentos de angústia, níveis de stress elevadíssimos e incertezas sobre os dias de amanhã, onde os recursos escasseiam todos os dias.
Além disso, muitos territórios rurais vivem o paradoxo do abandono: por um lado, sofrem com a ausência de políticas de apoio à agricultura familiar e à fixação de pessoas; por outro, são invadidos por interesses económicos ligados à indústria florestal. Assim, o fogo revela e amplifica desigualdades sociais e espaciais pré-existentes e muitas vezes com dificuldade de se vislumbrarem razões, porque acontecem fogos em determinado território…
Políticas Públicas, Estado e Governança: Entre a Reacção e a Prevenção. As políticas públicas em torno dos fogos florestais tendem a privilegiar abordagens tecnocráticas e reactivas, como o reforço do combate e da vigilância aérea. A prevenção estrutural – que exige uma gestão florestal participada, ordenamento do território, e revalorização das zonas rurais– é frequentemente secundarizada, ou até, inexistente! Outra dimensão da Prevenção é olhar para o terreno/território em épocas de menor risco de incêndio e proceder a um planeamento de limpezas, zonas de limitação de propagação e zonas de evacuação.
A sociologia política e institucional crítica a fragmentação das responsabilidades entre diferentes organismos do Estado, a falta de continuidade nas políticas públicas e a captura do debate por interesses económicos e corporativos, instalados nos meandros e bastidores dos corredores e espaços de decisão. A lógica do espectáculo mediático – que valoriza o “herói-bombeiro” e a tragédia pontual – obscurece a discussão sobre os factores sistémicos que perpetuam o problema. Contudo, nunca, de modo algum, podemos ignorar ou minimizar o papel dos Bombeiros, numa luta desigual com o fogo devorador.
Cultura, Simbolismo e Natureza: O Fogo como Fenómeno Social. A forma como as sociedades se relacionam com o fogo e a floresta é também uma construção cultural. Em muitas culturas rurais, o fogo era (e ainda é) uma ferramenta de gestão do território. Contudo, a modernidade urbana demonizou o fogo e marginalizou os saberes locais, criminalizando práticas ancestrais como as queimas controladas.
A sociologia ambiental explora esta dissociação cultural entre sociedade e natureza. A floresta é muitas vezes romantizada como espaço “selvagem”, mas é, de facto, um produto social e político. A ausência de envolvimento das comunidades locais na gestão do espaço florestal reflecte uma perda de capital social e cultural essencial à sustentabilidade do território. Não se atribui valor económico à Floresta!
Em conclusão podemos dizer que o fogo não é apenas natural, é também social.
Os fogos florestais, longe de serem fenómenos meramente naturais, são resultado de um conjunto de dinâmicas sociais (económicas e políticas) interligadas. A sua análise exige ir além das explicações técnicas e considerar as estruturas de poder, os modos de vida, os modelos económicos e as escolhas políticas que moldam a paisagem. Porque nos falta sabedoria e conhecimento, não abordamos a vertente criminal associada à “Sociologia dos fogos florestais”.
A abordagem sociológica não nega os factores ecológicos ou climáticos, mas sublinha que, sem uma transformação profunda nas relações sociais com o território, os fogos continuarão a ser uma expressão de desigualdade, desordem e conflito. Prevenir fogos é, também, reconstruir comunidades, reformar políticas e repensar a nossa relação com o mundo natural.
Assim o Poder Político e Económico o entendam e queiram transformar!