Esses assuntos são muito importantes – qualquer dia tratamos deles

“What is important is seldom urgent and what is urgent is seldom important”, Dwight D. Eisenhower

Com 67 anos, o Sr. Ricardo Fagundes tem três filhas muito inteligentes e apegadas à empresa da família. Estudam todas em boas Universidades que as preparam para um cargo de gestão superior na empresa e têm naturalmente expectativas em suceder ao Pai. O Sr. Fagundes tem plena noção de que tem de tomar opções e o tempo para o fazer vai sendo cada vez mais curto. Chamou consultores para montar um plano de sucessão e achou a proposta muito boa. Mas queixa-se de que a empresa o absorve completamente e não tem tempo para tratar destas coisas importantes e por isso a proposta coube à justa na gaveta de baixo.

Na verdade ele receia não saber lidar com um assunto tão delicado. Por isso vai adiando, de vez em quando abre a gaveta, olha para a proposta mas fecha-a outra vez. O tempo passa, as filhas acabam os cursos e o Sr. Fagundes convida-as para integrar a empresa… mas elas não percebem o que lhe vai na cabeça e tomam outras vias na vida. Fica uma, a última que o sr Fagundas queria como sucessora. Mas não tem remédio – deixa o deu legado mal entregue porque foi adiando o planeamento da sucessão até ser demasiado tarde.

A família Alarcão de Sousa tem um grande negócio agrícola há mais de 200 anos, os ramos da família já são mais de vinte e os acionistas mais de quinze. Há alguns anos que se sentem tensões no seio da família e o Presidente decide chamar duas consultoras para apresentarem propostas para avaliar a situação e considerar rever o Protocolo de Família em consonância que regule adequadamente as relações no seio dos foros acionista e familiar e remova as tensões.

O Presidente recebe as propostas e reúne os acionistas para apresentar a sua iniciativa, que é naturalmente recebida com frieza. Ele tem o poder formal de impor a revisão do Protocolo… mas decide deixar passar uns meses. Marca nova reunião e nada muda. Não se impõe, desiste e refugia-se na gestão corrente do negócio. Vai gerindo as crescentes tensões o melhor que sabe e pode e, claro, guarda as propostas na gaveta de baixo.

O Dr. Pedro Almeida é o líder de terceira geração duma empresa metalomecânica. Quer expandir para novas áreas e acha que o Conselho deve  ser reforçado com assessores não executivos com novas competências. Pede o apoio de um consultor especializado que lhe apresenta uma série de ótimos candidatos. Distribui o documento pelos acionistas que ficam ofendidos, achando que Pedro não os vê à altura dos novos voos da empresa. Pedro podia forçar a decisão ou trazer candidatos para os colegas acionistas verem o seu valor … mas não, receia o potencial conflito e o boicote a toda a iniciativa. Decide adiar o assunto e coloca a proposta na gaveta. De baixo claro.

Como tão bem diz Eisenhower, “o que é importante raramente é urgente e o que é urgente raramente importante”. Consultores de empresas familiares em qualquer parte do Mundo sabem que o seu maior desafio é conseguir que um assunto verdadeiramente importante não seja engolido pelas pressões do dia a dia – ou pelo receio de abrir caixas de Pandora na família ou na organização que vão levar tempo a gerir. Sabendo que me repito, quais os temas estruturalmente importantes que a liderança duma empresa familiar deve garantir que estão bem resolvidos?

  • Valores distintivos claros baseados no legado e partilhados por acionistas e colaboradores – garantindo que têm implicações práticas assimiladas por todos
  • Coesão do foro acionista e ligação aberta ao desenvolvimento do negócio
  • Estratégia de desenvolvimento robusta e apoiada de forma unânime pelos acionistas
  • Modelos de governança acionista e societária, a ligação entre ambos e a incorporação de assessores não executivos no Conselho de Administração
  • Mecanismos de gestão de conflitos evitando desde logo que esses conflitos possam ocorrer
  • Estimulação da próxima geração e planeamento da sucessão

Em larga medida, um bom Procolo de Família cobre quase todas estas áreas e a sua preparação é essencial, devendo ser liderada por consultores especializados na matéria com a contribuição de juristas ou fiscalistas. Por isso é comum referir que o Protocolo é a plataforma da saúde duma empresa familiar, a “Constituição”.

Em Portugal, a  maioria dos maiores grupos empresariais de raiz familiar tem estes assuntos resolvidos com soluções robustas e de qualidade. Mas algumas grandes e quase todas as médias empresas emerge o clássico padrão da queixa de que os assuntos urgentes tomam todo o tempo do líder. Na ARBORIS temos visto que há consciência dos temas importantes que estão por resolver… mas há um misto de receio e de dúvidas sobre a preparação dum Protocolo, da Sucessão ou de rever o Governance e por isso as exigências do dia a dia não têm substância e acabam por ser um pretexto.

É fundamental que as empresas familiares passem da consciência passiva do que é importante e tem de ser tratado e parem de se refugiar no que dizem ser urgente. Mais tarde ou mais cedo a falta de resolução dos temas importantes acima elencados vai induzir fissuras e fragilidades na empresa e na sua liderança que vão ser muito mais difíceis de resolver – se não colocarem mesmo em risco a própria empresa.

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