Reconhecimento do Estado Palestiniano e o efeito perverso na Cisjordânia

O recente movimento do presidente francês Emmanuel Macron de reconhecer o Estado Palestiniano, longe de travar a escalada de violência, corre o risco de agravar a situação no terreno.

Ao invés de criar condições para um cessar-fogo ou negociação séria, esta iniciativa parece reforçar, ainda que de forma indireta, a posição do Hamas e complicar futuras tentativas de acordo, nomeadamente para a libertação dos reféns, perpetuando o conflito, já criou o caldo de cultura para as recentes ações de Israel no Qatar e em Gaza (a ocupação de Gaza City).

Não é apenas no terreno que esta decisão levanta preocupações. É evidente que existem motivações internas por trás do gesto de Macron, incluindo a pressão de setores específicos da sociedade francesa que exigiam uma posição simbólica sobre o conflito. Por outro lado, ao envolver a França e, por extensão, a Europa nesta questão sem impacto real sobre a dinâmica local, a iniciativa arrasta a UE para uma posição de marginalização no Médio Oriente, num momento em que parece claro que Israel emergirá como vencedor face a grupos terroristas e a países tradicionalmente hostis, como o Irão e a Síria.

A própria realidade territorial e política já torna extremamente difícil acreditar na criação de um Estado Palestiniano funcional. Os Acordos de Oslo (1995) dividiram a Cisjordânia em três zonas administrativas — Área A, sob controlo total da Autoridade Palestiniana; Área B, com controlo civil palestiniano e segurança partilhada; e Área C, sob administração israelita total. Essa divisão visava preparar o caminho para uma solução negociada, mas acabou por criar estruturas fragmentadas, com uma Autoridade Palestiniana enfraquecida e limitada a pequenas porções do território.

A situação agravou-se com o conflito em Gaza, em resposta ao ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, que evidenciou o poder preponderante do Hamas sobre a Autoridade Palestiniana. Enquanto esta última se mostra caduca e ineficiente, o Hamas controla de facto grandes áreas da Faixa de Gaza, minando ainda mais a possibilidade de um Estado Palestiniano viável. Reconhecer oficialmente esse Estado sem uma autoridade funcional no terreno, portanto, parece mais um gesto simbólico do que uma medida que contribua para a paz.

Mais do que isso, esta política pode servir de incentivo para que Israel avance nos seus planos de anexação de territórios estratégicos. Entre eles, destacam-se a Área C da Cisjordânia — onde Israel mantém controlo total sobre segurança, uso do solo e construção — e, eventualmente, partes da Cisjordânia/Judeia e Samaria, bem como a metade norte da Faixa de Gaza e territórios sírios do Monte Hermon e da zona desmilitarizada habitada por drusos.

A Área C, que representa cerca de 60% da Cisjordânia, é de importância estratégica decisiva. É aí que se concentram a maioria dos colonatos israelitas, as principais rotas de transporte, terras agrícolas férteis e os recursos hídricos mais relevantes da região. Para os palestinianos, o acesso restrito a esta área inviabiliza a criação de um Estado territorialmente contíguo e viável. A complexidade da situação aumenta com a rígida administração israelita: qualquer projeto de construção palestiniano requer licenças quase sempre recusadas, e aldeias inteiras vivem sob risco de demolição.

Em suma, longe de ser um gesto de aproximação ou de paz, a iniciativa de Macron poderá ter efeitos perversos: reforça dinâmicas de conflito, dificulta negociações futuras, aumenta a pressão sobre áreas cruciais, como a Área C, e arrasta a Europa para um papel secundário na região. A estabilidade futura do Médio Oriente não se conquista apenas com declarações políticas; exige uma compreensão profunda das realidades no terreno e soluções que respeitem simultaneamente a segurança de Israel e a viabilidade territorial palestiniana.

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