Com mais de 250 mil hectares ardidos até final de agosto, 2025 entra para a lista dos três piores anos de sempre em Portugal no que toca a incêndios florestais. A WWF Portugal alerta para a urgência de transformar a paisagem e apresenta três medidas prioritárias que devem ser implementadas até maio de 2026, para evitar repetir este cenário devastador no próximo verão.
Numa altura em que intensos incêndios ainda lavram em Portugal continental, a WWF Portugal insta o Governo a tomar medidas concretas já nos próximos meses – medidas essas que já foram sugeridas várias vezes pela WWF, e outras organizações, ao Governo em anos anteriores e que continuam a ser postas de parte ano após ano.
De acordo com os relatórios preliminares da AGIF e do ICNF, até 31 de agosto de 2025 arderam 254 mil hectares, com maior incidência nas regiões Norte e Centro (onde se concentra grande parte da floresta homogénea e pouco gerida), o que faz de 2025 um dos três piores anos de sempre em termos de área ardida. Os povoamentos florestais (incluindo plantações e bosques) foram os mais afetados, com 118.127 hectares ardidos, seguindo-se os matos (incluindo alguns habitats com estatuto de proteção) com 107.881, e a área agrícola com 28.288. É de lamentar ainda os incêndios que afetaram várias Áreas Protegidas – notavelmente o Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Parque Natural do Alvão, o Parque Natural da Serra da Estrela e, mais recentemente, o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina – resultando na perda por vezes irreversível de importantes valores naturais.
Face a este cenário, a WWF Portugal recomenda ao Governo três medidas prioritárias a implementar até maio de 2026:
– Abertura de Aviso no Fundo Ambiental para projetos e ações que promovam os serviços de ecossistema fornecidos pelas florestas, através do restauro ecológico e apoio à regeneração natural de bosques e áreas ripícolas, e do uso do pastoreio extensivo na gestão da vegetação espontânea, para redução do risco de incêndio e simultaneamente conservação de habitats e espécies;
– Abertura de Aviso no Fundo Ambiental para projetos e ações que promovam os sistemas agrosilvopastoris e de agrofloresta para reduzir o risco e impacto dos incêndios, fixar a população rural e a presença humana no território. Isto vai permitir acelerar a transformação da paisagem a norte do Tejo;
– Operacionalizar as políticas na execução dos fundos, como nos Avisos referidos, de forma desburocratizada e com alocação de mais recursos humanos qualificados no Fundo Ambiental para que os diferentes proprietários possam aceder aos fundos e operacionalizar pedidos de pagamento.
“Ao mesmo tempo que lamentamos profundamente todas as perdas resultantes dos incêndios, principalmente as de vidas humanas, não podemos deixar de lamentar também a inércia dos sucessivos Governos na resolução deste problema. Ano após ano, o Governo continua sem fazer o que é necessário para prevenir os incêndios do verão seguinte. Exemplo disto são as medidas já lançadas pelo Governo logo após os incêndios deste ano para recuperação da área ardida, mas que têm pouco foco na prevenção. Este não é um tema da responsabilidade deste ou daquele Governo, é um problema estrutural, e cuja resolução tem de sobreviver às consecutivas legislaturas e opiniões”, afirma Ângela Morgado, diretora executiva da WWF Portugal.
Apesar da redução no número de incêndios nas últimas duas décadas, Portugal continua a enfrentar fogos florestais cada vez mais intensos e devastadores. A WWF Portugal aponta como principais fatores que agravam o risco de incêndio a baixa rentabilidade da floresta, o abandono do mundo rural, a fragmentação da propriedade e a ausência de políticas públicas coordenadas.
Para quebrar o ciclo de grandes incêndios, a WWF defende que é preciso alterar a composição e a estrutura da paisagem para torná-la mais resiliente. Uma das formas de o fazer é reduzir a área florestal de produção não gerida e convertê-la em sistemas agrosilvopastoris ou agrofloresta, com reintrodução de pastoreio e valorização dos produtos que daí derivam. A WWF reforça ainda a importância de manter e preservar áreas de alto valor de biodiversidade, numa paisagem em mosaico, com áreas de produção e conservação.
“A WWF, em Portugal e a nível global, defende uma abordagem proativa e integrada para a prevenção e redução do risco de incêndio, ao invés de nos concentrarmos exclusivamente no combate. A solução passa pela paisagem mosaico em que bosques, zonas húmidas e pastagens funcionem como barreiras contra a propagação dos grandes incêndios e passa também pelo pagamento de serviços ambientais a quem tem práticas de gestão responsáveis na sua propriedade e com impacto à escala da paisagem. Ecossistemas saudáveis e em pleno funcionamento são mais resilientes ao fogo quando protegidos e restaurados e precisamos pagar esses serviços”, acrescenta Ângela Morgado.
Recorde-se que, em maio de 2025, a WWF reuniu especialistas de vários setores e entidades num encontro que resultou na publicação da “Agenda Comum para a Prevenção de Incêndios Florestais”, um documento que apresenta medidas concretas dirigidas ao Governo, setor privado, sociedade civil e comunidade científica, para uma transformação da paisagem e uma gestão integrada do território florestal. Estão disponíveis para consulta o documento completo aqui e o sumário aqui.