O plenário de encerramento da 30.ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, terminou sob forte controvérsia, com a “Decisão Mutirão” a ser aprovada mas numa sessão marcada por queixas de falta de transparência nos procedimentos e nas negociações e por críticas abertas sobre a ambição dos diversos dossiers.
Em resposta à incapacidade do multilateralismo de produzir um roteiro formal, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, anunciou que criaria dois roteiros por iniciativa própria, um dos quais sobre “travar e reverter a desflorestação”. Corrêa do Lago garantiu que estes roteiros serão “liderados pela ciência” e “inclusivos”, e que a presidência irá apresentar um relatório sobre este trabalho na próxima COP.
Quem saiu satisfeito e quem não gostou dos resultados desta COP30?
Mitigação
A Colômbia liderou a oposição mais veemente, apresentando uma objecção formal sobre o Programa de Trabalho de Mitigação (MWP, na sigla em inglês).
A delegada colombiana manifestou-se de forma incisiva, declarando que não aceitava que a declaração da COP30 não afirme claramente que a causa da crise climática são “os combustíveis fósseis utilizados pelo capital”, classificando qualquer omissão como “hipocrisia”.
A representante do Ministério do Ambiente da Colômbia, Daniela Duran, lamentou que o resultado da “COP da verdade” “ignore a ciência”. De acordo com o IPCC, quase 75% das emissões globais de CO2 provêm de combustíveis fósseis, e a Colômbia sustenta que “não há mitigação se não pudermos discutir o abandono dos combustíveis fósseis”. A Colômbia opõe-se a uma declaração que “não conte a verdade científica ao mundo”.
Os direitos dos Povos Indígenas e comunidades locais, incluindo os seus direitos territoriais e conhecimentos tradicionais, foram reconhecidos no contexto da gestão florestal no texto sobre o Programa de Trabalho de Mitigação.
Adaptação
A Meta Global de Adaptação (GGA) foi outro ponto de discórdia durante o plenário de encerramento daquela que foi caracterizada como a “COP da Adaptação”. A insatisfação, contudo, foi por razões distintas. O Mutirão estabeleceu o compromisso de triplicar o financiamento para adaptação aos países em desenvolvimento, com um prazo adiado para 2035 (em vez de 2030).
“A adopção dos indicadores da GGA é um progresso real: pela primeira vez, mediremos a acção climática não apenas em toneladas de carbono evitadas, mas em vidas protegidas e infra-estrutura capaz de resistir ao que está por vir”, sublinhou Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. “Se forem bem implementados nos próximos dois anos, esses indicadores proporcionarão ao próximo Balanço Global um retrato muito mais honesto da adaptação”, acrescenta.
No plenário, contudo, o representante da União Europeia, Jacob Werksman, declarou que a UE “não pode aceitar o rascunho do GGA na sua forma actual”. A UE considera que as muitas modificações feitas aos indicadores, que foram fornecidas por especialistas, fizeram com que deixassem de ser “funcionais” ou “utilizáveis”. Estes indicadores, no entender da UE, já não servem o objectivo principal de contribuir para o Balanço Global (GST, aprovado na COP28 no Dubai) e, portanto, a UE não apoia a formulação aprovada na COP.
A representante da Associação Independente de América Latina e Caribe (AILAC), Diana Mejia, criticou o resultado por ficar “aquém de reflectir a magnitude dos desafios que os mais vulneráveis enfrentam”. Mejia destacou que as opiniões das partes não foram reflectidas e que o tempo dedicado a examinar os indicadores foi insuficiente, resultando numa lista que não se baseou em decisões inclusivas. O mundo em desenvolvimento, afirmou Mejia, não pode arcar sozinho com os custos crescentes da adaptação. Este GGA, considera, é apenas uma “aspiração e não um resultado” se não for acompanhado pelos meios de implementação, ou seja, financiamento.
O ministro do Ambiente e Alterações Climáticas da Serra Leoa, Jiwoh Emmanuel Abdulai, também questionou a qualidade dos resultados: “Que mensagem enviamos quando um processo construído para elevar as nossas necessidades acaba por menorizar o trabalho de especialistas e negligenciar as realidades daqueles nas linhas da frente?”
Transição justa
A criação do Mecanismo de Acção para a Transição Justa — também conhecido como Mecanismo de Acção de Belém, ou BAM — é considerado o maior avanço da COP30.
Este mecanismo é visto como um passo histórico para a justiça social e climática, reconhecendo formalmente direitos humanos, direitos laborais e os direitos dos Povos Indígenas e afro-descendentes como centrais para uma acção climática mais ambiciosa.
Embora o mecanismo precise de financiamento para ser operacionalizado, a sua existência fornece um caminho para a transição energética justa, mesmo que o sinal político final sobre a eliminação dos fósseis tenha falhado.
Desflorestação
Esperava-se que a COP30, a primeira realizada na Amazónia, entregasse um plano de acção para acabar com a destruição florestal até 2030, mas o texto da decisão Mutirão contém apenas uma menção isolada às florestas, sem mandatos específicos e apenas com compromissos voluntários.
A promessa da presidência brasileira de criar um roteiro é considerada insuficiente por Camila Jardim, especialista em política internacional da Greenpeace Brasil, considerando-a um “prémio de consolação” e uma “iniciativa voluntária” que não está ancorada nas negociações formais da UNFCCC. Para a Greenpeace Brasil, a falta de um roteiro para acabar com a destruição florestal foi um grande fracasso. Carolina Pasquali, directora-executiva, lamenta que o texto final não traga “nem mapa, nem caminho” para o fim da desflorestação até 2030.
O desapontamento é partilhado na União Europeia, com a ministra francesa Monique Barbut a descrever o texto como “insípido” e sem o nível de ambição esperado no que diz respeito ao combate à desflorestação.
As organizações de sociedade civil sublinham que o facto de os compromissos obtidos serem apenas voluntários é um “convite aberto” para indústrias como a “grande agricultura” continuarem a obter lucros com a destruição florestal, nas palavras de An Lambrechts, especialista em biodiversidade da Greenpeace International.
Já John Verdieck, da organização The Nature Conservancy (TNC), defendeu que o Brasil “cumpriu a sua missão de recolocar a natureza no centro do processo da UNFCCC”. A inclusão da natureza logo no início do texto do Mutirão “reafirma o poder das soluções climáticas naturais” para alcançar as metas de Paris.
O líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil, Alexandre Prado, nota que o texto do Mutirão reafirma o “reforço dos esforços para travar e reverter a desflorestação e degradação florestal até 2030”.
Houve ainda progressos em áreas de financiamento com impacto directo nas florestas, recorda Clare Shakya, directora global de clima da TNC, afirmando que o avanço alcançado em áreas como o Tropical Forest Forever Facility (TFFF) e a segurança de territórios indígenas deve “impulsionar os esforços colectivos” para conservar esses ecossistemas críticos.