"Há medidas severas" para punir os "agentes que exploraram os migrantes" – que é algo que "fere e mancha as forças policiais"

Uma operação da Polícia Judiciária no distrito de Beja revelou um dos cenários mais graves de exploração de trabalhadores migrantes dos últimos anos. Dez militares da GNR, um agente da PSP e seis civis foram detidos esta terça-feira após buscas domiciliárias e profissionais, numa investigação sobre crimes violentos ligados à exploração laboral de migrantes indostânicos em propriedades agrícolas da região

Para o advogado Manuel Nobre Correia, a dimensão do caso levanta questões jurídicas graves. “A censurabilidade acrescida de crimes cometidos agrava a situação. É, aliás, uma agravante que não é muito frequente, mas que existe na nossa legislação penal. Qualquer um destes crimes – tendo em conta a qualidade dos agentes, os crimes que poderão estar envolvidos além do de tráfico de pessoas humanas -, é a coação, a ameaça e até penso que terá havido agressões, caso em que haverá ofensas à integridade física. A qualidade do agente, em pelo menos dois destes crimes, agrava a penalização.”

O advogado sublinha que, quando os indícios são sólidos, o sistema tende a aplicar medidas de coação severas. “O sistema, quando existe uma indiciação muito coerente e muito sustentada em provas, costuma ser particularmente severo depois, até nas próprias medidas de coação. Há uns anos haveria uma mera suspensão do exercício de funções, agora já é diferente, agora já chega a existir até obrigação de permanência na habitação – portanto, a prisão domiciliária – e outras medidas muito mais duras.”

Ainda assim, prefere não antecipar decisões judiciais. “Não antecipo qualquer medida de coação, porque eu não sei qual é a consistência dos indícios”, afirma, acrescentando que, “por aquilo que está a ser noticiado, suspeito que exista muita prova direta, porque estamos a falar de situações em que os próprios ofendidos são responsáveis por preencher a indiciação.”

“Absolutamente indefensável sobre todos os prismas”

Carlos Bastos Leitão, superintendente-chefe da PSP, sublinha a gravidade da situação, sobretudo porque envolve agentes das forças de segurança. “Aqueles que nos devem proteger são aqueles que depois exploram cidadãos que estão entre aqueles mais indefesos que há na nossa sociedade. A maior parte destes imigrantes, segundo o comunicado da Polícia Judiciária, está em situação ilegal, portanto a maior parte deles estaria em condições muito precárias.”

Perante os factos, o superintendente-chefe condena veementemente o envolvimento de agentes. “Ver que há polícias ou guardas da GNR a explorar estas pessoas é absolutamente indefensável sobre todos os prismas e muito lamentável, porque obviamente que lança uma mancha para cima das organizações que não é fácil de afastar.”

Para o superintendente, há falhas estruturais de supervisão. “Pasma como é que é possível, pelos vistos durante muitos meses, haver agentes ou guardas da GNR que têm tempo e não têm supervisão durante os seus turnos de serviço, que podem andar a fazer vigilâncias ilegais a trabalhadores nestas condições.”

“As forças de segurança têm de começar a refletir muito sobre os seus sistemas internos de supervisão, de controlo, porque alguma coisa não está certa com os casos que têm vindo a público”, alerta ainda Carlos Bastos Leitão.

As vítimas e o trabalho das instituições

Eugénia Quaresma, diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, lembra que estas realidades não são novas e que as redes atuam com particular incidência em zonas agrícolas do interior. “As Cáritas da zona de Beja, de facto, têm um trabalho muito grande nesta área e um trabalho de cooperação – não só ajudam acompanhando estas pessoas, como colaboram com as forças policiais.”

Eugénia Quaresma diz que este caso “fere” as autoridades, mas sublinha a importância do trabalho da PJ. “Este acontecimento fere e mancha as forças policiais, mas devo também ressaltar o trabalho de investigação da Polícia Judiciária, que vai acompanhando estes casos e desmantelando estas redes. O que é preciso no final da linha é que haja uma efetiva condenação para dissuadir as pessoas.”

Ainda assim, Eugénia Quaresma admite que há questões internas às próprias forças de segurança que precisam de resposta. “É preciso ver o que é que se está a acontecer internamente para combater esta corrupção, para perceber como é que estas pessoas se esquecem dos princípios que devem defender.”

Para a diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, preservar a confiança pública é essencial. “Conhecendo aquilo que é o princípio da GNR, que está ao serviço dos cidadãos, conhecendo aquilo que é a PSP, que é uma polícia de proximidade, e que como cidadã sinto-me à vontade para recorrer porque confio, é importante que continuemos a manter esta confiança e é importante que os identificados sejam devidamente punidos.”

O que se sabe

Esta sexta-feira, uma operação da Polícia Judiciária no distrito de Beja revelou um dos cenários mais graves de exploração de trabalhadores migrantes dos últimos anos. Dez militares da GNR, um agente da PSP e seis civis foram detidos esta terça-feira após buscas domiciliárias e profissionais, numa investigação sobre crimes violentos ligados à exploração laboral de migrantes indostânicos em propriedades agrícolas da região. Segundo apurou a CNN Portugal, o epicentro da operação é a freguesia de Cabeça Gorda.

As vítimas, muitas delas em situação irregular, trabalhavam “de sol a sol” sob coação e ameaças, num clima descrito pelos inspetores como “de terror”, em que a própria autoridade do Estado seria usada como instrumento de repressão. Além das equipas da Unidade de Contraterrorismo, estiveram no terreno cerca de duas centenas de inspetores de várias valências da PJ.

Veja a reportagem na CNN Portugal.


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