O embaixador Álvaro Mendonça e Moura sublinha, em entrevista à Renascença, que “é do nosso interesse (da UE) garantir condições de segurança no continente europeu”, mas rejeita que estejamos perante “uma opção dicotómica”. Não pode ser feito “à custa daquilo que construímos durante 60 anos. Não é “ou, ou”. São as duas coisas”.
Nos corredores de Bruxelas a utilização, ou não, dos ativos russos para apoiar a Ucrânia é tema de forte debate e vai ser, pelo menos até ao próximo Conselho Europeu. No último, em outubro, a Bélgica bloqueou esta solução.
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A Euroclear – uma das maiores instituições de títulos financeiros do mundo – está sediada na Bélgica, e grande parte dos ativos congelados à Rússia, na sequência da invasão da Ucrânia, estão depositados na Euroclear.
Para aprovar a cedência a Kiev, Bruxelas exige a partilha de riscos, tanto mais que Moscovo ameaça recorrer à justiça para reclamar o pagamento de danos, se tal se concretizar. A batata quente está nas mãos dos líderes europeus e há quem admita que, em alternativa, o apoio à Ucrânia possa incluir verbas dos envelopes financeiros destinados à PAC ou às políticas de coesão.
O presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, que também já representou – como diplomata – o nosso país junto da União Europeia, rejeita tal hipótese. Álvaro Mendonça e Moura avisa que a PAC e as políticas de coesão são o “cimento da União Europeia”.
Receia que acabe por ser a PAC (Política Agrícola Comum) a pagar a fatura da ajuda à Ucrânia?
Não. Nós temos que ver as coisas em perspetiva. Temos uma situação muito séria na Europa, com uma guerra desencadeada pela Rússia, mas não sabemos exatamente o que é que se vai passar no futuro próximo. E quando digo exatamente, estou a ser simpático, porque nós não sabemos nem exatamente, nem aproximadamente. Ninguém sabe.
Portanto, há aqui um enorme ponto de interrogação. Ninguém sabe exatamente o que é que vai ser o futuro, ninguém sabe exatamente de que Ucrânia estaremos a falar no futuro. Não sabemos, quando o documento que os americanos fizeram circular fala em cedências territoriais importantíssimas. Portanto, há aqui uma enorme incógnita.
Temos é que ter muito presente o que é a União Europeia e o que nós queremos que seja a União Europeia. Comecemos por tratar da nossa própria casa. Nós temos uma União Europeia a proteger e a desenvolver. E, obviamente, que essa União Europeia tem obrigações para com os seus vizinhos – até para o seu próprio interesse de segurança – e, portanto, é do nosso interesse garantir condições de segurança no continente europeu.
Ou seja, há aqui duas prioridades: por um lado, defender a Política Agrícola Comum, mas, por outro, há valores mais altos que se levantam, e que têm a ver com a segurança europeia…
Isto não pode ser uma opção dicotómica. Nós temos que preservar a construção europeia. E a construção europeia, como sabe, nasceu com a Política Agrícola Comum. Foi a primeira política verdadeiramente comum da então CEE, e depois União Europeia. E nós temos que começar a preservar a nossa casa comum, que é a União Europeia.
O que eu dizia é que a preservação da construção europeia exige que nós possamos garantir a segurança no continente. E, para garantir a segurança no continente, temos que fazer um esforço muito maior, em termos da nossa própria segurança e da nossa própria defesa. Mas não é à custa daquilo que construímos durante 60 anos…não é “ou, ou”. São as duas coisas.
Ora bem, o meu ponto é este: Só é possível manter a coesão europeia se todos nos sentirmos parte deste processo. E todos quer dizer exatamente todos, sejam os agricultores, sejam todos os países que fazem parte da União Europeia e foi por isso que também foi criada a política de coesão, muito mais tardia do que a Política Agrícola Comum, mas que visa também esse reforço da união entre os povos da Europa.
Na prática, está a dizer-me que a segurança da Europa é prioritária, mas não pode ser à custa da PAC, porque a Política Agrícola Comum é, de facto, um degrau essencial…
É um cimento. É um cimento da União Europeia.
E sem esse cimento nada feito, mas então onde é que se vai buscar o dinheiro, à coesão?
Não é só Política Agrícola Comum. A própria Política de Coesão que, aliás, foi pensada pelo então Presidente Jacques Delors quando ele percebeu, efetivamente, que só era possível construir uma verdadeira unidade entre os países, se houvesse um apoio àqueles que mais precisavam. Essa é a origem da Política de Coesão. E estas duas políticas são cimento da União Europeia.
Quando falamos com diplomatas na UE sobre esta manta, que não estica para todos os lados, porque é que sugerem que, se for necessário, o dinheiro sairá do envelope da PAC ou da Coesão? Onde é que se vai buscar o dinheiro?
Só há, digamos assim, três alternativas: Uma é manter as despesas orientadas da forma como estavam até aqui. Isso não é possível porque nós vamos ter que direcionar mais despesa para a nossa segurança, e isso – acho – é pacífico para toda a gente.
A segunda alternativa seria cortar em algumas das políticas atuais e é aí que se colocaria a questão da Coesão e da Política Agrícola Comum. A terceira alternativa seria utilizar novos recursos próprios.
Estas são as três grandes alternativas.
Sim, mas que recursos próprios são esses, da União Europeia?
Há várias fórmulas que têm sido postas sobre a mesa: Os impostos sobre as grandes multinacionais, quer a taxa do carbono nas fronteiras. Há vários esquemas que têm sido postos em cima da mesa, alguns deles, aliás, diretamente ligados a uma conceção de proteção do ambiente. Portanto, há aqui várias fórmulas possíveis. Agora, não pode ser feito é à custa da própria essência da União Europeia.
Já falou do cimento. Mas significa isso que a terceira via – que é aquela que mais sugere – vai sair do bolso de todos os contribuintes europeus?
A questão é muito simples: Está o senhor, eu e todos os contribuintes europeus, disponíveis e interessados em aumentar a segurança europeia? Sim ou não? Essa é a questão?
Ora, eu acho que em relação a esse ponto a resposta é pacífica. A generalidade das populações, e isso vê-se pelo Eurobarómetro, está disponível e interessada em caminhar nesse sentido. O que não me parece é que isso deva ser feito no sentido da proposta que a presidente da Comissão Europeia apresentou em julho, porque essa o que faz é mascarar os cortes que ela propunha para a Política Agrícola Comum e para a Política de Coesão.
No fundo, a proposta da Comissão Europeia implica um corte substancial nestas políticas, mas um corte encapotado, na medida em que, para diluir a imagem do corte, a presidente da Comissão Europeia mistura políticas diferentes para que não se perceba tanto onde é que estão os cortes.
O que me está a dizer é que este Orçamento da UE, tal como está desenhado não serve, pelo menos no que diz respeito à Política de Coesão e Política Agrícola Comum, porque há aqui cortes encapotados. Mas essa terceira via significa que o problema será resolvido por via de impostos que todos os contribuintes europeus pagarão, para garantir a segurança europeia?
Europeus ou não europeus. Quando eu estou a falar de multinacionais, muitas delas não são europeias e, no entanto, fazem o seu negócio largamente na Europa pagando os impostos noutros pontos. Portanto, não é necessariamente à custa do contribuinte europeu, é à custa de todos aqueles que fazem negócio aqui, isto no caso de queremos reforçar a segurança e manter o cimento da Constituição Europeia. O que não estou obviamente disponível, é para destruir aquilo que se fez durante décadas, em termos de Constituição Europeia. Isso não está disponível.
A melhor solução seria desbloquear esta questão dos “ativos russos”, e que fosse o dinheiro de Moscovo a financiar a Ucrânia?
Tenho muitas dúvidas sobre essa resposta. Convém termos bem presente, sempre, o que é o direito internacional. É preciso estudar com muito cuidado o que é o direito internacional, e respeitá-lo, se nós queremos que o direito internacional seja respeitado noutras ocasiões. Portanto, eu acho que essa não é uma pergunta para sim ou não. É uma pergunta que exige muita reflexão, muito estudo, que não pode ser respondida de animo leve.