Vai fazer 40 anos a 26 de Fevereiro do próximo ano de 2018 que, em Coimbra, no grande “Encontro das Organizações da Lavoura e dos Agricultores” – Encontro fundador da CNA – foi aprovada a “Carta da Lavoura”, um documento programático que mantém vivas e acesas várias das suas principais propostas e reclamações.
Por exemplo do seu Capítulo I – A VENDA DOS PRODUTOS AGRÍCOLAS, vamos citar:
– “ No final de cada campanha, na colheita, na vindima ou na venda de gado, põe-se o problema a cada agricultor de como vai vender o seu produto, por quanto o vai vender e a quem o vai vender.
A qualquer agricultor interessa vender rápido, receber a pronto e vender por preço que compense os gastos, o trabalho e que dê para viver.
Cada um de nós não pode ficar à mercê de um qualquer comprador que dita preços e a gente tem de aceitar porque necessita urgentemente de fazer dinheiro e não aparece outro” .
Ora aqui temos a essência “da coisa” agrícola, preto no branco, de forma simples e cristalina. Uma posição vista do lado do Agricultor – do cultor do agro – claro está !
Convém afirmar que esta mesma essência – escoamento e preços à Produção – não mudou, passados 40 anos, embora tenham mudado várias condições práticas e de contexto que, no caso, a inibem e não deixam frutificar devidamente.
À época (1978), ainda havia estruturas oficiais – organizadas – que garantiam uma “rede” básica de suporte ao escoamento e aos preços à Produção, enquanto também se tentava controlar, oficialmente, a especulação com os preços de vários bens alimentares no consumo.
Ou seja, em linguagem mais tecnocratizada, afinal, havia “controlo público da produção e dos mercados”.
Havia sim, dava-nos muito jeito, e não era nenhum “pecado”…
PORÉM, DE HÁ PELO MENOS 25 ANOS PARA CÁ, “PREÇOS À PRODUÇÃO” SÃO UMA ESPÉCIE DE “INIMIGO PÚBLICO Nº 1” PARA AS POLÍTICAS OFICIAIS A NÍVEL DA CEE, AGORA UE, A NÍVEL DE OUTROS “ACORDOS” INTERNACIONAIS E DAS POLÍTICAS AGRÍCOLAS DE MATRIZ NACIONAL.
Sobretudo a partir de 1992, data de importante “reforma da PAC”, foi decidido, pela então CEE, e por “decreto político“ digamos assim, a baixa generalizada dos Preços à Produção, a começar pelo Leite e Carne e pelos Cereais. Em última análise, da parte da então CEE tratou-se de “abrir as pernas” às exigências dos EUA (e do Canadá) nas “negociações” que se desenrolavam no âmbito do chamado “GATT – Uruguay Round”, este o “ovo” em que já chocava a futura OMC-Organização Mundial do Comércio.
Portanto, a situação entrou em acelerado processo de “decomposição interna”… Começou, aí, a desregulação oficial da produção e do mercado que se foi acelerando até hoje em que não há Preços à Produção minimamente garantidos, e em que as próprias “ajudas directas” provenientes dos Orçamentos da UE estão quase completamente desligadas da Produção.
Na verdade, a garantia de preços à produção – minimamente compensadores para quem trabalha e produz – foi erigida à categoria de tema proscrito e os Preços (justos) à Produção passaram a “inimigos públicos nº 1” das políticas agrícolas (e de mercados) oficiais, aos vários níveis.
E porquê ? Sobretudo porque isso – não haver garantias, públicas, de escoamento e de Preços à Produção ainda que em contrapartida à eliminação das barreiras alfandegárias, financeiras e das quantidades máximas (litros/tonelagens) em Bens Agro-Alimentares movidas pelo “import-export” — essa “lei da selva” interessa às grandes multinacionais, ao grande agro-negócio e aos Países/Produtores excedentários e que utilizam o modo de produção super-intensivo.
Das piores consequências “sistémicas”, uma foi a de se transformar os Agricultores em meros produtores de matérias-primas – ao mais baixo preço – para a grande agro-indústria e o grande agro-negócio e, outra, foi a de se transformar os Bens Agro-Alimentares em meras “mercadorias” sujeitas a todo o tipo de “manipulação” e especulação de que é exemplo “exemplar” a Bolsa de Chicago (cereais).
Simultaneamente, provocou-se a ruína da Agricultura Familiar (multifuncional) e do Mundo Rural, a degradação da qualidade alimentar dos Consumidores em geral, a delapidação dos Recursos Naturais (solos e águas) e a privatização de Património Genético. E países como Portugal viram agravarem-se, brutalmente, o défice agro-alimentar e o défice da Balança Agro-Alimentar de Pagamentos com o exterior.
“PREÇO” NÃO SIGNIFICA O VALOR JUSTO DE QUALQUER PRODUTO
Na verdade, o Preço – seja na Produção, na Transformação ou no Comércio – não significa automaticamente que seja esse o Valor – justo – para qualquer Produção ou Produto. Por exemplo, na maioria dos Bens Agro-Alimentares, o Preço à Produção está baixo e muitas vezes nem sequer cobre os custos mais directos de Produção, quanto mais compensar o valor do trabalho de quem produz.
Por isso, embora até tenham combatido a imposição oficial das baixas (políticas) dos Preços à Produção, os Agricultores são “obrigados”, por uma questão de sobrevivência profissional, a “aceitar” (e a reclamar mais…) as parcas Ajudas Públicas (Ajudas Directas da PAC) destinadas à esmagadora maioria e supostamente destinadas a “compensar” os Agricultores pela baixa contínua dos Preços à Produção. Mas essa dependência também gera a desvalorização económica, social e política da “profissão” de Agricultor e dos Agricultores…
DIZEM-NOS A TODA A HORA QUE SÃO O “MERCADO” E A “CONCORRÊNCIA” QUE DECIDEM E QUE RESOLVEM ESSES ASPECTOS DO ESCOAMENTO E DOS PREÇOS À PRODUÇÃO E AO CONSUMO…
É outro dos principais dogmas do sistema dominante, isto do “mercado” e da “concorrência”. Com essa “teoria”, pretendem esconder a intervenção civilizacional – a intervenção das mulheres e dos homens, concretos, intervenção que influencia e define mesmo o tal “mercado” em concreto e a cada momento histórico. É uma espécie de nova doutrina obscurantista – mas que pretende ser “modernaça” – à pala da qual há alguns que muito lucram ( as multinacionais e o grande agro-negócio) e muito, muito mais há quem perca (nós) !
Nesta “lei da selva”, quem decide no concreto é quem detém maior força “económica-negocial” e, daí, também se posiciona para ter maior força política…
Entre nós, estamos a assistir com especial evidência à imposição de autênticas “ditaduras”: – a dos Hipermercados sobre Fornecedores e também sobre Consumidores de Bens Agro-Alimentares (de entre outros) – e a “ditadura” dos três ou quatro grandes grupos económicos das Fileiras Florestais – em que uns e outros, de facto, fazem o tal “mercado” à medida dos seus interesses e em que usam e abusam de processos ilegítimos através dos quais vão impondo os baixos Preços à Produção Agro-Alimentar e Florestal. Sim, esses grandes Grupos Económicos (mais ou menos ligados à alta finança) constituíram-se como Estados dentro do Estado Português e, com isso, também arrasam a Produção Nacional e a Soberania Alimentar de Portugal. Até quando ??
Por exemplo, há vários “políticos-governantes” – hoje até se pode destacar o actual Comissário Europeu da Agricultura – que repetem e repetem e repetem que “o mercado é que virá a resolver as prolongadas ´crises´ da Pecuária”. Ou seja, “dão-nos música” enquanto o “navio” se afunda e nos afoga com ele…
Se confrontarmos essa “teoria”, podemos contrapor que, em analogia com a “lei do mercado” – e não consideramos “pesada” a comparação – também a “lei da morte” resolve os problemas causados pelas doenças no morto que acaba de matar…
Ou seja, é necessário “matar” este “mercado” – viciado – e antes que ele nos “mate” a (quase) todos !
Sim, é indispensável – e é possível – fazer subir os Preços na Produção, sem com isso implicar subidas dos Preços no Consumidor !
Sim, são necessárias outras e melhores políticas – públicas – agro-florestais e de mercados!
Janeiro 2017
João Dinis
Dirigente da CNA