Escalar para exportar – Miguel Lupi

Apesar dos avanços tecnológicos e do amadurecimento da Internet, as explorações agrícolas estão ainda muito focadas na produção, ignorando uma das principais formas de valorização dos seus produtos, o Marketing e o desenvolvimento de uma marca. Promover produtos agrícolas é uma tarefa complexa porque não há forma de diferenciar uma exploração de outra e estas estão limitadas na sua localização, muitas vezes longe do mercado e dos consumidores.

Com a industrialização do agronegócio e a progressiva globalização da agricultura, o problema torna-se ainda maior, principalmente para as pequenas explorações portuguesas, na maioria familiares. De acordo com o INE e com os dados partilhados pela CONFAGRI, em comparação com os países da União Europeia, Portugal revela ainda uma agricultura baseada em explorações de pequena dimensão económica, ou seja, de cerca de 17 mil euros de Valor de Produção Padrão Total (VPPT) por exploração, face aos 25 mil euros de média da UE-28, geridas por produtores envelhecidos, os mais idosos da UE-28, e que em larga maioria têm apenas formação prática.

Apesar do acréscimo de dificuldades dadas as condições do ponto de partida, mesmo criando uma marca que atinja a diferenciação, os mercados internos estão saturados com os preços pagos aos produtores em níveis muito baixos, tão baixos que já observámos diversas vezes ficarem abaixo dos custos de produção, gerando um risco muito elevado e na pior das consequências, podendo levar à insolvência destes negócios.

Isto aponta-nos para outra solução, mais complexa mas com maior potencial, atingir a escala para a exportação. O empresário típico português não é muito dado à colaboração e organização. Uma estória que se contava bastante na faculdade, nas empresas onde trabalhei e no próprio meio e que se usava como exemplo de má prática de investimento e gestão numa exploração, era a aquisição do trator. Ora, um determinado produtor na instalação do seu projecto adquiriu uma máquina agrícola para preparar o seu terreno para sementeira e diversos trabalhos na exploração. O vizinho, com a mesma produção, ao ouvir o barulho da máquina aproximou-se e meteu conversa, fazendo inúmeras perguntas sobre a marca, modelo, custo, horas de trabalho até final de vida, etc. A conversa ficaria por ali e um agradecia e voltava à sua exploração, e o outro ao trabalho. No dia seguinte, chegara à propriedade do vizinho o último modelo dos tratores, mais moderno, com mais funcionalidade e mais caro. No final, todos nos ríamos da estória, percebendo a sua mensagem. Mas isto na realidade, não tem piada nenhuma.

Perdeu-se a oportunidade de se unirem para (tentar) vencer. De acordo com os dados do IFAP, em Portugal temos 123 organizações de produtores, muitas pertencentes à mesma fileira. Embora já comecem a surgir algumas iniciativas e mobilização de fileiras com marca própria, estas ainda são escassas e muito aquém do potencial que podem atingir.

Com a crescente preocupação dos consumidores com a origem dos seus alimentos, e a sua maior disposição para pagar extra por produtos agrícolas de qualidade e que cumpram as melhores práticas de respeito pelo ambiente e bem estar dos animais, cabe às explorações, associações e organizações cumprir com regulamentação diversa, e ainda investir nas mais inteligentes e modernas soluções para promover os seus negócios e dos seus associados, e colocar a sua marca o mais perto possível do consumidor.

Imaginem um mundo onde sabemos tudo sobre o que comemos. Na Faarm desenvolvemos tecnologia para que todos possamos partilhar e seguir mais informação sobre a origem e percurso dos alimentos. As explorações de gado e os seus parceiros usam o nosso produto muuu.io para promover as boas práticas dos seus negócios online, fazendo com que todos tenhamos acesso a informação autêntica e curada sobre a origem da carne, leite e lacticínios.

Na prática, utilizámos a mais moderna tecnologia de Internet e as melhores práticas dos referenciais de certificação mundiais para construir um sistema colaborativo de identificação e registo de animais e respectivos produtos, focado na informação que os consumidores querem saber quando os adquirem em superfícies comerciais, nos restaurantes ou directamente ao produtor. O sistema é totalmente aberto e gratuito a todos os que trabalham no sector da pecuária de bovinos, que usem papel e caneta para manter registos e queiram iniciar a digitalização da sua exploração, ou que já utilizem o Excel ou quaisquer aplicações informáticas de gestão integradas com a Muuu.

Os benefícios são claros, em conjunto e com esta tecnologia podemos alavancar todo um sector, optimizar a aquisição e distribuição de factores de produção baixando o seu custo, aumentar a qualidade dos produtos por comparação e partilha de informação genética e de produção, e criar marcas modernas através da criação de conteúdos de interesse para o consumidor, que permitam a opção pelas explorações e equipas que se destacam pela criação de conteúdo fotográfico e de vídeo, do trabalho mais nobre que existe, que é a alimentação da humanidade.

Miguel Lupi

Fundador na Faarm


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