O crescimento económico do sector agroalimentar nacional: duas questões relevantes – Francisco Avillez

1.Introdução

Os meus mais recentes artigos e intervenções públicas levantaram algumas questões das quais gostaria de sublinhar as duas que considero serem as mais relevantes e que, apesar de distintas, se encontram interrelacionadas.

Como é possível que o sector agroalimentar nacional tenha tido, nesta última década, um comportamento relativamente marginal do ponto de vista do respectivo crescimento económico, quando são tão evidentes as melhorias produtivas e tecnológicas e, sobretudo, o tão favorável desempenho das respectivas exportações?

Como se justifica que, no contexto de ganhos tão significativos alcançados nos últimos anos pela produtividade dos factores terra e trabalho, o comportamento do valor acrescentado gerado pela agricultura portuguesa tenha sido tao pouco favorável?

2.Exportações e crescimento do sector agroalimentar nacional na última década

O valor das exportações de bens agroalimentares cresceu a um elevado ritmo de 8,1%/ano, entre os triénios “2005” e “2015”, ou seja, a um ritmo muito superior ao do conjunto da economia nacional (4,4%/ano) (Quadro 1).

Quadro 1 -Valor das exportações e importações dos bens agroalimentares em Portugal na última década

Contrariamente áquilo que muitas vezes se supõe, este crescimento foi mais significativo nos primeiros cinco anos da década (9,1%/ano) do que cinco anos mais recentes (7,1%/ano), e foi sempre superior para o valor das exportações de produtos agrícolas (8,9%/ano) do que para o dos bens agroindustriais (8%/ano).

Durante esta última década o valor das exportações de bens agroalimentares cresceu, em média, a ritmos muito superiores aos da importação (3,5%/ano), diferença esta que foi bastante mais significativa nos últimos cinco anos, em que as importações cresceram, apenas com um ritmo e 1,9%/ano, enquanto que tinham crescido nos primeiros cinco anos da década a um ritmo de 5,2%/ano.

Desta evolução das exportações de bens agroalimentares, resultou uma melhoria muito significativa na taxa de cobertura das importações pelas exportações que aumentou de 44% em “2005” para 53% em “2010” e 68% em “2015”, aumento este que foi muito mais significativo para os bens agroindustriais (+28 pp) do que para os produtores agrícolas (+14 pp) (Quadro 2).

Quadro 2 – Taxas de cobertura das importações pelas exportações do sector agroalimentar nacional na última década

 

Importa, neste contexto, sublinhar os dois seguintes aspectos.

Primeiro, que o aumento, entre os triénios “2005” e “2015”, do valor das exportações de bens agroalimentares coincidiu integralmente com o aumento do valor da produção nacional desses mesmos bens, o qual cresceu, no entanto, apenas a um ritmo de 1,5%/ano (Quadro 3).

Quadro 3 – Valor da produção de bens agroalimentares e do peso das exportações na produção desses mesmos bens em Portugal na última década

 

Segundo, que a oferta de bens agroalimentares destinadas ao abastecimento do mercado interno se manteve praticamente estagnada, donde resultou que o, apesar de reduzido, crescimento da procura nacional de bens agroalimentares (1%/ano), tenha sido alcançado exclusivamente à custa do aumento das importações desses mesmos bens (Quadro 4).

Quadro 4 – Consumo interno e exportações de bens agroalimentares e do peso das exportações na produção desses mesmos bens em Portugal na última década

Daqui resultaram duas alterações significativas no perfil da oferta e da procura de bens agroalimentares em Portugal na última década:

  • o peso das exportações na produção nacional aumentou 12 pp, tendo passado de 20% em “2005”, para 26% em “2010” e para 32% em “2015”;
  • o peso da produção nacional no consumo interno de bens agroalimentares apresentou uma redução de 13 pp, tendo passado de 86% em “2005 “ para 80% em “2010” e para 73% em “2015”.

Pode-se, neste contexto, concluir que o aumento, entre “2005” e “2015”, da produção agroalimentar nacional se destinou integralmente às exportações e que o consumo interno desses mesmos bens se tornou cada vez mais dependente das importações, cujo peso na procura interna de bens alimentares aumentou 27% em “2005” para 33% em “2010 e para 35% em “2015”.

Tendo o valor da produção do sector agroalimentar nacional crescido na última década a um ritmo de, apenas, 1,5%/ano, não é de admirar que o respectivo valor acrescentado bruto tenha apresentado crescimentos tão pouco favoráveis (Quadro 5):

  • quer a preços correntes, em que a taxa de crescimento médio anual foi de, apenas, 0.4%/ano na última década (0%/ano entre “2005” e “2010” e 0,7%/ano entre “2010” e “2015”);
  • quer a preços constantes, em que a taxa de crescimento médio anual foi de, apenas, 0,2%/ano entre “2005” e “2015” (-0,3%/ano entre “2005” e “2010” e 0,7%/ano entre “2010” e “2015”).

 Quadro 5 -Valor acrescentado bruto do sector agroalimentar a preços correntes e constantes em Portugal na última década

Face à “onda de euforia” que o sector agroalimentar tem vindo a atravessar e dadas as inegáveis melhorias por ele apresentadas nos últimos anos, não é fácil para a generalidade dos observadores compreender porque é que tais melhorias só muito marginalmente se reflectiram no crescimento económico do sector.

São várias as explicações que se poderão avançar, mas, em minha opinião, o que se está a passar com o sector agroalimentar português vem bem expresso numa resposta do Prof. Augusto Mateus a uma pergunta relativamente semelhante que lhe foi feita numa entrevista ao Expresso do dia 14 de Abril de 2017, a propósito da economia nacional.

“Os únicos sinais de esperança e de optimismo são micro: há um número apreciável, embora muito minoritário, de pessoas e de empresas a fazer coisas muito bem feitas nos últimos dez anos. Mas Portugal precisa de uma Primavera e não, apenas, de uma colecção de andorinhas.”

Está na altura de deixarmos de nos “deslumbrar” com o que de muito inovador que alguns (poucos) produtores agrícolas e empresários agroindustriais conseguiram fazer nestes últimos anos, para concentrarmos as nossas atenções na criação de condições político-institucionais e técnico-económicas necessárias para uma difusão alargada pelo tecido empresarial agroalimentar nacional das inovações tecnológicas mais adequadas a um crescimento robusto do valor acrescentado gerado pelo sector, de forma economicamente competitiva, ambientalmente sustentável e territorialmente equilibrada.

3.Crescimento económico e produtividade dos factores de produção agrícola

A obtenção de ganhos de produtividades na agricultura é sempre o resultado do efeito de numerosos factores como sejam a introdução de novas tecnologias, a obtenção de ganhos de eficiências no uso das tecnologias existentes, as economias de escala e as melhorias na gestão e na organização da produção.

No Gráfico 1, adaptado de uma publicação da CE de Dezembro de 2016 intitulada “Productivity in EU agriculture (aqui)”, vêm ilustrados estes vários caminhos de promoção da produtividade. 

Gráfico 1: Caminhos para o crescimento da produtividade

Um dos caminhos para a obtenção de ganhos de produtividade é o de, através da implementação de novas tecnologias, se fazer deslocar a fronteira da produção agrícola ilustrada no Gráfico 1 pelo deslocamento da curva da produção de F para F’.

Um segundo caminho é o do aumento da eficiência no uso das tecnologias existentes, através de uma melhor gestão e organização dos factores disponíveis, o que vem ilustrado no gráfico pelo deslocamento do ponto A para o ponto B.

Um terceiro caminho diz respeito à obtenção de economias de escala, através de uma optimização da dimensão das operações desenvolvidas com o objectivo de se atingir um rácio produto/factor (y/x) mais favorável, o que vem ilustrado no gráfico pelo deslocamento do ponto B para C.

Como se pode concluir da leitura do Gráfico 1, todos os três caminhos conduzem a ganhos de produtividade (melhoria no rácio produto-factores) mas enquanto que a adopção de novas tecnologias e a maior eficiência no uso da tecnologias disponíveis contribui para o aumento da produção (y) para igual (ou menor) quantidade de factores (x), as economias de escala, por si só, poderão conduzir a decréscimos de produção que, apesar de associadas a reduções no uso dos inputs, não geram necessariamente ganhos de valor acrescentado.

Os ganhos de produtividade muito positivos alcançados em média pela agricultura portuguesa em relação aos factores terra e trabalho (ler aqui) resultaram, no essencial, de um efeito conjunto dos caminhos de A para B e de B para C, cujo impacto sobre o valor acrescentado gerado não foi favorável, até porque a redução nos custos de produção deles resultantes não levou em consideração as despesas relacionadas com a remuneração dos factores primários de produção em geral e da terra em particular. Já o mesmo não se poderá dizer em relação ao rendimento dos produtores agrícolas (REL/UTAF) em cujo cálculo não só entram os valores dos salários e das rendas pagas como também a evolução ao longo do tempo do número total de UTA familiares.

Como tenho vindo a insistir há já alguns anos o aumento do valor acrescentado gerado pelo sector agrícola vai, no essencial, exigir que se promovam, simultaneamente:

  • ganhos de eficiência no uso dos factores intermédios de produção, o que irá implicar o recurso crescente a tecnologias de precisão ou a modelos de produção como o biológico e de produção integrada;
  • uma reconversão produtiva de muitos áreas agrícolas que nos últimos anos têm vindo a ser praticamente abandonadas, o que exigirá o recurso a um conjunto coerente e eficaz de medidas de conservação e de gestão sustentável dos solos.

Como criar condições favoráveis à concretização destes dois tipos de orientação, vai constituir, em minha opinião o principal desafio a vencer no contexto da aplicação em Portugal da PAC pós 2020.

 

Francisco Avillez

Professor Emérito, Coordenador Científico da AGRO.GES

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