Concorrência precisa-se – Manuel Chaveiro Soares

Durante o Estado Novo vigorou entre nós o regime de condicionamento industrial, que abrangia inúmeras actividades, mormente no sector transformador, o que, na minha opinião, terá prejudicado o desenvolvimento económico do País, devido ao facto de ter eliminado a concorrência.

Com efeito, o condicionamento industrial impedia o surgimento de novas empresas sem a concordância dos industriais já instalados e, portanto, possíveis futuros concorrentes. O exemplo das moagens de farinhas espoadas de trigo (que conheci de perto) ilustra claramente o papel interventor do Estado, que fixava a capacidade de moenda de cada moagem (autorizada pelo Governo de modo discricionário), a respectiva quota de rateio de trigo, e, adicionalmente, definia os preços em toda a cadeia produtiva, desde as sementes de trigo adquiridas pelos agricultores até ao pão comprado pelos consumidores.

Aliás, também a economia planificada – controlada centralmente e sem concorrência entre empresas (estatais) – não proporcionou prosperidade em nenhum país em que tenha sido implantada, conforme comprovam os dois países onde actualmente tal sistema económico ainda se pratica.

Recentemente, na Europa e nos EUA têm-se registado fortes concentrações que têm conduzido à eliminação da concorrência, nomeadamente na área digital, como é o caso, por exemplo, do Facebook que adquiriu a Instagram em 2012 e a WhatsApp em 2014.

Na União Europeia só raramente têm sido proibidas operações de concentração. No sector bancário verifica-se mesmo que o Banco Central Europeu tem encorajado a fusão de bancos, dizendo alguns que deste modo torna-se mais eficiente a supervisão. Mas, curiosamente, entre nós, nos últimos anos foram precisamente os bancos de maior dimensão que colapsaram. De notar que o Grupo Crédito Agrícola, com uma estrutura fortemente atomizada, integrando Caixas Agrícolas locais autónomas, resistiu firmemente à crise que recentemente abalou os maiores bancos nacionais. Acresce que, não raro, grandes bancos praticam irregularidades graves, como agora ocorreu com o maior banco suíço, que por isso foi condenado a multa de €4,5 mil milhões – situações que relevam a importância de uma supervisão eficiente no sector financeiro.

Especialmente durante a última década, no sector agrícola também se registaram importantes operações de concentração, em que duas a quatro empresas passaram a dominar mais de 80 por cento do mercado mundial. É o caso do melhoramento genético de sementes e de animais, designadamente suínos e galinhas, tanto no segmento dos ovos como no da carne; na área da produção animal podemos referir ainda a forte concentração que se observa na comercialização de matérias-primas (cereais e oleaginosas) e no fabrico de vitaminas e de vacinas.

Ora é reconhecido que nas últimas sete décadas alcançaram-se progressos notáveis nos domínios da ciência e da tecnologia e que, nos países de economia de mercado, a iniciativa privada – com empresas inovadoras, eficientes e competitivas – proporcionou às populações níveis crescentes de prosperidade e bem-estar, sem paralelo histórico.

Todavia, as multinacionais gigantes, em grande parte decorrentes da globalização, não irão sentir a concorrência conducente à inovação e à eficiência. Eliminada a concorrência, clientes e consumidores não terão oportunidades de escolher, os proprietários das empresas monopolistas (ou oligopólios, muitas vezes cartelizados) arrecadarão lucros elevados à custa de baixos salários e preços elevados das mercadorias e dos serviços, sem que, portanto, se continuem a verificar progressos na prosperidade e bem-estar das populações, levando estas a perderem a confiança na economia de mercado. Acresce que a globalização permitiu que grandes multinacionais não paguem impostos em muitos países onde actuam, não obstante afirmarem que são socialmente responsáveis (os EUA, porém, adoptaram uma fórmula em que os lucros dependem do volume da actividade exercida em cada estado).

Considerando o que antecede, importa repensar a tributação das multinacionais e que o capitalismo sofra uma revolução que reinstale a concorrência, tomando-se como exemplo algumas estratégias adoptadas por Margaret Thatcher e Ronald Reagan com vista a recuperarem as respectivas economias nacionais, nomeadamente diminuindo a regulamentação (burocracia a nível central e municipal também) e fomentando a concorrência nos mercados internos, inclusive admitindo empresas estrangeiras dinâmicas, e, adicionalmente, importa proibir operações de concentração sempre que tal não traga vantagens para clientes e consumidores.

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo, Phd

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