Sogrape – um exemplo mundial de viticultura sustentável


[Fonte: Syngenta]

A Sogrape Vinhos foi distinguida pela segunda vez com um prémio internacional que reconhece a sustentabilidade dos seus negócios nas vertentes ambiental, económica e social. João Vasconcelos Porto e António Graça, respetivamente diretor de viticultura e diretor de I&D da Sogrape, contam-nos como cuidam das vinhas do grupo num profundo respeito pela paisagem natural. A Syngenta orgulha-se de ser parceira da Sogrape nesta estratégia de sustentabilidade através dos projetos Operation Pollinator e Heliosec.

As marcas Casa Ferreirinha e a Sandeman foram distinguidas, nos EUA, no âmbito do ‘2019 _International Award of Excellence in Sustainable Winegrowing’. Que práticas inovadoras realizam nas vossas vinhas que justificam esta distinção?

Este prémio agora atribuído às duas marcas da Sogrape não se baseia apenas nas suas práticas de viticultura. São vários os aspetos que foram ponderados pelo BRIT para a atribuição destes prémios, entre os quais: as ações em curso de racionalização e redução do consumo de energia e água, a preocupação pela redução das emissões de gases de efeito de estufa (GEE), a minimização dos materiais usados nas embalagens e incorporação de material reciclado, a crescente valorização dos resíduos agrícolas e industriais, as práticas sustentáveis de gestão de clientes, os programas de formação e treino disponibilizados aos nossos colaboradores, as práticas de responsabilidade social existentes na empresa, os projetos de apoio aos agricultores, a importância que as atividades de I&D têm na empresa, a forma como divulgamos e nos inserimos no meio académico e profissional e o facto da Sogrape ser membro-fundador da PORVID – Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira. Para além de todos estes aspetos, o júri avaliou também os vinhos representativos das marcas premiadas. Este último ponto demonstra que o esforço em dotar a organização de sustentabilidade tem benefícios diretos para o consumidor, nomeadamente, em termos da capacidade de produção rentável de mais vinho de alta qualidade.

Que medidas de conservação do solo e da biodiversidade implementa a Sogrape nas suas quintas?

Em todas as nossas explorações agrícolas (quintas), a Sogrape está certificada, há mais de 15 anos, em Produção Integrada, um sistema de certificação que impõe regras específicas tendo em vista a conservação do solo.

A conservação do solo, aliás, é algo que nos preocupa mesmo antes de termos vinha, pois está implicada por exemplo na definição do modo de plantação da vinha – vinha ao alto, em patamares etc.

Uma vez instalada a vinha, utilizamos coberto vegetal e reduzimos ao mínimo a mobilização de solos, melhorando a estrutura destes. Somos escrupulosos na utilização de determinadas alfaias, de que é exemplo a não utilização de fresa. Em paralelo com as práticas acima descritas, temos vindo a integrar vários projetos neste âmbito, dos quais realçamos:

• o Projeto Biodivine: Com a orientação da ADVID, este projeto decorreu entre 2011 e 2014 na Quinta do Seixo. Teve como principal objetivo o incremento da biodiversidade funcional em viticultura, através da realização de ações de conservação (instalação de sebes, enrelvamento da entrelinha e/ou cabeceiras, utilização de confusão sexual como meio de proteção contra a traça da uva, entre outras), permitindo fomentar a presença de inimigos naturais de pragas e/ou doenças. Pretendeu-se com estas ações estimular a biodiversidade florística como suporte da biodiversidade animal, promovendo simultaneamente outros eco-serviços que contribuíssem para a sustentabilidade do ecossistema vitícola (conservação do solo, sequestro do carbono, turismo, etc.). As principais razões que justificam a melhoria dos habitats são: contribuir para a conservação da natureza (disponibilizar alimento e abrigo à fauna), melhorar a qualidade ambiental do ecossistema vitícola (através da criação de faixas de proteção para evitar ou mitigar a contaminação por pesticidas e/ou nutrientes e o fenómeno da erosão) e promover os valores estéticos e o respeito pela natureza.

Infraestruturas ecológicas

A Sogrape tem tido a preocupação de não ter nas suas explorações um “deserto” de vinha, de modo que fomenta diversas infraestruturas ecológicas de que são exemplo algumas medidas mencionadas acima.

Igualmente neste âmbito asseguramos a nossa participação em vários projetos, entre os quais:

• o Operation Pollinator: Em colaboração com a empresa Syngenta, foram implementadas ações de “colonização” dos taludes e das plataformas dos patamares modernos de 1 linha de plantação. Entre os anos 2010-2015, foram ensaiadas diferentes espécies vegetais com aptidão para o clima mediterrânico, desde gramíneas, leguminosas e arbustos endémicos da Região do Douro. Como principais objetivos destacam-se: aumento do número de insetos polinizadores benéficos; manutenção de um habitat para uma diversidade de outros insetos auxiliares, aves e animais; criação de zonas tampão, protetoras do solo e da água, e dos efeitos da erosão; compromisso entre os objetivos ambientais e efeito visual atrativo.

Quais os resíduos que valorizam e que impacto positivo obtêm?

Na nossa atividade valorizamos, através de compostagem, sobretudo os engaços e restos vegetais de jardins, estando atualmente em estudo a valorização das lamas resultantes dos tratamentos de resíduos das adegas. Sentimos que o impacto destas medidas é, sem dúvida, positivo, pois para além de não haver necessidade de retirar resíduos da exploração (com o consequente custo em transporte e aumento da poluição), os mesmos vão ainda valorizar os solos onde são aplicados através do aumento do teor de matéria orgânica e de alguns nutrientes, e favorecendo a sua estrutura.

O sistema Heliosec da Syngenta, que contributo dá na gestão dos restos de caldas e na proteção do solo e da água?

O sistema Heliosec, sistema de desidratação natural que temos instalado em várias explorações, permite reduzir a um resíduo desidratado a água contaminada resultante da lavagem dos equipamentos de aplicação de produtos fitossanitários. A retirada do resíduo da exploração é assim facilitada e tem vantagens económicas, sendo eliminada qualquer possibilidade de contaminação ambiental.

Que técnicas e tecnologias de agricultura de precisão aplicam com impactos positivos na gestão das vinhas, na qualidade das uvas e na proteção do ambiente?

Antes da plantação das vinhas, procedemos desde logo a estudos de microzonagem. Segue-se a própria preparação do terreno, na qual procuramos alterar o mínimo possível a estrutura dos solos – que demoraram centenas de anos a formar-se! Durante a produção de uva é particularmente importante a medição das necessidades de água, através da leitura de potenciais hídricos de base (o que é feito durante a madrugada até ao nascer do sol), bem como o acompanhamento da evolução da vinha, através de leituras de NDVI, seja em plataforma aerotransportada, seja em plataforma espacial (satélites). Estas tecnologias permitem obter uma leitura de precisão da planta individual, aumentando consideravelmente a capacidade de intervenção com minimização de custos económicos e ambientais.

Qual é o contributo da I&D para a rentabilidade e sustentabilidade ambiental da viticultura da Sogrape?

Atualmente são desenvolvidos diversos projetos de investigação com aplicação dos conhecimentos mais recentes à situação específica das nossas vinhas. Os projetos em causa são organizados de acordo com um dos seguintes pilares de desenvolvimento: clima, recursos, gestão de precisão, eficiência, consumo. O objetivo principal é sempre gerar novos conhecimentos que nos permitam implementar inovações que acrescentem valor à empresa e aos seus produtos.

Um dos projetos mais representativo em curso no pilar do clima é o projeto MED- GOLD, no âmbito do qual cientistas de vários países da Europa, das áreas da climatologia e da modelização matemática, estão a desenvolver connosco novos serviços que nos permitirão antecipar a evolução meteorológica a seis meses de distância e predizer as alterações do clima num horizonte a 30 anos. Esta capacidade preditiva permitir-nos-á ser muito mais eficientes em termos de planeamento das operações vitícolas – aquisição de produtos de proteção de plantas, contratação de mão-de-obra, marcação de vindimas, etc. A Sogrape é o único representante português e o único do setor vitivinícola europeu neste que é o maior projeto da UE para aumentar a resiliência das cadeias agroalimentares. É um projeto em que colaboramos com entidades de renome como o MetOffice inglês, o Centro de Supercomputação de Barcelona, a Agência Italiana para a Eficiência Energética (coordenadora do projeto) ou o Observatório Nacional de Atenas, em prol do desenvolvimento de inovações importantes e disruptivas que colocarão o setor vitivinícola na vanguarda da adaptação às alterações climáticas.

Um outro projeto que oferece grande promessa, neste caso no pilar da gestão de precisão, é o projeto i-GRAPE, que pretende desenvolver sensores de baixo custo para a análise in loco, não destrutiva e em contínuo, da qualidade da uva em maturação. Com estes sensores agora em desenvolvimento, será possível obter em tempo real e remotamente dados sobre a evolução de importantes parâmetros da qualidade da uva (doçura, cor, etc.), sem necessidade de deslocação de uma pessoa à vinha nem de destruir uvas para analisar o seu conteúdo. Este projeto, coordenado pelo Laboratório Internacional Ibérico de Nanotecnologia, sedeado em Braga e participado por entidades de reputada capacidade em foto-eletrónica e redes sem fios, dotará as vinhas com uma capacidade de estarem ligadas à Internet das Coisas, prometendo uma revolução na forma como se gere um sistema de produção em ambiente natural, com um mínimo de intervenção humana, respeitando e observando de perto os equilíbrios que a própria natureza possui para se autorregular, o que esperamos resultar em mais quantidade de uvas de alta qualidade, adequadas ao nosso portfolio de vinhos.

Rega das vinhas na Região Demarcada Douro. Qual é relevância da autorização agora concedida pelo IVDP face às necessidades hídricas das vossas vinhas?

Esta autorização agora concedida representa uma evolução importante na adaptação da RDD às alterações climáticas, uma vez que esta região já sente hoje efeitos muito significativos dessas alterações. A rega da vinha é mais uma ferramenta ao nosso dispor e que ajuda a contribuir para atingirmos a qualidade pretendida, sendo por isso de uma enorme importância. É de realçar neste âmbito que cerca de 70% das nossas vinhas são cultivadas em sequeiro e, por isso, não são irrigadas. A irrigação é utilizada apenas em situações em que existe risco de viabilidade para as plantas e para a produção de uvas de qualidade. Mesmo nestas situações, importa sublinhar que não se trata de regar abundantemente as vinhas, mas tão somente disponibilizar às plantas a água mínima necessária para os seus processos fundamentais, deixando-as ainda em stress hídrico. É este stress moderado que induz a produção de qualidade nas uvas. Para garantir a utilização da quantidade mínima de água, recurso escasso, em vez de se utilizarem indicadores atmosféricos como a evapotranspiração, a dotação de rega é calculada com base em valores de potenciais hídricos de base (referidos acima) obtidos com a utilização de câmaras de pressão, e com aplicação posterior de água através de um sistema de rega gota a gota em horário noturno, o que minimiza as perdas por evaporação.

Quais os desafios atuais da viticultura duriense?

O Douro, sendo uma região de viticultura de montanha, apresenta desafios maiores e mais complexos do que a maior parte das outras regiões vitivinícolas nacionais. Desde logo, o cultivo na encosta cria situações muito particulares em termos de operações vitícolas, conservação dos solos, retenção de água, gestão da biodiversidade, adequação de castas e escolha dos locais mais adequados à produção de diferentes tipos de vinhos. Sendo uma região de montanha está igualmente mais afetada por maior distância logística, tanto em termos de aprovisionamentos como de distribuição dos seus vinhos, por maior dificuldade em obter mão-de-obra qualificada e maior lentidão na adoção de soluções inovadoras ou novos modelos de negócio. Adicionalmente, a Paisagem do Alto Douro Vinhateiro está classificada como Património Mundial pela UNESCO, o que coloca restrições ao nível das intervenções adaptativas e inovações que se podem desenvolver. Esta classificação, um verdadeiro ativo para os atores regionais, para os vinhos da região e para o próprio país, carece de uma gestão cuidadosa e da sua consideração em qualquer tipo de intervenção que se pretenda equacionar. No entanto, talvez o maior desafio atual para a região seja a necessidade de mudar o seu paradigma de desenvolvimento. Uma região cuja viticultura se desenvolveu de acordo com um modelo familiar e artesanal durante séculos, nas últimas quatro décadas foi obrigada a implementar medidas de aumento de eficiência e produtividade para vencer o desafio da viabilidade económica num quadro de globalização. Esse aumento de eficiência, em diversas situações, teve como consequência uma perda da capacidade de adaptação dos modelos produtivos seja às evoluções das preferências dos consumidores e dos mercados, seja ao aumento da variabilidade ambiental, causada em primeira mão pelas alterações climáticas. O maior exemplo disso é a evolução do encepamento na região. Sendo a região portuguesa que autoriza o maior número de castas (116) para a produção dos seus vinhos, a RDD testemunhou uma erosão significativa da sua diversidade de castas à medida que as vinhas antigas, plantadas por vezes com dezenas de castas, deram lugar a vinhas mais eficientes com uma única casta. A eficiência dessas vinhas foi conseguida à custa da sua resiliência face à variabilidade ambiental e, hoje, são frequentes as situações de perdas significativas de produção ou custos acrescidos em função desse facto. O assunto não é novo e já está a ser combatido, como o revelam os vários vinhos comerciais de castas até aqui pouco utilizadas que apareceram no mercado nos últimos anos. Mas o problema existe também ao nível dos clones que se usam para cada casta, reduzidos a uma expressão quase eugénica pelo advento dos viveiros industrializados. Também aqui a resposta já começou: hoje a PORVID, Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira, propõe já seleções policlonais para aumentar a resiliência das vinhas.

Área de vinha do grupo Sogrape por regiões

Vinhos Verdes: 34 ha Douro: 508 ha

Bairrada: 62 ha

Dão: 50 ha

Lisboa: 75 ha

Alentejo: 133 ha


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