Galamba garante que “não é um passo atrás na estratégia da biomassa”.
O governo vai inverter o sentido de marcha no que diz respeito à estratégia para a biomassa em Portugal. Esta mudança face às políticas da anterior tutela tinha já sido confirmada ao Dinheiro Vivo pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, e foi anunciada esta segunda-feira pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, na 27ª Conferência e Exposição Europeia da Biomassa (EUBCE 2019), que está a decorrer em Lisboa.
Revertendo mais uma das medidas de Seguro Sanches, o ministro anunciou a adoção “em breve” de uma “resolução do Conselho de Ministros que estabelece a nova estratégia para a biomassa e a revisão do decreto-lei 64/2017”, assinado pelo anterior secretário de Estado da Energia. “Esta resolução será adaptada a uma nova visão que favorece a proximidade aos recursos e os consumidores de energia térmica, tornando mais eficiente e sustentável o uso da biomassa”, disse Matos Fernandes no maior evento mundial do setor, que esta semana reúne em Portugal mais de 1500 delegados de 70 países, com a presença da secretária geral da EUBCE 2019 e eurodeputada, Maria da Graça Carvalho, o comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, e o diretor geral da Energia da Comissão Europeia, Dominique Ristori.
Na prática, explicou o ministro, a ideia é passar de um modelo atual focado apenas na biomassa apenas para produção de eletricidade, para a instalação descentralizada de pequenas centrais térmicas alimentadas a biomassa, que não exijam tanta disponibilidade de matéria-prima. Para estas novas centrais (e só mesmo para estas) estarão disponíveis no âmbito do POSEUR – Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos “mais de 20 milhões de euros. A este valor é somado um apoio à tarifa de venda de eletricidade de 21 milhões de euros durante 15 anos. O total de financiamento disponível para financiar este tipo de centrais térmicas a biomassa é da ordem dos 340 milhões de euros”, disse o ministro.
Na passada sexta-feira, João Galamba tinha já levantado o véu sobre a nova estratégia nacional para a biomassa, com a revisão do decreto-lei 64/2017. “Vamos abandonar o apoio público a estratégias de biomassa dedicadas apenas a produção de eletricidade e apoiar apenas projetos que envolvam energia térmica”. Em causa estão os 320 milhões já aprovados por Bruxelas em ajudas de Estado, durante 12 anos, que agora serão atribuídos apenas a novas centrais, consoante o seu aproveitamento térmico e não elétrico.
Em concreto, diz o secretário de Estado da Energia, “o que muda é que até agora havia um decreto-lei que falava de centrais de biomassa, mas não especificava que tipo de centrais. Estamos a alterar o decreto-lei para frisar que a prioridade do apoio público será para as novas centrais mais eficientes do ponto de vista energético, ou seja, não são centrais de biomassa apenas para produção de eletricidade, porque essas só têm uma eficiência em torno dos 20/25%, enquanto a cogeração e trigeração tem uma eficiência superiora 80%. Se o objetivo é uma valorização energética do recurso, o que nós queremos é a valorização energética mais eficiente. Isto em relação a novas centrais. As que estão atribuídas continuam na mesma. Não fazermos revisões retroativas de contratos”.
Galamba garante que “não é um passo atrás na estratégia da biomassa”. “Se o país está autorizado a uma ajuda de Estado até 320 milhões durante 12 anos, então que esse apoio seja usado da forma mais eficiente possível. Pretendemos que o planeamento das centrais elegíveis para este apoio seja definido pelo aproveitamento térmico e não elétrico. Biomassa sim, mas com valorização térmica”.
O governante disse ainda que os critérios de seleção dos projetos serão os seguintes: devem ser em zonas com risco elevado de incêndio; ter uma cadeia logística comprovada de aprovisionamento de biomassa que contribua de facto para a gestão florestal e limpeza das florestas; e as centrais devem ser dimensionadas de acordo com consumos de energia térmica comprováveis, ou seja, que o projeto consiga justificar. Assim sendo, a produção de eletricidade passa para segundo plano, mas terá na mesma uma tarifa garantida.
“Em vez de tentar dimensionar a central para tentar captar uma tarifa bonifica, ou seja, os incentivos seriam para a maior central possível, queremos que façam a central que fizer sentido fazer, que será tão grande quanto houver consumos de energia térmica que o justifiquem. Para 1 MW de energia térmica estamos a falar de 0,5 MW de energia elétrica. Se conseguirem justificar 5 MW de térmica, depois a dimensão elétrica será a correspondente”, rematou Galamba, explicando que a mudança de estratégia de governo se prende com o Energy Outlook da Agência Europeia de Energia, apresentado recentemente.
Já os promotores de projetos de biomassa alertam para a escassez de matéria-prima e para o elevado preço da mesma. Num espaço de menos de um ano, o preço da matéria-prima que alimenta as centrais a biomassa que estão a nascer por todo o país praticamente duplicou: de 25 a 27 euros por tonelada, para o dobro.
Fonte do Ministério do Ambiente e da Transição Energética tinha já confirmado ao Dinheiro Vivo que até agora já foram aprovadas 11 centrais a biomassa, correspondentes a 193 MW, e a um investimento potencial de 412 milhões de euros. “As que estão em laboração continuarão em funcionamento. As que estão previstas estrear, serão inauguradas no prazo previsto”, diz fonte do MATE.
Galamba anunciou anteriormente um travão a fundo na estratégia nacional para a biomassa, no que diz respeito aos 60MW adicionais com tarifa subsidiada, autorizados ainda pelo seu antecessor Jorge Seguro Sanches, e com o aval de Bruxelas que disponibilizou ajudas de Estado no valor de 320 milhões de euros durante 15 anos, “financiados via um aumento nas tarifas de energia”. “Não iremos avançar com nenhuma dessas centrais. Estavam pensadas quatro, num total de 60 MW. Não iremos construir porque em consultas com o sector da floresta percebemos que não há biomassa suficiente em Portugal para viabilizar aquelas centrais e a sua construção até podia pôr em causa a viabilidade das já existentes”.