Matthieu De Clercq

Agricultura 4.0: a solução para reinventar o setor e aumentar a produção – Matthieu De Clercq

Em 2015, a ONU publicava a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, na qual se estabelecia a necessidade de pôr fim à fome no mundo. Por enquanto, os objetivos estão longe de estarem cumpridos, uma vez que existem atualmente 800 milhões de pessoas que passam fome e 2 milhões que sofrem de deficiência de micronutrientes. Problemas como o crescimento populacional ou a escassez de recursos naturais estão a atrasar um processo que requer medidas inovadoras.

De acordo com o relatório da Oliver Wyman ‘Agriculture 4.0: The Future of Farming Technology’, estima-se que, nas próximas décadas, a população mundial cresça cerca de 33%, o que significa que em 2050 coexistirão no mundo 10.000 milhões de pessoas. A verificar-se este aumento, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) prevê que a produção alimentar aumente 70% nesse ano.

Outro dado importante que se retira deste relatório mostra que os terrenos agrícolas estão a tornar-se cada vez mais inadequados para produção um pouco por todo o mundo devido a práticas prejudiciais como a desflorestação ou a períodos inadequados de pousio, sem negligenciar as alterações climáticas, o que se traduz em 25% dos terrenos agrícolas classificados como altamente degradados e 44% considerados como moderadamente ou ligeiramente degradados.

O desperdício de alimentos por parte das empresas e dos lares é outro fator que contribui para o problema da fome. Estima-se que entre 33% e 50% dos alimentos produzidos sejam desperdiçados enquanto milhões de pessoas passam fome diariamente. Porém, esta não é uma realidade distante: os dados mais atuais da FAO assinalam que, em Portugal, existem cerca de 400.000 pessoas em situação de insegurança alimentar grave.

Na realidade, a produção agrícola cresceu apenas 3% durante a última década, sendo que o setor evoluiu apenas em termos de inovação.

Apesar de não existir uma fórmula única, a agricultura terá de saber reinventar-se ao maximizar as técnicas existentes e ao apostar na introdução de novas tecnologias, sendo que esta última já é uma tendência crescente, com a presença de startups dedicadas à tecnologia agrícola a crescer mais 80% por ano desde 2012.

Surge assim o conceito de Agricultura 4.0 – focado na tecnificação e digitalização agrícolas –cujas soluções podem ajudar a reduzir os efeitos da fome no mundo.

A Agricultura 4.0 pretende produzir de forma diferenciadora o que tem vindo a ser desenvolvido pelo setor, ao utilizar técnicas alternativas como as plantações hidropónicas, o cultivo de algas, que pode servir como substituto para outros alimentos, ou a exploração de terras desérticas e o uso de água do mar para irrigação. Uma vez que grande parte da superfície do planeta é composta por água salgada e um terço da terra é composta por deserto de todo o tipo, é necessário utilizar novos recursos na produção alimentar.

Desta forma, é essencial que a produção de alimentos possa ser realizada diretamente pelos consumidores. Algumas ideias como as hortas verticais, que utilizam menos 95% de água do que as plantações tradicionais e destinam-se ao cultivo de alimentos em áreas onde o solo é inadequado, já estão a ser testadas. Além disso, encontram-se em pleno desenvolvimento outros avanços como a impressão de alimentos em 3D, que no futuro podem ajudar no aumento da produção no setor. Especialistas acreditam que as impressoras que usam hidrocolóides (substâncias que formam géis com a adição de água) poderiam ser utilizadas para substituir os ingredientes básicos por fontes renováveis como algas marinhas, lentilhas e ervas.

Mas para que a Agricultura 4.0 possa servir como solução, é necessário o envolvimento de outras indústrias através da aplicação de tecnologia adequada ao cultivo e a outros aspetos do setor. Os drones são um claro exemplo disso. A sua utilização no controlo dos terrenos agrícolas permitiu dar um salto de qualidade, já que as suas funções vão desde o controlo do solo pela criação de mapas 3D até à plantação de sementes, passando por uma análise sobre as necessidades dos produtos através de sensores. Está ao mesmo tempo a ser testado o uso de nanotecnologia aplicada à conversão de fertilizantes e pesticidas em nanocápsulas com quantidades estritamente necessárias para as plantas, reduzindo assim os danos que estes podem causar.

Todos este avanços estão a mudar a forma como os stakeholders e o poder político olham para o setor agrícola. Embora a tecnologia seja parte da solução, os governos devem ajudar a alcançar os objetivos através de programas estruturados em regime de colaboração internacional pública e privada. Estes programas devem estar focados na criação de novos produtos, soluções e líderes de mercado.

Artigo de opinião assinado por Matthieu De Clercq, Partner da Oliver Wyman para o Setor Público


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