Conservação da Natureza: a causa e a agenda esquecidas

Comemorou-se a 28 de julho o Dia Nacional da Conservação da Natureza, instituído em 1998 para, então, assinalar os 50 anos da Liga para a Proteção da Natureza, a mais antiga Associação de Defesa do Ambiente portuguesa, criada para travar a desflorestação da Serra da Arrábida e inspirada pelo poeta Sebastião da Gama, com o famoso apelo: “Socorro, socorro… que estão a destruir a Mata do Solitário.” A Rede Nacional de Áreas Protegidas (AP’s) com a rede Natura 2000 abrange hoje cerca de 22% do território continental. São mais de 80 autarquias e cerca de 1,5 milhões de compatriotas, do Gerês e Montesinho à Ria Formosa, passando pelo Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Contudo, apesar da sua relevância territorial, da obrigação do Estado preservar o Património Natural, de muitos atores políticos rasgarem em público as vestes pela defesa do interior, a verdade, nua e crua, é que o tema da Conservação da Natureza e Áreas Protegidas, as mais delas no interior do país, foi quase ausente de debate plenário, ou iniciativas, na cessante legislatura e a ação governativa ficou-se por serviços mínimos. Esquecidas ficaram medidas de encorajamento à economia sustentável nas AP’s, programas de desenvolvimento integrado [1] que, pelo menos, mantenham as populações residentes aumentando o seu bem estar. Pior só a insustentabilidade de meios necessários à própria conservação da natureza, prolongando uma situação crítica de mais de uma década.

Permitam-me agora ir ao presente e olhar para as agendas políticas, à beira do ato eleitoral. Enfunados pelo mediatismo global das Alterações Climáticas, atarantados com protagonismos emergentes, tanto inorgânicos como politicamente organizados, afadigam-se as mais das forças políticas a colocar nas prioridades transportes e mobilidade urbana, descarbonização da economia e economia circular. Pelo meio aprova-se a Lei de Bases da Habitação, coroando a Sessão Legislativa com a inenarrável “Lei das Beatas”. Para que não haja equívocos: não está em causa, obviamente, a urgência da problemática climática ou da habitação. A questão fulcral é que há efetivamente uma agenda e um destinatário político comum: o eleitorado urbano! Tenho a profunda convicção e, já agora, o conhecimento de terreno, que essas temáticas pouco ou nada dizem às populações do Douro Internacional, de Montesinho, do Alvão, da Serra da Estrela ou da Serra de S. Mamede, cujo Parque Natural teria sede precisamente em Portalegre (se ainda funcionasse condignamente). Sim, volto ao discurso de João Miguel Tavares (Bravo!) – eis uma Causa esquecida: a defesa do Património Natural e das suas gentes como parte da Identidade Nacional e… função de Estado! Não merecerá um quarto do território nacional, os seus 80 municípios e as suas gentes, um olhar para esse território de forma integrada, uma Lei de Bases do Património Natural, sobre a qual se construa um desenvolvimento socioeconómico diferenciado a partir do “capital natural”, de que todos os portugueses (e não só) possam ser usufrutuários?

Atenção, o assunto vai mais fundo na sociedade, que o jeito (ou a falta dele), em políticas públicas de ambiente. Como professor universitário de Ambiente e Conservação numa disciplina do 2.º ano de uma Licenciatura em Biologia (note-se: de Biologia, não de Direito ou Astrofísica), com turmas com mais de 200 alunos, ao longo da última década tenho por hábito perguntar, no início do curso, quantos alunos já visitaram uma Área Protegida e a resposta, caros leitores, é que, no máximo, foram cinco alunos – atentem: cinco, em mais de 200, com idades de 20 anos, ou mais! A esmagadora maioria também não faz a mínima ideia onde se situa o Parque Nacional da Peneda Gerês. Algo está terrivelmente mal na formação base dos nossos jovens no conhecimento do território nacional mas, animem-se: têm consciência da problemática global das alterações climáticas!

Para subir de escalão, posso ainda dar-vos uma sugestão para férias: experimentem ir a uma qualquer agência de viagens e peçam um pacote de uma semana a visitar os nossos Parques Naturais. Mas deixo-vos um conselho: registem a expressão do funcionário(a) a quem dirigirem o pedido, pois será coisa que não fará a mínima ideia de como vos oferecer, sugerir-vos-á um safari no Quénia! Efetivamente, o Programa Nacional de Turismo de Natureza jaz, a meio termo, numa qualquer gaveta ministerial, por desinteresse, ou singela inépcia, enquanto o Turismo de Portugal (TP) está, nesta matéria, ausente, há muito em parte incerta. São apenas dois exemplos, mas sintomáticos de que estamos perante um profundo deslaçar do cidadão com o seu território, que urge inverter.

Com a “Causa” Património Natural há que retomar uma Agenda Política: uma política de fomento de empreendedorismo e emprego jovem baseado no capital natural,  a par de políticas de incentivos financeiros e discriminação fiscal positiva, a valorização e distribuição diferenciada dos produtos agropecuários oriundos das AP’s, a dinamização estruturada do Turismo de Natureza, com o necessário investimento nas infraestruturas, meios operacionais e promoção do produto TN: enfim, uma ideia (!) para a sustentabilidade do nosso património natural e das suas gentes [2]. Por fim, urge profundo esforço no ensino geral, para retomar o conhecimento do território nacional: o que se está a passar é, neste domínio, inaceitável!

O Património Natural é uma marca identitária de um País, merece estar na linha da frente e não abafado pela insustentável leveza urbana das propostas políticas de ambiente. Termino, plagiando Sebastião da Gama: Acudam, acudam, esqueceram-se do Património Natural.

[1] Excecione-se um Projeto Piloto para o Parque Natural do Tejo Internacional, em colaboração com as autarquias locais, cujos resultados, ao momento, se desconhecem.
[2] Vide, a propósito, a Reflexão emitida pelo Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, sobre Modelos de Gestão de Áreas Protegidas

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico​


Publicado

em

, , ,

por

Etiquetas: