Gonçalo Almeida Simões

A reforma da PAC e o atraso do orçamento UE (2021-2027) – Gonçalo Almeida Simões

Está na altura de nos perguntarmos se o preocupante atraso das negociações do orçamento europeu (MFF 2021-2027) é apenas fogo de artificio diplomático ou se corresponde a uma falta de entendimento insanável entre instituições europeias e estados membros. É preciso ter-se em conta que sem este acordo prévio não haverá financiamento da nova PAC, ainda que os Ministros da Agricultura possam passar largas horas no Conselho AGRIFISH a discutir sobre a arquitetura da mesma.

As decisões mais relevantes do orçamento UE são tomadas ao nível do Conselho Europeu, em que a representar Portugal está o PM que se poderá fazer acompanhar ou não da Ministra da Agricultura e Ministra da Coesão e/ou respetivos secretários de estado. O simples convite do PM aos seus pares para estarem presentes nos derradeiros Conselhos Europeus muito dirá sobre a capacidade de influência dos ministérios sectoriais (agricultura e coesão). Será precisamente o “lobby” da Ministra da Agricultura junto do PM que ditará, dentro dos limites negociais europeus, aquilo que Portugal trará para casa em termos de pacote financeiro final, nomeadamente em termos de PAC.

A reforma da PAC para Portugal

No documento da PRES finlandesa do último Conselho Europeu de 17/18 de outubro foram veiculadas três propostas importantes a que não podemos ficar indiferentes: 1) Divisão das principais políticas em parte iguais de 1/3 (I-PAC, II-Coesão e III-outras políticas); 2) Repercussão de perdas em partes iguais para PAC e Coesão e 3) Aumento do financiamento das outras políticas, respeitando os tetos propostos da COM.

São apenas propostas da PRES FI e não estão materializadas em números. De todas as formas e partindo de algumas assunções esta proposta podia significar um aumento entre 0% e 6% para a PAC, o que não significa que Portugal tivesse ganhos diretos na redistribuição deste ganho potencial.

Encarar a realidade de forma pragmática é importante e é bom não esquecer que o ponto de partida de Portugal para o MFF 2021-2027 continua a ser 4,2 MMeuros no 1° pilar (vs 4,1 MMeuros MFF 2014-2020) e de 3,4 MMeuros no 2° pilar (vs 4 MMeuros MFF 2014-2020). Portugal tem por isso uma árdua tarefa pela frente que é a de recuperar 600 Meuros no 2° pilar.

As propostas em cima da mesa

Orçamento atual (2014-2020): 1% do RNB* UE (1,061,060 Meuros)

Proposta da Presidência UE: intervalo entre 1%- 1,11% do RNB UE (1,242,177 Meuros)

Comissão Europeia: 1,11% do RNB UE (1,279,408 Meuros)

Parlamento Europeu: 1,3% do RNB UE (1,493,701 Meuros)

Posição Portugal e Grécia: 1,3% UE (1,493,701)

*As discussões MFF são sempre com base no Rendimento Nacional Bruto (RNB) do conjunto dos 27 EM que representa o conjunto dos rendimentos primários recebidos pelos residentes (pessoas e empresas) nos 27 EM. Diferente do PIB que mede a riqueza obtida dentro da UE quer por residentes, quer por não residentes.

O atraso objetivo

A proposta MFF 2021-2027 foi apresentada em maio 2018. Já as conclusões do Conselho Europeu de maio 2019 pediam que a PRES finlandesa tivesse como uma das suas prioridades o MFF 2021-2027 e que o Conselho negociasse em outubro de 2019 para que houvesse acordo político até ao final de 2019. Nada disto aconteceu e pior estão reunidas as condições de desentendimento entre EM para que esta agonia se prolongue, sendo que da última vez (MFF 2014-2020) durou dois anos e meio.

A simbologia política do orçamento UE (2021-2027)

Tal como em qualquer EM a aprovação do orçamento UE é um momento alto, pois é aqui que se tomam as grandes decisões em termos de politica europeia. Há certamente quem goste de negociações pela madrugada dentro, de roer as unhas, dormir torto nos sofás do Conselho ou até comer amendoins durante as derradeiras 48h de negociações, mas cuidado com o “budget as usual” porque desta vez não é só mais um orçamento … A UE está confrontada com vários desafios: 1) um Brexit iminente que vale 13 MM euros/anuais para o orçamento UE; 2) euroceticismo crescente de alguns EM, 3) uma postura de protecionismo comercial do EUA como não há memoria 4) uma crise migratória no mediterrâneo, agora acompanhada de ameaças turcas. É precisamente por isto que aprovação deste orçamento não pode ser um “circo” a que o resto do mundo divertido e ensonado assistirá deleitado no seu sofá.

As matérias negociais fraturantes

Quando se fala de orçamento UE, é ao nível do Conselho que a geometria aritmética assume maiores dimensões. Hoje a lista de temas é grande, pois temos os temas clássicos e novidades : 1) Futuro do projeto europeu ; 2) Brexit; 3) A hierarquização orçamental das várias politicas europeias; 4) Financiamento e novas fontes de financiamento UE ; 5) Orçamento UE como mecanismo estabilização Euro ; 6) Condicionalidades na adesão e manutenção do estatuto de membro, nomeadamente respeito da “Rule of Law” como condição de beneficiário de fundos comunitários (Ex: Hungria).

As guerras negociais no Conselho

Neste momento há basicamente quatro coligações negociais no Conselho : 1) Maioria dos EM que tem como limite o 1,1% do RNB UE; 2) os Frugal five (Alemanha, Dinamarca, Holanda, Áustria e Suécia que insistem na manutenção de 1% do RNB UE; 3) o grupo de Visegrad contra a condicionalidade do “Rule of Law”; e 4) Portugal e Grécia, únicos EM dispostos a aumentar a contribuição nacional até 1,3% do RNB UE.

A posição de Portugal

A aparente generosidade da posição portuguesa em estar disponível para aumentar a sua contribuição para o orçamento UE é pura estratégia negocial pelas seguintesrazoes : 1) Portugal é um beneficiário liquido dos fundos UE, ocupando o 9° lugar da lista de maiores beneficiários; 2) Portugal quer garantir uma maior proximidade da COM e PE, com vista a futuros “trade-off”, apoiando estas instituições nas propostas de aumento do orçamento UE; e 3) Portugal quis assumir uma posição de protagonismo liderante no Conselho sendo o EM que se mostra mais generoso financeiramente e por isso teoricamente um dos mais europeístas.

É evidente que Portugal nunca levará a avante a sua proposta, mas ficam os ganhos indiretos de ter sido “o camisola amarela” durante algumas etapas nesta “volta” que já vai longa e que tende a continuar demorada.

Gonçalo Almeida Simões

Especialista em Public affairs, Governmental affairs e Assuntos europeus

Comissão Europeia publica regulamentos de transição da PAC pós 2020, reconhecendo que a implementação da nova PAC será adiada


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