Parlamento Europeu deixa ameaça: “Não tenciona validar automaticamente um facto consumado do Conselho Europeu e está disposto a recusar a sua aprovação até que seja alcançado um acordo satisfatório”.
O Parlamento Europeu pediu à Comissão Europeia para criar um plano de contingência para evitar hiatos entre quadros comunitários, ou seja, meses ou anos em que não haja fundos europeus disponíveis, tendo em conta os atrasos nas negociações das novas perspetivas financeiras.
“O objetivo foi prolongar as bases legais para evitar a existência de hiatos“, explicou ao ECO o eurodeputado José Manuel Fernandes. Na resolução aprovada, o Parlamento Europeu “insta a Comissão a começar a preparar imediatamente um plano de emergência para o Quadro Financeiro Plurianual com o objetivo de proteger os beneficiários e assegurar a continuidade do financiamento caso seja necessário prorrogar o atual QFP”.
O objetivo foi prolongar as bases legais para evitar a existência de hiatos.
O Parlamento pede que “esse plano seja formalmente apresentado no início de 2020, para que possa ser rapidamente adotado pelo Conselho e pelo Parlamento”, que “inclua uma proposta legislativa horizontal para suprimir os prazos estabelecidos nos programas” e “disposições operacionais concretas, em particular para a continuação das políticas em regime de gestão partilhada”.
José Manuel Fernandes, coordenador da Comissão dos Orçamentos, reconhece que a Comissão Europeia não pode admitir, para já, a necessidade deste plano de contingência, porque isso seria reconhecer o fracasso das negociações, “mas isso não impede o Parlamento de o sugerir”, acrescenta o eurodeputado.
De uma forma simplificada, é como se a União Europeia funcionasse em regime de duodécimos, embora no caso do Orçamento europeu este conceito seja diferente. Na ausência de um QFP, as regras admitem a existência de “uma rede de segurança” através da “prorrogação temporária dos limites máximos e de outras disposições do último ano do presente quadro”. Mas o Parlamento Europeu receia que essa rede de segurança possa “ser afetada, não só pela falta de preparação a nível operacional, mas também pelas datas de caducidade em vigor para alguns dos atuais programas da UE”.
Quando é negociado um novo quadro financeiro há sempre atrasos. Nos últimos anos foi assim com o QREN e com o Portugal 2020. Neste caso, a demora nas negociações do QFP, depois dos vários Acordos de Parceria com cada país e da regulamentação dos diferentes programas operacionais — e consequente implementação dos sistemas informáticos — fez com que o primeiro concurso tivesse sido lançado em dezembro de 2015, apesar de o quadro vigorar entre 2014 e 2020. António Costa, que entretanto formou Governo, definiu, por isso, como objetivo dos seus 100 primeiro dias de Governo, fazer chegar 100 milhões de euros em apoios comunitários às empresas.
Na resolução aprovada, a 10 de outubro, o Parlamento Europeu reitera a validade da sua proposta para o Orçamento comunitário. Isto é, que os 27 Estados membros devem contribuir com o equivalente a 1,3% do Rendimento Nacional Bruto (1,32 biliões de euros a preços de 2018) para “manter o financiamento das atuais políticas da UE em termos reais (nomeadamente as respeitantes à coesão, à agricultura e às pescas) e de prever meios financeiros adicionais para as responsabilidades adicionais (por exemplo, nos domínios da migração, da ação externa e da defesa)”. Isto claro sem esquecer “os programas emblemáticos (por exemplo, nos domínios da juventude, da investigação e da inovação, do ambiente e da transição climática, das infraestruturas, das PME, da digitalização e dos direitos sociais)”.
A proposta da Comissão é mais reduzida já que propõe que os Estados contribuam apenas com 1% do seu RNB. No entanto, países como Portugal, que estão totalmente contra os cortes na Política de Coesão e na Política Agrícola Comum, defendem que a contribuição deveria ser de 1,16% do RNB — uma ideia que António Costa voltou a defender no final da reunião, esta terça-feira, com o Grupo dos Amigos da Coesão, em Praga — complementada por recursos próprios da União como a tributação dos gigantes tecnológicos.
Os eurodeputados também querem que o Orçamento tenha receitas próprias, sob pena de não darem luz verde ao mesmo. Na resolução lê-se que “o Parlamento não dará a sua aprovação ao QFP sem um acordo sobre a reforma do sistema de recursos próprios da UE, incluindo a introdução de um cabaz de novos recursos próprios que estejam mais bem alinhados com as principais prioridades políticas da UE”.
O Parlamento não dará a sua aprovação ao QFP sem um acordo sobre a reforma do sistema de recursos próprios da UE, incluindo a introdução de um cabaz de novos recursos próprios .
O cardápio de possibilidades é extenso, segundo Estrasburgo: uma matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades, uma tributação dos serviços digitais, um imposto sobre as transações financeiras, os rendimentos provenientes do regime de comércio de licenças de emissão, uma contribuição sobre os plásticos e um mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras.
O Parlamento pede “a intensificação imediata das conversações interinstitucionais sobre o QFP e os recursos próprios, a fim de preparar o caminho para verdadeiras negociações, e insta o Conselho a adotar sem demora o seu mandato de negociação”. Mas deixa um aviso — não quer “ser forçado a aceitar um mau acordo por falta de tempo” — e um ameaça — “não tenciona validar automaticamente um facto consumado do Conselho Europeu e está disposto a recusar a sua aprovação até que seja alcançado um acordo satisfatório”.