Quando pensamos em Almeria, a fotografia imediata é um mar de plástico, naquela que é a maior concentração de estufas do mundo. Sim, é verdade que o objetivo dos produtores da região é conseguir altas produtividades ao mais baixo custo possível. Mas os tempos estão a mudar e esta região espanhola está a trabalhar em agrossustentabilidade e biotecnologia: 10% da área já produz em modo biológico e a palavra de ordem é diversificar culturas, aproveitando a oportunidade do mercado das frutas tropicais.
A VIDA RURAL foi conhecer o Centro Experimental Cajamar, em Las Palmerillas, e conta-lhe por onde passa o futuro na produção hortofrutícola no sul da Península Ibérica.
Comecemos por desmistificar algumas ideias. Almeria aposta numa agricultura muito intensiva, de alta produtividade, mas com uma elevada capacidade técnica e altíssima organização da produção. Sim, é verdade que as estufas têm um aspeto rudimentar, mas no interior abrigam tecnologia de ponta que permite utilizar recursos de uma forma muito eficiente e trabalhar para maximizar quantidade. Mas isso já não chega. Os produtores começam a sentir a pressão do mercado para mudar a forma como produzem e estão a responder rapidamente. Atualmente, 10% da área de estufas em Almeria já está reconvertida em agricultura biológica. Os números oficiais de 2018 indicam que existem 3169 hectares de “produção ecológica” e a tendência é de crescimento.
Uma visita ao Centro Experimental Cajamar, no coração de Almeria, permite-nos confirmar a ideia de, que quando a investigação aplicada vai à frente das necessidades dos agricultores, é possível ter agilidade na hora de mudar. O grupo Cajamar (que pertence ao universo de empresas da Caja Rural) representa 15% do setor agroalimentar espanhol e dedica-se a quatro áreas principais: investigação, formação, agroanálise e estudos e publicações. Dentro do agroalimentar, a produção, a transformação, a distribuição e a logística são as áreas core. O Centro de Experimentação ocupa 14 hectares em Las Palmerillas, 3 dos quais com estufas. A restante área é dedicada a ensaios de fruteiras, como uva de mesa, mas também frutas tropicais e subtropicais.
Juan José Hueso, investigador coordenador na Fundação Cajamar, e cicerone nesta visita, explica-nos que a agrossustentabilidade e biotecnologia são claramente o foco dos investigadores: “Estamos a tentar alargar a vida útil do plástico e a trabalhar em soluções inovadoras, como plásticos que repelem as pragas, mas também estufas com vidros autorrefletores. As energias renováveis, os materiais de cobertura e a gestão integrada de pragas e enfermidades através do controlo biológico são as principais áreas de atenção”, sustenta. Mas não só. Gestão da água e do solo, fertilização e novas culturas estão a ocupar a investigação.
Neste sentido, a Fundação Cajamar acaba de incentivar a criação de uma incubadora de empresas de alta tecnologia para a gestão sustentável da água, com uma forte aposta na transferência de conhecimento, de forma a levar a informação aos agricultores.
Desde 2012 que o Centro está a trabalhar na mudança. De processos, métodos de produção e também de culturas. Tudo em busca de mais rentabilidade com foco na sustentabilidade. Há novos modelos de estufas em estudo (tendencialmente mais altas que as tradicionais) e a ideia é adaptar técnicas da horticultura à fruticultura.
A iluminação led também está a ser testada para trabalhar a precocidade e o aumento de produtividade: “A ideia é chegar a locais da planta onde o sol não chega e dar condições de luminosidade no inverno, conseguindo otimizar o desenvolvimento da planta. O que temos de fazer é avaliar estas tecnologias, perceber se são rentáveis e garantir que não há enganos para o produtor”, revela Juan José Hueso.
O SISTEMA ENARENADO
Almeria é uma zona deserta, onde raramente chove. Apesar disso, produz-se de janeiro a dezembro com uma enorme qualidade e a chave é a utilização de estufas e um sistema de areia no solo (por cima da terra, pouco fértil neste caso), o famoso enarenado, que permite reter a temperatura no solo durante o dia e a libertação de calor durante a noite. A técnica permite ainda uma redução na utilização de água e da evapotranspiração. Com a intensificação de culturas nos últimos anos começaram também os problemas, uma vez que as necessárias desinfeções de solo acabavam por matar todos os microrganismos, tanto os nocivos como os benéficos. Neste momento, está-se a trabalhar na mudança do modo de produção, com incorporação de matéria orgânica no solo, a realização de compostagem e a utilização de bioestimulantes.
Controlo biológico
Do lado da proteção de plantas, o controlo biológico para incentivar a resistência a fungos tem estado no centro das atenções. Uma “mudança necessária e feita em pouco tempo”, frisa o investigador, que aposta no estímulo da biodiversidade: “Reservámos uma área para a plantação de plantas autóctones da zona, o que nos permite estudar as pragas e as diferentes reações de forma a possibilitar o controlo biológico”.
Alimentação e saúde são os novos drivers e a nutrição saudável é o objetivo de quem produz e comercializa. E a biotecnologia e o estudo dos microrganismos são fortes aliados neste caminho. A ideia é recuperar o equilíbrio do solo com produtos que fazem com que os microrganismos benéficos se multipliquem. O centro tem testado pré e probióticos e bioestimulantes produzidos a partir de microalgas, ricas em aminoácidos e proteínas, mas também os chamados primings, produtos capazes de aumentar a resistência das plantas ao stress, pragas ou outras enfermidades, permitindo que respondam mais rapidamente a estes ataques.
Os investigadores divulgaram alguns resultados de ensaios com pré e probióticos que se revelaram animadores para uma série de culturas. No caso do melão, registou-se um aumento de 20% na produtividade, a que acresceram benefícios nutricionais (mais cálcio e potássio, mais vitamina C e polifenol total). Na ameixa japonesa, para além da melhoria no grau de açúcar, houve ainda incremento na firmeza do fruto. Na uva de mesa não se encontraram grandes diferenças, mas houve um aumento no grau de açúcar. No tomate, as melhorias nos níveis nutricionais foram notórias, com mais cálcio, potássio, magnésio e polifenol total. Em conclusão, para além dos benefícios na melhoria do solo, os incrementos nutricionais e melhoria de sabor são evidentes em todos os testes.
FRUTAS TROPICAIS SÃO OPORTUNIDADE
Os investigadores estão à procura de alternativas para diversificar culturas aproveitando as estruturas existentes. A ideia é simples: há uma oportunidade para culturas tropicais e subtropicais, com uma procura crescente na Europa, e a região pode posicionar-se na produção de qualidade e menor pegada ambiental.
A papaia é a fruta que mais atenção tem merecido. As experiências estão a ser feitas com variedades híbridas de origem mexicana (a seleção é feita em laboratório e só interessam as plantas hermafroditas), em estufas um pouco mais altas do que o normal nesta região, conseguindo-se assim condições ótimas para a experiência. Com um comportamento cultural semelhante a uma hortícola, “a plantação é feita em março/abril para colher em final de novembro e voltamos a colher em junho/julho. É um ciclo de 24 a 27 meses. Depois destas colheitas, a planta é arrancada e a matéria vegetal é triturada e incorporada no solo antes da nova plantação”, conta Juan José Hueso, que avisa que as variedades são determinantes para conseguir frutos mais doces.
A estufa permite controlar as condições de cultivo (pragas, humidade, calor) e, neste momento, estão a conseguir uma produção de 8000 a 10 000 kg/ha, com um compasso de 1600 plantas/m2.
Para além da papaia, o maracujá é outro dos frutos tropicais que estão em ensaio.