Não existe só fogo mau. Existe fogo bom e a natureza agradece.

“Fogo” é uma palavra que traz inevitavelmente más recordações às gentes do Pinhal. No entanto, o Município está desde finais de 2019 a informar a população no sentido de fazer deste elemento, um aliado na limpeza de terrenos através de ações de Fogo Controlado.

Albino Caldeira, proprietário de terrenos onde foi demonstrada esta técnica, refere que foi através de uma sessão de sensibilização do Município com a presença da Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF) que teve conhecimento da oportunidade de assistir a fogo controlado na Serra de São Mamede, em Portalegre, e mais tarde permitir o mesmo processo em terrenos que possui no concelho de Oleiros. Esta iniciativa do Município com o apoio da AGIF, tem como objetivo permitir que os proprietários tenham conhecimento desta técnica altamente eficaz numa lógica de prevenção. As ações que decorreram durante esta semana foram custeadas pelo Município, no entanto a ideia é que haja grupos com formação que possam liderar futuras ações e consequentemente proteger os povoamentos. Pretende-se portanto que as dinâmicas sejam locais, que tenham continuidade, evolução e experiência crescente.

A estação de televisão Euronews – sediada em Lyon -, esteve em Oleiros a acompanhar esta iniciativa como um bom exemplo do que Portugal está a fazer no sentido de prevenir novas catástrofes. Em entrevista, o presidente da AGIF, Tiago Oliveira, refere com convicção: “nós temos que nos convencer que só conseguimos estar do lado certo da equação do risco do fogo se nos dedicarmos a gerir a vegetação. Com cabras, com ovelhas, com caça, com fogo controlado, com maquinaria, com boa silvicultura para fazer desbastes”. Tiago Oliveira não duvida que há que rebater mitos e alterar crenças, e que esse processo é moroso. Ainda assim, firma que “se quisermos resolver o problema, que são as consequências do fogo, temos que ir às causas. Isto é, garantir um reforço institucional do lado da prevenção, com recursos para fazer prevenção, com capacidade de juntar os vários agentes e reduzir a carga de combustível”. Por fim, reconhece que “as pessoas têm uma cultura de exclusão do fogo e nós temos que ser capazes de explicar que o fogo está a trabalhar por ele no Inverno, há humidade, há frescura, ele não está a fazer mal nenhum, só está a queimar os arbustos. É isto que pretendemos mostrar agora…que daqui a 2 ou 3 dias se voltarem cá as árvores estão bem e estão verdes”.

António Salgueiro, da empresa Gestão Integrada e Fomento Florestal (GIF), trabalha com fogo controlado há 32 anos e compreende que “quando dizemos que vamos fazer um fogo para controle de vegetação num pinhal em que o objetivo é diminuir o risco mas manter os pinheiros, claro que causa sempre algumas dúvidas”. O Engenheiro Florestal sublinhou a importância de reconhecer as condições em que se realizam ações deste género, “conseguirem perceber o índice de humidade dos combustíveis finos, da manta morta, o índice de seca, e estas aprendizagens podem ser utilizadas também nos incêndios florestais”, no sentido de perceber o índice de comportamento do fogo e trabalhar com antecipação. Um ponto importante, frisa, é entender que “não fazemos prevenção para parar os incêndios. O que é feito no fogo controlado é reduzir uma camada de combustível, mas mantemos o húmus para manter a sanidade do pinhal”. António Salgueiro explica que “se houver um incêndio no próximo verão aqui, ele propaga-se, mas propaga-se com alturas de chama em que facilitam o combate com ferramentas manuais de combate direto. Em vez de chamas com 10/12 metros de altura, teremos chamas de 50 centímetros a 1 metro de altura”.

A formação que decorreu pretendeu a credenciação de técnicos em fogo controlado e contou com quase todas as entidades que existem no país com responsabilidade na prevenção e combate: Bombeiros, Sapadores Florestais, Técnicos de Associações, Técnicos da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB), Coordenadores da Brigada de Sapadores da CIMBB, Proteção Civil Municipal, Gabinete Técnico Florestal e Grupo de Intervenção e Socorro da GNR.

Albino Caldeira confessa que “dificilmente faria a limpeza destes terrenos manualmente por ficar demasiado dispendioso”. Numa área de três hectares que foram consumidos pelo fogo em 2003, Jorge Antunes, proprietário vizinho, percebeu que “o terreno fica muito mais limpo e não afeta em nada o pinhal”. Deixa ainda o conselho: “Acho que os outros proprietários também deveriam fazer isto, porque não estraga mesmo, só vai melhorar”. Também António Luís, ex-comandante dos Bombeiros Voluntários de Oleiros, não tem dúvidas: “é a única solução para o nosso querido pinhal, as queimadas controladas”. Assume-se defensor desta técnica há vários anos e “espero que isto nunca mais pare!”. A esperança é a de que estas ações que têm decorrido no concelho, mudem mentalidades “e que as pessoas entendam que é a solução mais viável”, termina.

A economia do pinhal é um assunto delicado, mas a certeza é a de que a madeira que gera, o carbono que fixa, a caça que alberga, a paisagem que proporciona e a água que regula, merecem uma segunda oportunidade contra mitos instalados.

O artigo foi publicado originalmente em Município de Oleiros.


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